Suicídio infantil e autoridade parental

AutorEsther Hwang e Luciana Dadalto
Páginas377-392
SUICÍDIO INFANTIL
E AUTORIDADE PARENTAL
Esther Hwang
Doutoranda e mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP.
Especialização em luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia – SP. Psicóloga clínica.
Luciana Dadalto
Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em
Direito Privado pela PUCMinas. Advogada. Professora Universitária. Administradora
do portal www.testamentovital.com.br
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Suicídio infantil: ato acidental ou tabu? 3. Capacidade
decisória em crianças: conceito de morte, intencionalidade e letalidade suicida. 4. Suicídio in-
fantil: interfaces entre o direito e a psicologia. 5. Considerações nais. Referências bibliográcas
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente texto propõe uma ref‌lexão sobre um tema tabu: o suicídio infantil,
tecido junto à considerações sobre autoridade parental. Considerado um dos temas
mais desaf‌iantes de se abordar em virtude do estigma e preconceito, que ref‌letem na
tratativa do tema em diversas instâncias, o suicídio infantil carece de vasto referencial
teórico e alcança o ápice do silenciamento no âmbito da morte, seja pela resistência
em aceitar a possibilidade de a criança tirar a própria vida, argumento fundado no
mito da infância feliz e inocente (Guimarães, 2018), ou em função da dif‌iculdade
de precisar o suicídio infantil devido à subnotif‌icação que se dá pela indiferenciação
entre óbitos por suicídio e acidentes (Kreuz & Dantas, 2017), causando desnorte-
amentos (Silva, 2019) e engendrando dúvidas quanto à capacidade da criança em
compreender a morte de si e tirar a própria vida.
Os registros históricos mostram que cada tempo emprega uma maneira de se
conceber o suicídio. As variações nos modos de compreensão do fenômeno ao longo
da história apontam para a convergência de um posicionamento presente desde a an-
tiguidade: a interdição e o tabu do suicídio. Isso signif‌ica que, apesar de não ser mais
classif‌icado como crime, ato transgressor às leis de uma sociedade (Marx, 1846/2006;
Jamison, 2010) ou passível de punição física conforme ocorria na antiguidade greco-
-romana (Kalina & Kovladoff, 1983; Guillon & Bonniec, 1984), há ainda uma forte
oposição contra o suicídio tanto religiosa – sustentada pela ideia de que a vida é um
dom divino e somente Deus pode dispor-se dela ou retirá-la (Minois, 2019) –, como
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moralista, com julgamentos baseados em valores morais que norteiam o modo como
o suicídio é adjetivado negativamente na atualidade (Fairbairn, 1999). O suicídio,
ainda, carrega em sua terminologia a concepção de homicídio de si (Barbagli, 2019;
Puentes, 2008), assumindo conotação estigmatizante, o que mantém em sua essência
o caráter condenatório.
Os modos atuais de compreensão do suicídio acabam por inserir o fenômeno
na lógica de valorização da vida a todo custo (Kovács, 2017). Há, nessa mentalidade
médica e jurídica, a fragmentação da vida em sua dimensão biológica e biográf‌ica
(Arantes, 2011; Dadalto & Gonsalves, 2020), no qual importa preservar, sobretudo,
a faceta orgânica de modo a manter o corpo em sua funcionalidade às custas de in-
tenso sofrimento, conferindo pouco espaço para alcançar uma condição integradora
entre ambas as dimensões no ser humano. Tal perspectiva postula uma existência
que se funda num dualismo inconciliável entre os dinamismos corporais/físicos e a
faceta que diz respeito à identidade do indivíduo, sua história e narrativa biográf‌ica.
Se vivemos numa sociedade cujo interesse primordial é salvaguardar a vida na qual
a morte passa a ser vista como fracasso, escamoteada e desvirtuada do cotidiano
(Kovács, 2003; Áries, 1977/2014), o suicídio torna-se cada vez mais inapreensível.
Essas atribuições e signif‌icações em torno da experiência suicida estão em con-
formidade com o silêncio, a interdição e os modos de tratamento que grassa em nossa
sociedade, o que abre abismos de incompreensão em relação à pessoa que pensa em
suicídio. Ora, pois, se o ato suicida traduz um desejo de morte numa sociedade que
condena o morrer, tal fenômeno desaf‌ia a lógica contemporânea de preservação abso-
luta da vida escapando a compreensão acerca da intencionalidade de morte presente
no suicídio principalmente quando se trata de crianças, considerando-se que há certa
idealização da infância como fase do desenvolvimento sem grandes preocupações ou
angústias, no qual o ato suicida é muitas vezes considerado acidente. Se o suicídio
no adulto é carregado de incompreensões, tabus e julgamentos que lugar, então, o
suicídio infantil ocupa?
Se no âmbito das ciências da saúde e sociais o tema é tabu, no âmbito jurídico
o tema é inexistente. O suicídio, como um ato de dispor de si mesmo, é estudado
sempre sob a perspectiva do Direito Penal, focando no sujeito criminoso que au-
xilia ou instiga outro a morrer. Inexiste, na doutrina jurídica brasileira, trabalhos
que estudam o suicídio infantil sob a perspectiva da autoridade parental, por isso, o
trabalho aqui desenvolvido é duplamente espinhoso.
Nesse contexto mais do que inserir o tema numa lógica explicativa o presente
artigo busca problematizar as seguintes questões: Como abordar a temática do sui-
cídio infantil numa sociedade que interdita a morte de si e abre pouco espaço para
ref‌lexão apresentando argumentos imperativos acerca da inexistência de suicídio
em crianças, pois estas não seriam capazes de entender o ato de tirar a própria vida,
logo, encerrando qualquer possibilidade de discussão? Será que conceber o ato sui-
cida de uma criança como acidental é um modo de nomear aquilo que é da ordem
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