O uso de placebo e a participação de crianças e adolescentes com transtornos mentais em ensaios clínicos
Autor | Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira |
Páginas | 233-252 |
O USO DE PLACEBO E A PARTICIPAÇÃO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM TRANSTORNOS MENTAIS
EM ENSAIOS CLÍNICOS
Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira
Doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Pós-graduada em Advocacia Pública pela CEPED-UERJ. Pós-graduada em Direito da
Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra. Professora
da Pós-Graduação Lato Sensu do Curso de Direito Civil-Constitucional do Centro de
Estudos e Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED-UERJ) e da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Membro da comissão da OAB-RJ de Direito Civil
e de Órfãos e Sucessões. Coordenadora Adjunta de Direito Civil da ESA-RJ. Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. A regulação dos ensaios clínicos no ordenamento jurídico bra-
sileiro – 3. A participação de crianças e adolescentes com transtornos mentais em ensaios
clínicos – 4. O uso de placebo em ensaios clínicos com crianças e adolescente com transtornos
mentais – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
Em março de 2017, a Gazeta do Povo iniciou reportagem com a seguinte per-
gunta: “Placebo pode ser usado contra depressão em crianças e adolescentes?”.1 A
matéria tratava de tema que em uma primeira leitura estaria afeto apenas aos profis-
sionais de saúde, mas com um olhar mais atento percebe-se que por envolver direitos
de pessoas potencialmente vulneráveis merece especial reflexão pelos operadores
do direito, que podem atuar de forma a mostrar caminhos para maior proteção das
crianças e adolescentes em situações especiais.
Para além dos casos assistenciais em que têm sido frequente psiquiatras
tratarem seus pacientes crianças e adolescentes com placebo ao invés de uso de
medicamentos que podem causar dependência,2 estão os ensaios clínicos3 terapêu-
1. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/depressao-em-criancas-
-e-adolescentes-remedio-ou-terapia/ Acesso em: 28 fev. 2021.
2. Há estudos que já concluíram que a “demonstração da dimensão da superioridade dos antidepressivos sobre
o placebo reassegura pacientes e profissionais de saúde da eficácia deste tratamento apesar das altas taxas de
resposta com placebo”. Disponível em: https://portugues.medscape.com/verartigo/6502117#vp_2 Acesso
em: 15 abril 2018.
3. Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde, “para efeitos de registro, um ensaio clínico significa
qualquer pesquisa que seleciona prospectivamente participantes humanos, indivíduos ou grupos de pes-
soas, para participarem de intervenções relacionadas à saúde humana para avaliar efeitos e resultados na
saúde. Essas intervenções incluem, mas não se restringem a pesquisas com drogas, células e outros produtos
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PAULA MOURA FRANCESCONI DE LEMOS PEREIRA
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ticos com uso de placebo em grupo-controle quando há participação de crianças
e adolescentes.4
As crianças e adolescentes, em razão da falta de medicamentos desenvolvidos
especificamente para sua faixa etária até pela dificuldade de sua participação em pes-
quisa com novos fármacos, utilizam os de adultos em doses menores, mas nem sempre
essa seria a melhor forma de tratamento. Eles são vistos como pequenos adultos, no
entanto não necessariamente a aceitação é igual devido a várias especificidades do
organismo humano em determinada idade.
A falta de medicamentos específicos para tratamento de crianças e adolescentes
e o aumento dos transtornos5 mentais,6 acaba por demandar estudos clínicos mais
específicos e direcionados. No entanto, alguns questionamentos surgem e serão
enfrentados no presente estudo como: i) a legitimidade e forma de autorização da
biológicos, procedimentos cirúrgicos ou radiológicos, aparelhos, tratamentos terapêuticos, mudanças no
processo de atenção, cuidados preventivos etc.” CASTRO, Regina Celia Figueiredo. Registros de ensaios
clínicos e as consequências para as publicações científicas. Revista da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto e do Hospital das Clínicas da FMRP Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto, v. 42, n. 1, 2009. p. 31-35.
4. O tema envolvendo ensaios clínicos em crianças e adolescente ganha relevo no momento atual em virtude
da pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), declarada em março de
2020 pela Organização Mundial da Saúde – OMS, que impulsionou a realização de pesquisas clínicas com
novos medicamentos, vacinas, dispositivos médicos em busca da imunização, do tratamento e da cura da
Covid-19. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP tem divulgado boletins das pesquisas apro-
vadas e em andamento, que podem ser acompanhados no site: Disponível em: http://conselho.saude.gov.
br/publicacoes-conep?view=default . Acesso em: 28 fev. 2021. Recentemente já foram divulgadas notícias
de ensaios clínicos de vacina com a participação de crianças e adolescentes, como é o caso da farmacêutica
britânica AstraZeneca e a Universidade de Oxford que fará teste em crianças a partir dos seis anos de idade
e da Pfizer que começou a recrutar pessoas com idade entre 12 e 15 anos e crianças a partir de 5 anos. Dis-
ponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/02/13/vacina-de-oxford-se-
ra-testada-em-criancas-e-adolescentes-pela-primeira-vez.htm?cmpid=copiaecola . https://www.cnnbrasil.
com.br/saude/2021/02/26/pfizer-testara-vacina-em-criancas-a-partir-dos-5-anos Acesso em: 28 fev. 2021.
A questão traz à baila alguns questionamentos brevemente apontados em artigo de autoria de Ana Carolina
Brochado e Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira em coluna publicada no Migalhas, intitulada: “É
possível ensaios clínicos de vacina para covid-19 em crianças?”. Disponível em: https://migalhas.uol.com.
br/coluna/migalhas-de-vulnerabilidade/333778/e-possivel-ensaios-clinicos-de-vacina-para-covid-19-em-
-criancas. Acesso em: 28 fev. 2021.
5. “Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição,
na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos
psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais
estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais,
profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um
estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental. Desvios
sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente
referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito seja o
resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito.” AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Disponível em: http://aempreendedora.
com.br/wp-content/uploads/2017/04/Manual-Diagn%C3%B3stico-e-Estat%C3%ADstico-de-Transtornos-
-Mentais-DSM-5.pdf. Acesso em: 20 abr. 2018.
6. FEITOSA, Helvécio Neves; RICOU, Miguel; REGO, Sergio; NUNES, Rui. A saúde mental das crianças e
dos adolescentes: considerações epidemiológicas, assistenciais e bioéticas. Revista Bioética (Impresso), v.
19, 2011, p. 259-275.
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