A heteronomia estatal judicial no exercício da autoridade parental por meio do reconhecimento da parentalidade socioafetiva

AutorRenata Vilela Multedo e Isabella Olivieri
Páginas1-20
A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO
EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
POR MEIO DO RECONHECIMENTO DA
PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA1
Renata Vilela Multedo
Doutora e Mestre em Direito Civil pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
MBA em Administração de Empresas pela PUC-Rio. Professora Titular de Direito Civil
do Grupo IBMEC e dos cursos de pós-graduação lato-sensu da PUC-Rio. Membro do
Conselho executivo da civilistica.com - Revista eletrônica de Direito Civil. Membro
efetivo do IAB, IBDFAM e IBDCivil. Advogada
Isabella Olivieri
Mestranda em Direito Civil pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões pela PUC-Rio. Advogada
Sumário: 1. Introdução – 2. A intervenção judicial e o reconhecimento da parentalidade so-
cioafetiva – 3. A intervenção judicial e o reconhecimento da multiparentalidade 4. Conclusão
– 5. Referências bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
Na perspectiva contemporânea do direito civil, todas as situações jurídicas
subjetivas submetem-se a controle de merecimento de tutela, com base no projeto
constitucional. Nesse passo, uma visão moderna da família requer uma funcionali-
zação do instituto que responda às escolhas de fundo da sociedade contemporânea,2
operadas pela Constituição de 1988: a cláusula geral de tutela da pessoa humana e
notadamente os arts. 226, § 5º, que estabeleceu a igualdade dos cônjuges no casa-
mento, e 227, que atribuiu aos f‌ilhos a posição de centralidade no grupo familiar,
garantindo concretude ao princípio da igualdade material e “absoluta prioridade”
às crianças e aos adolescentes.3
1. Grande parte das ideias aqui apresentadas constitui aspectos desenvolvidos no âmbito do livro Liberdade
e Família: limites para a intervenção do Estado nas relações conjugais e parentais (1.ed. Rio de Janeiro:
Processo, 2017), de Renata Vilela Multedo.
2. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 138.
3. BODIN DE MORAES, Maria Celina. A nova família, de novo: estruturas e funções das famílias contempo-
râneas. Revista Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 2, p. 588, mai./ago. 2013.
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Na passagem da estrutura à função,4 a família deixou de ser unidade institucional,
para tornar-se núcleo de companheirismo,5 sendo hoje lugar de desenvolvimento da
pessoa no qual se permitem modalidades de organização tão diversas, desde que este-
jam f‌inalizadas à promoção daqueles que a ela pertencem.6 A axiologia constitucional
recente tornou possível a propositura de uma conf‌iguração democrática de família,
na qual não há direitos sem responsabilidades nem autoridade sem democracia.7
No que tange às relações entre pais e f‌ilhos, as mudanças constitucionais e as
implementadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente deslocaram radicalmente
o enfoque das relações parentais, embasando-as nos princípios da dignidade humana,
da paternidade responsável e da solidariedade familiar. Da f‌igura do pátrio poder,
centrado na função de gestão patrimonial, caminhou-se para a autoridade parental,8
que assume função educativa, de promover as potencialidades criativas dos f‌ilhos.9
Justamente em virtude da centralidade que assumiu a f‌iliação no âmbito da família,
a autoridade parental tornou-se “um instrumento de garantia dos direitos funda-
mentais do menor, bem como uma forma de resguardar seu melhor interesse, tendo
em vista que deve ser voltada exclusivamente para a promoção e desenvolvimento
da personalidade do f‌ilho”.10
Em doutrina, já se conceituou a autoridade parental de modos diversos. Assim,
entre diversas def‌inições, f‌igura o entendimento da autoridade parental: como direito
subjetivo dos pais exercido no interesse destes e dos f‌ilhos;11 como um poder jurídico
exercido em benefício do outro sujeito da relação jurídica;12 e como um múnus pri-
4. Ver, por todos, BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo:
Manole, 2007. Na def‌inição de Luiz Edson Fachin (2015, p. 49), “a travessia é a da preocupação sobre como
o direito é feito para a investigação a quem serve o direito”.
5. VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. Disponível em:
artigos_pdf/Joao_Baptista_Villela/RepensandoDireito.pdf>. Acesso em: 3 fev. 2016.
6. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 972.
7. BODIN DE MORAES, Maria Celina. A nova família, de novo: estruturas e funções das famílias contempo-
râneas. Revista Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 2, p. 588, mai./ago. 2013, p. 591-593.
8. Optou-se pela adoção do termo “autoridade parental” em vez de “poder familiar”, adotado pelo legislador
infraconstitucional, por se entender mais adequado com a axiologia constitucional. Sobre a diferenciação
de nomenclatura, remete-se à TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 3-7.
9. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 999.
Sobre a modif‌icação do exercício da parentalidade, vista como corresponsabilidade, ver também LEBRUN,
Jean-Pierre. Um mundo sem limites: ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Rio de Janeiro: Cia de
Freud, 2004.
10. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 85.
11. CORRÊA DE OLIVEIRA, José Lamartine; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. 2.
ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 29-30.
12. “Esse ‘outro’ [o pai], por sua vez, recebeu do Estado um múnus, um feixe de poderes e deveres a serem
exercidos em benefício dos f‌ilhos, o que nos autoriza a caracterizar a autoridade parental como poder ju-
rídico, no que tange às inúmeras categorias das situações jurídicas” (TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado;
PENALVA, Luciana Dadalto. Autoridade parental, incapacidade e melhor interesse da criança: uma ref‌lexão
sobre o caso Ashley. Revista de Informação Legislativa, v. 180, p. 297, 2008).
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vado controlado pelo Estado.13 Fato é que a autoridade parental vista como relação
de poder-sujeição está em crise.14 O que têm em comum todas essas def‌inições do
instituto denominado pelo legislador infraconstitucional de poder familiar é que
esse deve ser exercido no interesse dos f‌ilhos.
Assim, “na concepção contemporânea, a autoridade parental não pode ser re-
duzida nem a uma pretensão juridicamente exigível em favor dos seus titulares nem
a um instrumento jurídico de sujeição (dos f‌ilhos à vontade dos pais)”.15 Ela tem a
f‌inalidade precípua de promover o desenvolvimento da personalidade dos f‌ilhos,
respeitando sua dignidade pessoal.16 Ao assumir essa função, a autoridade parental
não signif‌ica mais somente o cerceamento de liberdade ou, na expressão popular,
a “imposição de limites”, mas, principalmente, a promoção dos f‌ilhos em direção à
emancipação. A estes devem ser conferidas as escolhas existenciais personalíssimas
para as quais eles demonstrem o amadurecimento e a competência necessários. O
desaf‌io está justamente em encontrar a medida entre cuidar e emancipar.17
Destaca-se, ainda, que a autoridade parental apenas encontra justif‌icativa fun-
cional se é empreendida em prol do desenvolvimento da personalidade dos f‌ilhos,
não merecendo tutela jurídica quando exercida de maneira patológica.18 Sob esse
prisma, a relação paterno-f‌ilial não pode ser pensada exclusivamente como contra-
posição, já que diz respeito, também, ao chamado desenvolvimento f‌isiológico de
uma família.19 O contraste ou a conexão não ocorrem entre as situações jurídicas inte-
grantes da própria relação, mas, sim, entre situações jurídicas subjetivas complexas,
delineando o conteúdo dessa relação que se altera e que se desenvolve conforme as
13. “Uma vez que o pátrio poder é um múnus que deve ser exercido, fundamentalmente, no interesse do f‌ilho,
o Estado o controla, estatuindo a lei os casos em que o titular deve ser privado do seu exercício, temporária
ou def‌initivamente” (GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 291).
14. “[...] em uma concepção igualitária, participativa e democrática da comunidade familiar, a sujeição, tradicio-
nalmente entendida, não pode continuar a exercer o mesmo papel. A relação educativa não é mais entre um
sujeito e um objeto, mas é uma correlação de pessoas, onde não é possível conceber um sujeito subjugado
a outro” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008,
p. 999).
15. Assim, complementa Gustavo Tepedino, a “interferência na esfera jurídica dos f‌ilhos só encontra justif‌ica-
tiva funcional na formação e no desenvolvimento da personalidade dos próprios f‌ilhos, não caracterizando
posição de vantagem juridicamente tutelada em favor dos pais” (TEPEDINO, Gustavo. A disciplina jurídica
da guarda e da autoridade parental. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 17, n. 5, p. 40-41, jan./mar. 2004).
16. MENEZES, Joyceane Bezerra de; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Autoridade parental e a privacidade
do f‌ilho menor: o desaf‌io de cuidar para emancipar. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 20, n. 2, p. 504, mai./
ago. 2015.
17. MENEZES, Joyceane Bezerra de; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Autoridade parental e a privacidade
do f‌ilho menor: o desaf‌io de cuidar para emancipar. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 20, n. 2, p. 504, mai./
ago. 2015, p. 505.
18. MEIRELES, Rose Melo Vencelau; ABÍLIO, Viviane da Silveira. Autoridade parental como relação pedagógica:
entre o direito à liberdade dos f‌ilhos e o dever de cuidado dos pais. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz
Edson (Orgs.). Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, v. 3, p. 345-347.
19. STANZIONE, Pasquale. Personalidade, capacidade e situações jurídicas do menor. In: TEIXEIRA, Ana
Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite; COLTRO, Antônio Carlos Mathias; TELLES, Marília
Campos Oliveira e (Orgs.). Problemas da família no direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 222.
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diferentes exigências dos f‌ilhos.20 Caracteriza-se por uma “compreensão recíproca
e interdependência”.21
A relação entre pais e f‌ilhos é uma via de mão dupla,22 indispensável à efetivação
dos ditames constitucionais. Ela não só envolve a realização dos interesses existen-
ciais dos f‌ilhos, mas também a concretização do sentido da parentalidade, através da
realização dos pais pela promoção da pessoa dos f‌ilhos. Do ponto de vista dialético
existencial da relação, pais e f‌ilhos se completam, “não se trata de conf‌lito, domínio
ou exploração e, sim, de solidariedade familiar na sua forma mais pura, essencial e
espontânea”.23 Nesse sentido, “a verdadeira paternidade é um fato da cultura. [...] A
função do poder-dever atribuída aos pais com relação aos f‌ilhos não está em guardá-los
de todo o mal nem em convertê-los em cópias de seus guardiões, mas em assisti-los
e encaminhá-los à senhoria das próprias vidas”.24
Na relação parental contemporânea, não há dúvida de que as regras estão a
serviço da proteção da criança e do adolescente, cujos melhores interesses devem
sempre ser amplamente resguardados pelo Estado, pela sociedade e pela família em
si. “Convivem, portanto, no direito de família, o público e o privado, não sendo pos-
sível demarcar fronteiras estanques”,25 sendo justif‌icável a interferência do Estado
para maiores salvaguardas em prol da tutela dos vulneráveis quando, na situação
concreta, esta se mostrar realmente necessária.
Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico realizado
em 21 de setembro de 2016,26 considerou, apreciando a repercussão geral da matéria27
e por maioria dos votos e nos termos do voto do relator, que “a paternidade socio-
afetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de
f‌iliação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
20. STANZIONE, Pasquale. Personalidade, capacidade e situações jurídicas do menor. In: TEIXEIRA, Ana
Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite; COLTRO, Antônio Carlos Mathias; TELLES, Marília
Campos Oliveira e (Org.). Problemas da família no direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 222.
21. SOTTOMAYOR, Maria Clara. Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2002, p. 16.
22. Def‌inição de FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,
p. 245.
23. SÊCO, Thaís. A autonomia da criança e do adolescente e suas fronteiras: capacidade, família e direitos da
personalidade. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2013, p. 110.
24. VILLELA, João Baptista. Família hoje. In: BARRETTO, Vicente (Org.). A nova família: problemas e pers-
pectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 85-86.
25. BODIN DE MORAES, Maria Celina; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentário ao artigo 226. In:
CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/
Almedina, 2013, p. 2119.
26. STF. RE 898.060, Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento: 21.09.2016. Órgão julgador: Pleno. O voto con-
dutor foi acompanhado pelos Ministros(as) Cármen Lúcia, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber. Vencidos, em parte, os Ministros Luiz Edson Fachin e
Teori Zavascki. Ausente, justif‌icadamente, o Ministro Luis Roberto Barroso.
27. Repercussão Geral 622.
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Para o relator, Ministro Luiz Fux, é o direito que deve se curvar às vontades e
necessidades das pessoas, não o contrário. Sob essa lógica, ressalta que o conceito de
família não pode ser reduzido a modelos padronizados, nem é lícita a hierarquização
entre as diversas formas de f‌iliação. Assim, salienta a necessidade de se contemplar
todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, “a saber: (i) pela
presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais (como a fecundação
artif‌icial homóloga ou a inseminação artif‌icial heteróloga – art. 1.597, III a V do
Código Civil de 2002); (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade”.
Assim, presencia-se o f‌im de um dos paradigmas mais antigos do sistema jurí-
dico: o da biparentalidade, em prol da multiparentalidade. Atenta doutrina ressalta
que de uma só vez o Supremo Tribunal Federal reconheceu o instituto da paternida-
de socioafetiva mesmo à falta de registro; a ausência de prevalência da paternidade
biológica sobre a socioafetiva; e a multiparentalidade.28
Essa mudança na compreensão jurídica no campo da f‌iliação culminou na edição,
em 14 de novembro de 2017, do Provimento 6329 do Conselho Nacional de Justiça,
que contém uma seção inteiramente dedicada à parentalidade socioafetiva e prevê
a possibilidade do reconhecimento voluntário da paternidade e/ou da maternidade
socioafetivas extrajudicialmente. Em que pese o provimento demandar ref‌lexões mais
profundas e ter gerado diversos debates, não se pode negar que ele vai ao encontro
dos diversos pedidos de registro do nome de mais um pai ou mais uma mãe que já
vinham sendo requeridos nos últimos anos nos cartórios de todo o Brasil.
Partindo dessas considerações iniciais é que se pretende investigar as justif‌i-
cativas para o intervencionismo estatal judicial na esfera privada da família no que
tange ao reconhecimento da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade, bem
como suas ref‌lexões e importância como resposta a uma demanda social em relação
a certos vínculos parentais que se encontravam à margem do direito.
2. A INTERVENÇÃO JUDICIAL E O RECONHECIMENTO DA PARENTALIDADE
SOCIOAFETIVA
Em doutrina,30 no que se refere à f‌iliação, sinalizam-se três critérios que eviden-
ciam o vínculo da parentalidade: “a verdade jurídica, a verdade biológica e a verda-
de afetiva”, sem hierarquia entre eles, abstratamente considerados. A intervenção
positiva do julgador, que reconhece a situação de fato do f‌ilho prestigiando a sua
verdade, “representa a consagração dos direitos a liberdade, respeito e dignidade”,
concretizando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
28. SCHREIBER, Anderson; LUSTOS, Paulo Franco. Os efeitos jurídicos da multiparentalidade. Revista Pensar,
Fortaleza, v. 21, n. 3, p. 847-873, set./dez. 2016.
29. Conselho Nacional de Justiça, Provimento nº 63 de 14/11/2017. Disponível em: .cnj.jus.br/
busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 01 mai. 2018.
30. MEIRELES, Rose Melo Vencelau. O elo perdido da f‌iliação: entre a verdade jurídica, biológica e afetiva no
estabelecimento do vínculo paternof‌ilial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 239.
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Fazer coincidir a f‌iliação com a origem genética é transformar aquela, de
fato cultural e social, em determinismo biológico, incapaz de completar suas di-
mensões existenciais.31 Sob a égide do Código Civil de 1916, o intervencionismo
legislativo sobre as relações familiares se prestava a reconhecer e legitimar apenas
os laços oriundos dos parâmetros tradicionais da parentalidade, permeados por
uma moralidade discriminatória. No entanto, com as inovações tecnológicas e
transformações sociais, o direito foi desaf‌iado a adequar-se a uma nova realidade
na qual os pais não são – nem necessária, nem exclusivamente – aqueles que for-
neceram o material biológico.
Opera-se, portanto, a superação da ideia clássica de parentalidade que vigorou
por anos, expressão de um silogismo simplório que conferia somente aos genito-
res os atributos de pai e mãe. Essa superação, por si só, não é a grande novidade,
uma vez que a parentalidade por pessoas que não os ascendentes consanguíneos é
juridicamente reconhecida há muito tempo no instituto da adoção. Hoje, porém,
diferentemente da adoção, em que há o desligamento dos vínculos com a família
biológica32 e o início de uma nova relação com a família adotiva, a tendência que se
consagra nas relações familiares é a relativização da verdade biológica somente após
a verif‌icação da existência de relação socioafetiva.
Na busca da concretude dos ditames da igualdade substancial, a Constituição
de 1988 provocou profunda alteração no enfoque sobre o exercício da parentalidade.
Novos arranjos parentais eclodiram, demandando dos julgadores o abandono de
velhos padrões em prol de uma intervenção construtiva para atribuir valor jurídico
aos vínculos de afeto. Embora se possa debater o status jurídico de princípio consti-
tucional – o que não se pretende fazer nesta oportunidade –, é inegável que o afeto
contém valor jurídico apto a produzir diversos efeitos relevantes, o maior dos quais,
a constituição da f‌iliação socioafetiva.
É, por essa visão, que se passou a af‌irmar na doutrina a existência de uma passa-
gem da família como “comunidade de sangue” para “comunidade de afeto”.33 A afeti-
vidade entrou na ponderação dos juristas que buscam explicar as relações familiares
contemporâneas.34 A maioria da doutrina considera a afetividade como um princípio
implícito fundante do direito de família na atualidade. Como uma especialização
dos princípios da solidariedade e da dignidade humana, a afetividade se entrelaçaria
com os demais princípios de direito de família ressaltando o viés cultural e não mais
31. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e os princípios constitucionais. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 119.
32. Permanecendo apenas os impedimentos matrimoniais (art. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: .br/ccivil_03/LEIS/
L8069.htm>. Acesso em: 10 nov. 2015.
33. FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p. 317-318.
34. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e os princípios constitucionais. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 119.
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A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
exclusivamente biológico do parentesco.35 Ocorre que podem ser conferidas duas
faces à afetividade. A primeira é a subjetiva, a do sentimento propriamente dito, a
qual não é aferível e, portanto, inexigível pelo direito. O segundo viés é objetivo e
baseia-se na percepção do afeto, o qual, efetivamente, pode ser identif‌icado como
fundador de deveres legais e constitucionais.36
Boa parte do que é o afeto constitui elemento anímico, de foro íntimo. Por isso,
apenas podem ser consideradas como juridicamente relevantes as condutas objeti-
vas exteriorizadas, aptas a condicionar comportamentos e expectativas recíprocas e
capazes de inf‌luenciar no desenvolvimento da personalidade dos membros daquela
entidade familiar. Assim, aqui, quando se falar em afeto, não se está falando do sen-
timento, mas dos comportamentos habituais da convivência familiar, porque são
capazes de produzir ef‌icácia jurídica.37
Essas ressalvas não buscam mitigar o poder que o afeto possui no campo do
direito de família. Muitas vezes, a doutrina38 e a jurisprudência39 identif‌icam, inclu-
sive, uma maior importância na prática social dos laços de afetividade e convivência
familiar em relação aos próprios dados biológicos, advogando pela prevalência da
socioafetividade em regra, desde que sejam respeitados os princípios do melhor
interesse da criança e da dignidade da pessoa humana.
Entende-se, pois, que o afeto é capaz de criar um laço de parentesco entre pes-
soas: a parentalidade socioafetiva, def‌inida como um vínculo de parentesco civil que
as une independentemente de possuírem vínculo biológico.40 A doutrina vislumbra
referência implícita à socioafetividade como forma de parentesco na disposição do
art. 1.593 do Código Civil, que prevê que o parentesco pode ser natural ou civil, de-
corrente da consanguinidade ou de outra origem.41 Realmente, uma vez conf‌irmada a
possibilidade do parentesco socioafetivo, não se pode mais qualif‌icá-lo como inferior
ao biológico. O Código Civil não o faz e a Constituição veda o tratamento desigual
35. Ver, por todos, LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e os princípios constitucionais. In: PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 118.
36. TEPEDINO, Gustavo. Dilemas do afeto [p. 7]. Disponível em: . Acesso
em: 31 dez. 2015.
37. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. A multiparentalidade como nova estru-
tura de parentesco na contemporaneidade. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 4, p. 18-19, abr./jun. 2015.
38. Nesse sentido, LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. In: DEL’OLMO, Flo-
risbal de Souza; ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Direito de família contemporâneo e novos direitos: estudos
em homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 111.
39. Ver, por todos: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial no 1.106.637/SP. Relatora: Ministra
Nancy Andrighi. Julgamento: 1.6.2010. “Sob a tônica do legítimo interesse amparado na socioafetividade,
ao padrasto é conferida legitimidade ativa e interesse de agir para postular a destituição do poder familiar
do pai biológico da criança.”
40. CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
16.
41. CALDERÓN, Ricardo Lucas. Princípio da afetividade no direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013,
p. 248-249. Nesse sentido, também FACHIN, Luiz Edson. Do direito de família. Do direito pessoal. Das
relações de parentesco. Arts. 1.591 a 1.638. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao
novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 22, v. 18.
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entre f‌ilhos. Portanto, uma vez reconhecida a parentalidade socioafetiva, a inter-
pretação mais consoante com a unidade do ordenamento é a que não faz nenhuma
diferenciação hierárquica entre os tipos de vínculos de f‌iliação.
Não é, porém, a mera expressão de sentimento de amor ou afeto que é apta a gerar
a parentalidade socioafetiva. Tome-se, por exemplo, um padrasto ou uma madrasta
que conviva com os enteados e divida com a mãe das crianças as contas da casa ou
que os presenteie com cursos e viagens. Isso, por si só, poderia fazer considerá-lo(a)
como pai ou mãe socioafetivo(a) das crianças?
Neste caso, é possível que coabitem com os f‌ilhos do novo cônjuge ou compa-
nheiro(a) e não exerçam de fato uma autoridade parental, mas expressem afeto, soli-
dariedade e até contribuam para o seu sustento como forma de facilitar a convivência
e a harmonia da família recomposta. Assim, pode ser que o vínculo nem ao menos
se forme, devendo os julgadores f‌icarem atentos às peculiaridades do caso concreto,
para evitar um julgamento precipitado, seja para criar, seja refutar esse vínculo. Isso
porque a relação entre padrasto ou madrasta e enteados é uma realidade tão sensível
que levou à substanciosa alteração legislativa. Assim, por meio da Lei 11.924/2009,
modif‌icou-se a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), para possibilitar que os
enteados adotem o nome de família do padrasto ou da madrasta, desde que estes
concordem e sem prejuízo de seus sobrenomes originais.42 Ressalta-se, de acordo
com a Lei, que isso é possível desde que haja “motivo ponderável”, entenda-se,
justif‌icável, uma vez que a alteração do nome no direito brasileiro se dá sempre em
hipóteses excepcionais.43
A solução mais difundida pela doutrina e pela jurisprudência é a aferição, no
caso concreto, da posse de estado de f‌ilho. Nesse sentido, manifesta-se o Enunciado
256 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que determina
que “a posse de estado de f‌ilho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de
parentesco civil”. Posteriormente, aprovou-se também o Enunciado 519 do CJF da
V Jornada, por meio do qual se af‌irmou que o reconhecimento do vínculo da socioa-
fetividade “deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e f‌ilho(s), com base na posse
do estado de f‌ilho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais”.
Tradicionalmente se impõem três elementos para que haja a conf‌iguração da
posse do estado de f‌ilho. O primeiro deles é o tractatus, o comportamento ostensi-
vo dos envolvidos como se parentes fossem. O segundo é o nomen, exigindo que o
suposto f‌ilho porte o nome de família, e o terceiro é a fama, o reconhecimento da-
quela relação pela comunidade como uma relação de parentesco.44 Esses elementos,
42. Lei 6.015/1973, art. 57, § 8o: “O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e
7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome
de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo
de seus apelidos de família”.
43. Ver, por todos, BODIN DE MORAES, Maria Celina. A tutela do nome da pessoa humana. In: ______. Na
medida da pessoa humana: estudos de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 149-168.
44. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 236-237.
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A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
porém, não devem ser tratados como requisitos essenciais, já que não há nenhuma
exigência legal nesse sentido, mas são fortes indícios de parentalidade socioafetiva.
A convivência familiar é o substrato da verdade real da família socioafetiva, como
fato social aferível por meio de prova.45
No entanto, é possível se argumentar que a posse de estado de f‌ilho é um meio
ef‌icaz de se comprovar o parentesco socioafetivo, mas não passaria disto: mero meio
de prova. Os requisitos da posse de estado de f‌ilho seriam, desta forma, indicadores
da existência da parentalidade, sem serem seus elementos constitutivos. Seguindo
essa linha de raciocínio, af‌irma-se em sede doutrinária que o que realmente cria o
liame entre os envolvidos é o exercício da autoridade parental, ou seja, a real e efetiva
prática das condutas necessárias para “criar e educar os f‌ilhos menores, com o escopo
de edif‌icar sua personalidade, independentemente de vínculos consanguíneos que
geram essa obrigação”.46
Nessa linha de raciocínio, pais e mães são aqueles que exercitam de fato a au-
toridade parental, e é, nesse sentido, impossível deixar de mencionar a mudança de
eixo, no direito de família, por meio da qual a conjugalidade cede a centralidade de
outrora à f‌iliação. Esse movimento pode ser observado pela análise do já mencionado
art. 227 da Constituição Federal, bem como da Declaração de Direitos das Crianças
da ONU,47 com ambos representando a consagração do princípio do melhor interesse.
Este opera como uma espécie de freios e contrapesos para todo o direito de família
contemporâneo, já que a crescente liberdade conferida aos cônjuges e conviventes
para executarem suas escolhas de vida preferenciais encontra limites internos no
princípio aludido.
Assim, é possível indagar sobre o que de fato representa o melhor interesse
para a formação da parentalidade. Sob a ponderação de princípios e de acordo com
a metodologia civil constitucional, parece seguro af‌irmar que a resposta deve ser
aferida casuisticamente. Não parece ideal dizer, por exemplo, que a consanguinidade
é sempre a realização do melhor interesse da criança; af‌inal, o aspecto funcional da
parentalidade é evidentemente mais relevante do que qualquer outro. Ressalta-se
que a opinião da criança, compreendida como sujeito de direitos, também deve ser
considerada na medida de seu desenvolvimento e discernimento, a f‌im de perquirir
qual arranjo melhor satisfaz a seus interesses.48
45. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e os princípios constitucionais. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 122. Fala-se até mesmo na aplica-
ção da teoria da aparência sobre as relações paternof‌iliais (CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e
parentalidade socioafetiva. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 39).
46. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. A multiparentalidade como nova es-
trutura de parentesco na contemporaneidade. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 4, p. 17, abr./jun. 2015.
47. BODIN DE MORAES, Maria Celina. A responsabilidade e a reparação civil no direito de família. In: PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 807.
48. Nesse sentido VENCELAU, Rose Melo. O elo perdido da f‌iliação: entre a verdade jurídica, biológica e afetiva
no estabelecimento do vínculo paternof‌ilial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 132.
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Há diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça que consideram que
a parentalidade socioafetiva deve decorrer de um ato de vontade do suposto pai ou
mãe socioafetivo, ato volitivo que ainda se alia à posse de estado de f‌ilho.49 O melhor
entendimento, porém, é o que não vê a vontade como requisito essencial, embora
ela seja elemento apto a contribuir para o reconhecimento de relações socioafetivas.
A ausência de vontade, no entanto, deve ser levada em consideração, embora não
possa fulminar, por si só, a possibilidade de criação dos laços. Isso porque, como
dito, o que há de ser examinado pelo julgador na análise do caso concreto não é tanto
a anuência do suposto pai ou mãe socioafetivo com o pedido de reconhecimento,
mas, sim, a existência de prática reiterada de atos típicos da autoridade parental,
objetivamente verif‌icados. Importante notar que, na verdade, são essas condutas
que irão gerar a posse de estado de f‌ilho. Por isso, a posse desse estado deve bastar
como requisito para o reconhecimento da parentalidade socioafetiva.50 Não pode
aquele que assumiu durante muito tempo – às vezes a vida inteira do f‌ilho – o papel
de pai ou mãe esquivar-se do reconhecimento como tal pelo Judiciário pela simples
declaração de vontade contrária.
Aqui, revisita-se mais um princípio constitucional essencial para a questão da
parentalidade em geral: é o princípio da paternidade responsável, ao qual se somam
os princípios da solidariedade, da dignidade humana e do melhor interesse da criança
para imporem a satisfação das necessidades físicas e psíquicas da criança.51 Impor-
49. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao que parece, aufere especial relevância à vontade como
critério para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, principalmente quando, no caso concreto, esta
é visada post mortem com intuito aparentemente patrimonial. Assim, no Informativo 0552, publicado em
17 de dezembro de 2014, assevera-se: “De fato, o estabelecimento da f‌iliação socioafetiva demanda a coe-
xistência de duas circunstâncias bem def‌inidas e dispostas, necessariamente, na seguinte ordem: i) vontade
clara e inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo, ao despender expressões de afeto à criança, de ser
reconhecido, voluntária e juridicamente como tal; e ii) conf‌iguração da denominada posse de estado de f‌ilho
[...]. Nesse contexto, para o reconhecimento da f‌iliação socioafetiva, a manifestação quanto à vontade e à
voluntariedade do apontado pai ou mãe de ser reconhecido juridicamente como tal deve estar absolutamente
comprovada nos autos, o que pode ser feito por qualquer meio idôneo e legítimo de prova”.
50. Nesse sentido, af‌irmam Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata Rodrigues: “como se sabe, a posse de
estado de f‌ilho só é caracterizada se provados os requisitos nome, trato e fama. [...] A partir da existência
desse tratamento recíproco entre pai/mãe e f‌ilho socioafetivo, consistente na realização de funções promo-
cionais de suas personalidades, podemos concluir que os outros requisitos geradores da posse de estado
de f‌ilho – nome e fama – são apenas um ref‌lexo do exercício fático da autoridade parental. O nome, como
já é corrente em doutrina, é o menos relevante, vez que já indica indícios de formalidade numa relação
que é, a princípio, ‘menos exigível’. A fama, por seu turno, embora seja importante porque dá publicidade
à relação jurídica, não é nada mais nada menos do que a publicização do tratamento: a comunidade toma
conhecimento do exercício da autoridade parental. Por isso, a posse de estado de f‌ilho deve receber como
principal enfoque o tratamento recíproco da relação de f‌iliação, cujo pilar central está nos deveres de criar,
educar e assistir os f‌ilhos. Através dessas ref‌lexões, ousamos af‌irmar que uma relação de f‌iliação tem como
núcleo o exercício da autoridade parental” (TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de
Lima. A multiparentalidade como nova estrutura de parentesco na contemporaneidade. Revista Brasileira
de Direito Civil, v. 4, p. 21-22, abr./jun. 2015).
51. SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. Sanções decorrentes da irresponsabilidade parental: para além
da destituição do poder familiar e da responsabilidade civil. Civilistica.com, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, abr./
jun. 2013. Disponível em: .
Acesso em: 12 jan. 2016.
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tante ressaltar que a parentalidade socioafetiva, uma vez reconhecida, deve tornar-se
irrevogável da mesma forma que ocorre com a paternidade biológica.52 Assim, esse
vínculo de paternidade ou maternidade impõe todas as obrigações e deveres – exis-
tenciais e patrimoniais – referentes a essa condição privilegiada.53
É no campo do planejamento familiar que o melhor interesse da criança também
adquire relevo como limite aos direitos reprodutivos.54 Destaca-se que esse princípio
limita a liberdade sexual e a de constituição de família, que não podem ser irrestritas.
Em outras palavras, constitucionalmente, a liberdade em procriar resulta no dever
de criar.55 A paternidade responsável representa a assunção de deveres parentais em
decorrência do resultado do livre exercício dos direitos reprodutivos.56 O fato de haver
pais socioafetivos não exime, de plano, os pais biológicos57 de seus deveres consti-
tucionalmente impostos em decorrência do princípio da paternidade responsável.
Com o reconhecimento de que a família deve ser tutelada apenas quando realizar
a dignidade de cada um de seus membros, a busca da “paz familiar” dá lugar à busca
da realização pessoal, preservada a solidariedade em todos os laços, mas em especial
nos familiares. É por isso que a realidade social demonstra que os relacionamentos
conjugais são cada vez menos estáveis e mais efêmeros. As famílias monoparentais,
recompostas e não biológicas cada vez mais compõem o cenário mundial e brasilei-
ro; e, com elas, surgem novas questões que não podem ser ignoradas pelo mundo
jurídico. Os papéis parentais e as formas de exercício da autoridade parental devem
adaptar-se a essa nova realidade. Por todos esses motivos, o reconhecimento do
parentesco socioafetivo pode gerar uma consequência embaraçosa para o operador
do direito que escolha pensar a questão da multiparentalidade de forma estrutural
em vez de maneira funcional.
Recentemente, embora ainda sob ampla controvérsia, foi aprovado em 2017
pelo Conselho Nacional de Justiça o Provimento 63,58 que contém uma seção intei-
ramente dedicada ao reconhecimento extrajudicial da paternidade ou maternidade
52. MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.
98.
53. Nesse sentido foi a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 1.352.529/SP de
relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, que determinou que, se um homem, sabendo não ser pai de uma
criança, adotá-la à brasileira por meio do registro na certidão de nascimento, não poderá pedir sua posterior
anulação uma vez formado o vínculo de socioafetividade, que possui a mesma relevância que o biológico.
54. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova f‌iliação: o biodireito e as relações parentais: o estabeleci-
mento da parentalidade, f‌iliação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 463.
55. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova f‌iliação: o biodireito e as relações parentais: o estabeleci-
mento da parentalidade, f‌iliação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 453.
56. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova f‌iliação: o biodireito e as relações parentais: o estabeleci-
mento da parentalidade, f‌iliação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 453.
57. Não se está falando aqui em doadores de material genético, é claro.
58. Conselho Nacional de Justiça, Provimento nº 63 de 14/11/2017. Disponível em: .cnj.jus.br/
busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 01 mai. 2018.
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socioafetiva, de pessoa de qualquer idade, mediante a aferição da “posse de estado de
f‌iliação” pelos os of‌iciais de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). O referido
provimento prevê ainda a possibilidade da multiparentalidade sem a necessidade de
chancela judicial, desde que no limite máximo de dois pais e duas mães por pessoa,
sendo necessários o consentimento do f‌ilho maior de 12 (doze) anos e a concordância
dos pais registrais.
3. A INTERVENÇÃO JUDICIAL E O RECONHECIMENTO DA
MULTIPARENTALIDADE
Def‌ine-se multiparentalidade (ou pluriparentalidade) como a possibilidade
de concomitância na determinação da f‌iliação de uma pessoa, que – na acepção
mais aceita tanto em doutrina59 como em jurisprudência60 – decorre do acúmulo de
59. “[...] parece permissível a duplicidade de vínculos materno e paternof‌iliais, principalmente quando um
deles for socioafetivo e surgir, ou em complementação ao elo biológico jurídico preestabelecido, ou anteci-
padamente ao reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica” (ALMEIDA, Renata Barbosa de;
RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 382-383).
60. “A solução que me parece ser a mais razoável e nisto há a concordância de todos os envolvidos, ou seja, o
adolescente, os genitores e o requerente, além do parecer favorável do Ministério Público, é a de manter a
paternidade já assentada e incluir também no referido registro a paternidade socioafetiva. [...] Ao nome do
adolescente será acrescido, também, o patronímico do pai socioafetivo. Além disso, uma vez reconhecida a
paternidade, esta não pode ser uma meia paternidade ou uma paternidade parcial. Se é pai, obviamente, é
pai para todos os efeitos e não apenas para alguns efeitos. [...] Além disso, ambos os pais mantém relaciona-
mento respeitoso e amigável, o que certamente facilitará o exercício da autoridade parental (poder familiar)
agora não somente pelos dois genitores, mas também pelo requerente (pai socioafetivo), todos (os três)
igualmente responsáveis pelo bem-estar do adotando. Por tais razões, levando também em consideração a
importância que o registro representa para o adotando, que não há prevalência entre a paternidade exercida
pelo requerente (socioafetiva) e pelo genitor (biológica e socioafetiva), em especial, que o registro deve
representar o que ocorre na vida real, não vejo razão para que não constem do registro o nome dos dois pais.
Nenhum prejuízo advirá ao adolescente em razão deste fato, pelo contrário, só lhe trará benefícios. Outro
aspecto a ser ponderado, é o de que, no caso específ‌ico em análise, poderia reconhecer a paternidade socioa-
fetiva, pura e simplesmente, determinando a retif‌icação do registro civil, com a inclusão do pai socioafetivo.
As partes, no entanto, escolheram a via da adoção, que em última análise, também permite reconhecer a
f‌iliação socioafetiva, como se extrai com facilidade do disposto no artigo 50, III, do Estatuto da Criança e
do Adolescente, cujos efeitos práticos e consequências jurídicas são as mesmas. Tanto uma solução quanto
a outra atendem aos interesses das partes e f‌irmam a f‌iliação, para todos os efeitos. A dúvida que poderia
surgir seria quanto ao rompimento dos vínculos com os pais biológicos e demais parentes. O art. 41, do
Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a adoção rompe todos os vínculos com a família de
origem, com exceção dos impedimentos matrimoniais. A regra, no entanto, não é absoluta, de modo que o
próprio ECA, no mesmo artigo (§ 1o), abre a possibilidade de exceções e uma delas é, justamente, quando
o cônjuge adota o f‌ilho do outro, caso em que os vínculos não são rompidos. No caso dos autos a exceção
estende-se evidentemente, também ao pai biológico, cujo vínculo não será afetado pela adoção por parte
do requerente. Por f‌im, é preciso registrar que A. é um felizardo. Num País em que há milhares de crian-
ças e adolescentes sem pai (a tal ponto que o Conselho Nacional de Justiça, Poder Judiciário, Ministério
Público realizam campanhas para promover o registro de paternidade), ter dois pais é um privilégio. Dois
pais presentes, amorosos, dedicados, de modo que o Direito não poderia deixar de retratar esta realidade.
Trata-se de uma paternidade sedimentada, ao longo de muitos anos, pela convivência saudável, pela soli-
dariedade, pelo companheirismo, por laços de conf‌iança, de respeito, afeto, lealdade e, principalmente, de
amor, que não podem ser ignorados pelo Direito nem pelo Poder Judiciário.” Sentença proferida nos autos
da Ação de Adoção no 0038958-54.2012.8.16.0021, pela Vara da Infância e da Juventude da Comarca da
Cascavel, Paraná (Disponível em: .br/ jurisprudencias/201302281223270.
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A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
diferentes critérios de f‌iliação. Af‌irma-se que, estando presentes os requisitos para
a paternidade socioafetiva e existindo uma paternidade biológica, ambas as moda-
lidades de paternidade podem coexistir.
É o que se pode observar antes mesmo do reconhecimento da multiparenta-
lidade pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê na decisão de 2011 da 1ª Vara
Cível da Comarca de Ariquemes/RO que, possivelmente, foi a primeira sentença a
reconhecer a multiparentalidade propriamente dita, fazendo constar, na certidão
de nascimento, os nomes do pai biológico e do afetivo, sem prejuízo da manutenção
do registro materno.61
O caso concreto tratava da hipótese em que o pai biológico da criança era ex-
companheiro da genitora, que passou a conviver com outro homem, tendo este
registrado a criança. Ocorre que, quatro meses depois, o pai registral e a mãe se sepa-
raram, mantida a relação dele com a criança. No entanto, quando a menina completou
onze anos, conheceu seu pai biológico e realizou exame de DNA que comprovou o
vínculo. Nesse contexto, a mãe ajuizou ação de anulação de registro para excluir o
pai registral e incluir o pai biológico. Identif‌icou-se que a menor, apesar de ter f‌icado
feliz em conhecer seu pai biológico, ainda mantinha um vínculo afetivo muito forte
com o seu pai registral, considerando-o como seu pai tanto quanto antes. Assim, o
magistrado percebeu corretamente que o melhor interesse daquela criança era ver
ambas as paternidades reconhecidas, af‌inal, desta forma garantir-se-ia “a plena po-
tencialidade de um crescimento saudável”, preservando seus vínculos preexistentes,
sem deixar de incentivar a formação de laços afetivos também com o pai biológico.
Não há dúvidas que o direito deve acolher a multiparentalidade como fato
jurídico presente na realidade social, uma vez que essa seria a melhor forma de
tutelar as crianças dentro das diferentes formações familiares presentes nos dias de
hoje. Também não há motivo para que se desconstruam as verdadeiras referências
parentais, mesmo que múltiplas, uma vez que, suprimidas, podem gerar muito mais
prejuízos que benefícios, podendo até não trazer nenhum benefício, baseando-se em
um “apego a concepções oitocentistas que não mais atendem à realidade atual”.62
multiparent_sentpr.pdf>). Sobre a concomitância de maternidade, hipótese mais incomum, já decidiu
o TJSP: “Maternidade Socioafetiva. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe
biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como f‌ilho desde dois anos de
idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de
f‌ilho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pú-
blica, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes. A formação da família
moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana
e da solidariedade. Recurso provido.” (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível no
0006422-26.2011.8.26.0286. Relator: Des. Alcides Leopoldo e Silva Júnior. Julgamento: 14/08/2012. Órgão
Julgador: 1a Câmara de Direito Privado).
61. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. A multiparentalidade como nova es-
trutura de parentesco na contemporaneidade. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 4, p. 34, abr./jun. 2015.
62. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. A multiparentalidade como nova estru-
tura de parentesco na contemporaneidade. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 4, p. 37-38, abr./jun. 2015.
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Ressalta-se, porém, que parte da doutrina considera que a principal armadilha
da multiparentalidade é a “multi-hereditariedade”, ou seja, a possibilidade de
um só f‌ilho herdar de vários pais diferentes,63 o que poderia servir como incen-
tivo para que se busque a determinação da f‌iliação especialmente por motivos
patrimoniais.
Sob esse prisma, alguns doutrinadores defendem que a parentalidade
socioafetiva, quando existente, deveria bastar, e, portanto, não se poderia per-
seguir o reconhecimento do pai biológico de outra forma se não pela busca da
origem genética por meio da ação de investigação de ordem genética destinada
unicamente para este fim. Nesse caso, não se formaria uma relação de filiação
com todos os seus efeitos.64 Nessa perspectiva, já se defendeu em doutrina a
existência de uma verdade biológica sem fins de parentesco quando já existir
pai socioafetivo, que seria justamente a busca da verdade para os fins de iden-
tidade genética com natureza de direito da personalidade, mas fora do âmbito
do direito de família.65
Contudo, essa linha de raciocínio não parece suf‌iciente, já que o princípio da
paternidade responsável exige que o pai biológico seja responsabilizado pelo de-
senvolvimento moral e material do f‌ilho que gerou, ressalvada apenas a hipótese de
inseminação heteróloga por doador anônimo. Interessante o relato de João Baptista
Villela, do f‌inal da década de 70, sobre a proposta do direito alemão para a resolu-
ção da questão. Segundo o autor, lá não se pode falar em dupla paternidade, mas
existe uma paternidade exclusivamente patrimonial denominada Zahlvaterschaft
ou Giltvaterschaft. Essa paternidade econômica só valeria para certos f‌ins, opon-
do-se à paternidade completa, denominada Istvaterschaft, que abarca as questões
existenciais e patrimoniais.66
Esta solução poderia parecer sedutora se não levássemos em conta a fun-
cionalização da família de acordo com a legalidade constitucional. A questão
não é fácil. Vale indagar uma hipótese não incomum como aquela em que um
filho, após atingir a maioridade, busca o reconhecimento de seu pai biológico,
que não o registrou porque sua mãe, após o relacionamento efêmero, casou-se
com outra pessoa com quem constituiu família, teve outros filhos e até exerceu
o papel de pai socioafetivo para o filho de seu primeiro casamento. É o que
ocorre em muitas hipóteses denominadas “adoção à brasileira”. Nesses casos,
não se pode imaginar que poderia esse filho, sabendo da existência de seu “pai”
63. FARIAS, Cristiano Chaves de. A família parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Tratado de Direito
das Famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 256-257.
64. FARIAS, Cristiano Chaves de. A família parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Tratado de Direito
das Famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015.
65. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de família e os princípios constitucionais. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 120.
66. VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito, n. 21, p. 405,
1979. Disponível em: evista/index.php/revista/article/view/1156>. Acesso
em: 10 jan. 2016.
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A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
biológico, desejar esse reconhecimento por razões que não sejam somente pa-
trimoniais? Seria justo limitar o direito a essa demanda? Embora não se possa
forçar alguém a amar, pode-se abrir caminho para uma convivência que, por
sua vez, talvez venha a gerar a solidariedade e a afetividade desejadas. Ele,
afinal, não deveria exercer todas as funções de pai? O fato de outra pessoa ter
assumido esse lugar impede que ele assuma sua responsabilidade caso ele e o
filho assim desejarem?
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já af‌irmou ser possível a um f‌ilho
receber herança tanto por parte do pai biológico quanto por parte do pai registral.
O colegiado entendeu que, tendo alguém usufruído de uma relação f‌ilial socioa-
fetiva por imposição de terceiros que consagraram tal situação em seu registro de
nascimento, “ao conhecer sua verdade biológica, tem direito ao reconhecimento da
sua ancestralidade, bem como a todos os efeitos patrimoniais inerentes ao vínculo
genético”, conforme af‌irmou o relator, Ministro Villas Bôas Cueva. Para o julgador,
a paternidade gera determinadas responsabilidades morais ou patrimoniais, deven-
do ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação da f‌iliação
e afastada “qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos”.67
Ora, não tutelar a multiparentalidade com todos os efeitos jurídicos da parentali-
dade pode, muitas vezes, conf‌igurar uma limitação à proteção integral e ao melhor
interesse da criança.
A f‌im de dirimir tais controvérsias foram aprovados dois recentes enunciados
na VIII Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho Nacional de Justiça
(CNJ). O primeiro dispõe que “nos casos de reconhecimento de multiparentali-
dade paterna ou materna o f‌ilho terá direito a participação na herança de todos os
ascendentes reconhecidos”, e o segundo que “nas hipóteses de multiparentalidade,
havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes
à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os
ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas
quantos sejam os genitores”.68
Outra hipótese de multiparentalidade que aparece com mais frequência é a de
“trisais” (três pessoas que se relacionam)69 ou de casais amigos ou até grupos de
67. Conforme noticiado pelo Superior Tribunal de Justiça sem, no entanto, ser divulgado o número do processo,
em razão do segredo judicial. Disponível em:
C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Filia%C3%A7%C3%A3o-socioafetiva-n%C3%A3o-impede-
-reconhecimento-de-paternidade-biol%C3%B3gica-e-seus-efeitos-patrimoniais>. Acesso em: 07 abr. 2017.
68. Disponível em: https://f‌laviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/572162564/enunciados-aprovados-na-viii-
jornada-de-direito-civil-divulgacao-nao-of‌icial.
69. “No último dia 23 de novembro aconteceu um marco na vida de Paula, Klinger e Angélica: os três of‌icializaram
a relação por meio de uma ‘declaração de união poliafetiva’, o que garante a eles alguns direitos que antes
não possuíam enquanto trisal. Mas este é só o começo. [...] O objetivo maior, no entanto, seria conseguir
uma certidão de casamento. [...] Outro objetivo é conseguir registrar o f‌ilho deles, que deve vir em 2016,
com duas mães e um pai: ‘A Paula vai gerar porque ela é mais velha, já tem 31 anos, mas ela mesma quer
lutar para colocar a Angélica como mãe. Ela não vai gerar, mas será mãe da mesma forma’.” (MERCURI,
Isabela. Trisal de MT registra união poliafetiva e luta por certidão de casamento e para os três registrarem o
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amigos sem relacionamento entre si.70 São hipóteses de multiparentalidade a priori,
pois é planejada antes do nascimento, ao contrário das anteriormente citadas. Exem-
plo recente é a decisão de 2015, do Juízo da 2a Vara de Família da Capital de Santa
Catarina, que concedeu a liminar requerida por um casal homoafetivo de mulheres
e seu amigo, que engravidou uma delas, para que, ao nascimento da criança, os três
fossem registrados em sua certidão de nascimento como seus pais.71 O Ministério
f‌ilho. Disponível em: direto.com.br/conceito/noticias/exibir.asp?noticia=Trisal_de_MT_
registra_uniao_poliafetiva_e_luta_por_certidao_de_casamento_e_para_os_tres_registrarem_o_f‌ilho&e-
dt=7&id=9763>. Acesso em: 7 dez. 2015). Vide também: “Elas vivem juntas em um apartamento no Rio
de Janeiro há três anos. Mas a relação veio a público e gerou polêmica no mês passado, depois que elas
registraram a primeira união estável de três mulheres no Brasil. [...] Elas f‌izeram o registro em um cartório
no Rio, com base em uma decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2011, permitiu que esses locais
registrassem uniões civis entre casais homossexuais. [...] As três resolveram que a empresária irá engravidar
por meio de inseminação artif‌icial, já que ela é quem tem mais desejo de ser mãe. [...] As outras duas acres-
centam que pretendem fazer um tratamento para poder amamentar o bebê. Mas elas têm consciência de que
a batalha mais importante será conseguir registrar o f‌ilho em nome das três. ‘Elas já formaram uma família
e querem ser reconhecidas’, diz à BBC Mundo Fernanda de Freitas Leitão, tabeliã e advogada que registrou
a união. Ela acrescenta que o documento se encaixa nos fundamentos do Supremo para aceitar uniões de
casais homossexuais e permitirá o registro multiparental de um f‌ilho do trio” (TRISAL de mulheres registra
primeira união estável: “Nós três nos amamos”. Plox, 3 nov. 2015. Disponível em: .plox.com.
br/mulher/trisal-de-mulheres-registra-primeira-uniao-estavel-nos-tres-nos-amamos>. Acesso em: 7 dez.
2015).
70. “Novíssima estrutura familiar que tem emergido é a família com multipais – na qual planeja-se previamente
criar uma criança com dois ou mais pais legais. Recente exemplo é a de dois casais (um lésbico e um gay)
que se conhecem há dez anos e planejaram por seis anos ter um f‌ilho juntos. E isso está prestes a se tornar
realidade quando Daantje der à luz. Os dois casais são casados, mas o relacionamento de Jaco e Sjoerd tam-
bém envolve uma terceira pessoa: um australiano chamado Sean, que é parceiro deles há três anos. Sean é
tão parte da relação deles que vai ter um papel igual na criação do futuro f‌ilho da galera” (SPANJER, Noor.
Essas cinco pessoas vão ter um bebê juntas. Vice, 2015. Disponível em: ead/
estas-cinco-pessoas-vao-ter-um-bebe-juntas>. Acesso em: 12 dez. 2015).
71. “Os requerentes – Thiago, Gabriela e Carolina – admitem da realidade da família multiparental ainda em fase
de gestação de Gabriela, anotando que esta e Carolina são casadas entre si (relação homoafetiva), como com-
provado, resultando de que o autor Thiago, por consenso de todos, engravidou Gabriela, havendo previsão
do nascimento para outubro de 2015. Essa exposição, por si, e na demonstração documental, evidencia que a
criança terá duas mães e um pai, focando, no que interessa, em liminar, a conotação de afetividade na relação
havida e experienciada por todos, aqui, objetivando integrar o bebê na multiparentalidade indicada, tudo,
desde já, com caráter de preservação no registro civil, para consolidar esse acertamento. Def‌iro o pedido que
busca desde já preservar o que corresponde à realidade familiar, dada a prevalência do afeto que expressa ju-
ridicamente o que de ocorrência no mundo concreto, na complexidade humana, e de interesse da criança por
nascer, que recebe o reconhecimento em exame, desde já: duas mães e um pai. O nascituro goza do direito à
f‌iliação, desde a concepção; que está por nascer deve adquirir todos os direitos concedidos aos f‌ilhos já nascidos,
pois a relação de parentesco não surge com o nascimento, e sim desde a concepção. Observa-se esse intento
dos requerentes, que expressa a realidade familiar da multiparentalidade. Tudo resulta sem controvérsia e visa
a integração familiar: duas mães e um pai biológico e ainda o nome dos avós paternos respectivos. Dado esse
caráter relevante, def‌iro a medida excepcional que conforma um fato socioafetivo (também biológico). Assim,
def‌iro a liminar para constar da certidão de nascimento da criança por nascer (tudo por cautela) o nome de
duas mães (Gabriela M.G. e Carolina C.G.) e um pai biológico (Thiago P.M.M.), os quais contidos na inicial
e avós respectivos, constantes dos documentos” (Processo no 0318249-86.2015.8.24.0023. 2a Vara de Família
da Comarca da Capital de Santa Catarina, Juiz Flavio André Paz de Brum, pub. em 7 ago. 2015).
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A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
Público fez objeção à liminar e requereu sua revogação,72 mas a decisão foi mantida
e conf‌irmada na sentença.73
Hipótese semelhante que poderá gerar uma multiparentalidade a priori é a
gestação compartilhada, reconhecida pela Resolução 2.121/2015 do Conselho
Federal de Medicina, que trata das normas éticas para a utilização das técnicas
de reprodução assistida. A referida resolução reconheceu, expressamente, no
item II-3, a possibilidade da gestação compartilhada em união homoafetiva fe-
minina, mesmo que não haja infertilidade envolvida. Tal dispositivo se manteve
na Resolução 2.168/2017, que revogou a Resolução 2.121, com o acréscimo de
que “considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a
partir da fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é transferido para o útero
de sua parceira”. Assim, uma das mulheres oferecerá o óvulo a ser fecundado,
enquanto a outra gestará o bebê. É a participação conjunta mais intensa que
essas duas parceiras do mesmo sexo podem conseguir na reprodução humana
até hoje. É claro que a mulher que gestar o filho não compartilhará com ele
o material genético, no entanto, haverá toda a relação emocional construída
pela gestação. Não se pode ignorar que o material genético possa advir de um
homem escolhido, e não de um doador anônimo, e que ele também participe
do projeto parental.
Anteriormente, a situação referida seria muito difícil de ocorrer, já que muitas
regras rígidas são impostas sobre a gestação de substituição (a chamada “barriga
de aluguel”). Até a Resolução 2.121, o Conselho Federal de Medicina exigia que as
“doadoras temporárias de útero”, termo por ele utilizado, fossem parentes consan-
guíneas em até quarto grau de um dos parceiros. Ressalta-se que essa previsão foi
alterada para permitir que demais casos possam existir mediante a autorização dos
Conselhos Regionais de Medicina, o que pode ser visto como um avanço.
72. “O Ministério Público faz objeção à liminar, f‌ls. 51/55, e pede a sua revogação. Porém, mantenho esse pro-
nunciamento judicial, que tem alcance de proteção à criança por nascer, que em formação no ventre materno,
e até porque, segundo o Código Civil (art. 1.609, parágrafo único), o reconhecimento do f‌ilho pode preceder
ao nascimento; desde já, na provocação judicial do pedido, via liminar, buscou-se inclusive salvaguardar
direitos do nascituro, ao menos, e, sobretudo com o nascimento, e ainda pelo acompanhamento de todos
(duas mães e um pai, e de admissão formal) no período da gestação, que demanda assistência ampla (saúde
e outras questões da gestação). A relação havida entre os interessados, um homem e duas mulheres casadas
entre si, é questão particular e subjetiva deles, e inclusive da escolha do presente método de fertilização
(relações sexuais), sendo que o Direito protege a criança por nascer. [...] Registro que, no caso, não se trata
de reconhecer/declarar judicialmente relação multiparental para a sua formalização, e sim proteção à criança
com duas mães e um pai, tudo de admissão em juízo, cujo reconhecimento da paternidade/maternidade
é prevalente. [...]” (Processo no 0318249-86.2015.8.24.0023. 2a Vara de Família da Comarca da Capital de
Santa Catarina, Juiz Flavio André Paz de Brum, pub. em 13 ago. 2015).
73. “Julgo procedente, pois, o pedido para determinar que conste da certidão de nascimento da criança, f‌l. 98, o
nome de duas mães (Gabriela M.G. e Carolina C.G.) e do pai biológico (Thiago P.M.M.), os quais contidos
na inicial e avós respectivos, constantes dos documentos. Of‌icie-se ao registro civil, acrescentando, apenas,
ainda o nome da mãe Carolina D.G. e respectivos avós” (Processo no 0318249-86.2015.8.24.0023. 2a Vara de
Família da Comarca da Capital de Santa Catarina, Juiz Flavio André Paz de Brum, pub. em 17 nov. 2015).
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4. CONCLUSÃO
É inegável que o afeto é apto a produzir efeitos jurídicos, estando, entre os mais
relevantes, a constituição da f‌iliação socioafetiva. Há entendimento jurisprudencial
no sentido de que a parentalidade socioafetiva deve decorrer de um ato de vontade do
suposto pai ou mãe socioafetivo aliado à posse de estado de f‌ilho. Entende-se, porém,
que a vontade não é requisito essencial, embora ela seja elemento apto a contribuir
para o reconhecimento de relações socioafetivas.
A solução mais difundida pela doutrina consiste na aferição, no caso concreto, da
posse de estado de f‌ilho, compreendida atualmente como o resultado da efetiva práti-
ca, pelo pai ou pela mãe socioafetivo(a), das condutas necessárias para criar e educar
os f‌ilhos menores, com o escopo de edif‌icar sua personalidade, independentemente
de vínculos consanguíneos que geram essa obrigação. Nessa linha de raciocínio, o
que realmente cria o liame entre os envolvidos é o exercício da autoridade parental.
Uma vez conf‌irmada a possibilidade do parentesco socioafetivo, não se pode
qualif‌icá-lo como inferior ao biológico, distinção que o Código Civil não faz, sendo
certo que a Constituição veda o tratamento desigual entre f‌ilhos. Por isso, a paren-
talidade socioafetiva, uma vez reconhecida, deve tornar-se irrevogável da mesma
forma que ocorre com a paternidade biológica e, em consequência, esse vínculo de
paternidade ou de maternidade impõe todas as obrigações e deveres, existenciais
e patrimoniais, referentes a essa condição privilegiada. O princípio constitucional
da paternidade responsável se soma aos princípios da solidariedade, da dignidade
humana e do melhor interesse da criança, todos empregados para impor a satisfação
das necessidades físicas e psíquicas da criança.
Nesse cenário, def‌ine-se a multiparentalidade como a possibilidade de concomi-
tância na determinação da f‌iliação de uma pessoa, decorrente do acúmulo de diferentes
critérios de f‌iliação. Estando presentes os requisitos para a paternidade socioafetiva e
existindo uma paternidade biológica, ambas as modalidades de paternidade podem
coexistir. O julgamento do Supremo Tribunal Federal que reconheceu que a pater-
nidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento
do vínculo de f‌iliação concomitante, baseada na origem biológica, veio conf‌irmar
o entendimento já existente em diversas decisões que tanto reconhecem a multi-
parentalidade a posteriori (paternidade biológica e socioafetiva) quanto admitem a
multiparentalidade a priori (planejada antes do nascimento).
Diante do reconhecimento do afeto como formador de vínculos de parentesco e
dos crescentes avanços da medicina reprodutiva, parece insustentável que o intérprete
do direito ainda se utilize de análises estáticas e estruturais das entidades familiares.
A busca de interpretações dinâmicas e funcionais, despindo-se de fundamentações
calcadas em formalismos legais exagerados ou, ainda, em discursos de ordem moral
ou religiosa, mostra-se essencial para garantir uma tutela concreta da realidade das
famílias brasileiras que o Estado Democrático de Direito não pode ignorar.
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A HETERONOMIA ESTATAL JUDICIAL NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL
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