Educação e cultura no brasil: a questão do ensino domiciliar

AutorMaria Celina Bodin de Moraes e Eduardo Nunes de Souza
Páginas95-125
EDUCAÇÃO E CULTURA NO BRASIL:
A QUESO DO ENSINO DOMICILIAR
Maria Celina Bodin de Moraes
Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ e Professora Asso-
ciada do Departamento de Direito da PUC-Rio.
Eduardo Nunes de Souza
Professor Adjunto de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Doutor e mestre
em Direito Civil pela UERJ.
The true teacher defends his pupils
against his own personal inuences. - A. Alcott
Sumário: 1. Introdução – 2. O homeschooling na experiência norte-americana: dois casos
paradigmáticos – 3. O homeschooling nos demais países: parâmetros sociais para uma
disciplina jurídica – 4. Panorama do direito-dever à educação no Brasil – 5. A relevância do
reconhecimento social para o pleno desenvolvimento da dignidade humana: considerações
sobre o caso brasileiro – 6. Considerações nais – 7. Referências bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
A educação infantojuvenil no Brasil, embora poucos tenham percebido, atingiu
um ponto crítico. A prática do ensino domiciliar, cuja constitucionalidade acaba de
passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, sempre foi ampla e publicamente
rejeitada no país,1 inclusive pelo próprio Ministério da Educação, que se mostrava
frontalmente contrário a essa metodologia.2 Recentemente, porém, o mesmo Minis-
tério da Educação, revendo sua posição, divulgou nota informando que solicitou às
suas áreas técnicas e jurídicas “um estudo técnico e aprofundado sobre o assunto e,
inclusive, disse estar aberto ao diálogo”.3 O diálogo em questão tem sido travado,
em particular, com a Associação Nacional de Ensino Doméstico (ANED), instituição
dedicada a articular a autorização do homeschooling no Brasil,4 e, ao contrário do que
se esperava, não foi encerrado pela Corte Suprema, que, limitando-se a reconhecer
1. O mais antigo Projeto de Lei sobre o tema (PL 4.657/1994) de que se tem notícia foi rejeitado pela Comissão
de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados ainda em 1994.
2. MARIZ, Renata; Brígido, Carolina. STF vai def‌inir se famílias podem optar pelo ensino domiciliar. O Globo,
9.9.2017.
3. CASTRO, Gabriel Arruda. Ministério da Educação decide rever posição contrária ao homeschooling. Gazeta
do Povo, 20.10.2017.
4. Inclusive, mas não apenas, no plano legislativo – veja-se, por exemplo, sua atuação na tramitação do Projeto
de Lei 3.179/2012, que será comentado mais adiante.
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MARIA CELINA BODIN DE MORAES E EDUARDO NUNES DE SOUZA
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que a Constituição não trata da prática, entendeu ser necessária a intervenção do
legislador ordinário para sua regulamentação. Tudo indica que o Ministério da Edu-
cação já esteja se mobilizando para regulamentar a prática no País, ainda que seja
mantida a obrigatoriedade da matrícula escolar.5
No plano legislativo, em dezembro de 2016, foi aprovado pela CCJ da Câmara
dos Deputados o substitutivo ao Projeto de Lei 3.179/2012, propondo a reforma da
Lei 9.394/1996 para que passe a ser “admitida a educação básica domiciliar, sob a
responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas a
articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios
dos sistemas de ensino, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e
das respectivas normas locais”. O Projeto foi aprovado pela Comissão de Educação
da Câmara, junto à qual foram emitidos diversos pareceres favoráveis à sua aprova-
ção, e foi recentemente apensado ao Projeto de Lei 10.185/2018, também voltado a
autorizar a prática no país. Por outro lado, foram sugeridas alterações pelo Conselho
Nacional de Educação ao projeto, particularmente quanto aos procedimentos de
avaliação, chancela e certif‌icação do ensino domiciliar.6
Também tramitam perante o Senado Federal dois outros projetos de lei favo-
ráveis à educação domiciliar: o PLS 490/2017, que, propondo reformas na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e no Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei 8.069/1990), regulamenta a educação familiar, autorizando-a
e estabelecendo regras como a avaliação periódica e a obrigação de seguir a Base
Nacional Comum Curricular; e o PLS 28/2018, que propõe a reforma do art. 246 do
Código Penal para explicitar que os pais ou responsáveis que ofertarem aos f‌ilhos
educação domiciliar não incorrem no crime de abandono intelectual. Muitos espe-
cialistas, embora contrários em princípio à prática, consideram preferível que se faça
alguma regulamentação do ensino domiciliar no país, em vez de se permitir o atual
cenário de ausência de controle ef‌icaz da prática.7
A matéria chegou à apreciação do STF em 2015 por intermédio do RE 888.815,
julgado pelo plenário em setembro de 2018.8 Os recorrentes, ao se manifestarem diante
da Corte, af‌irmaram que “restringir o signif‌icado da palavra educar simplesmente à
instrução formal numa instituição convencional de ensino é não apenas ignorar as
variadas formas de ensino agora acrescidas de mais recursos com a tecnologia como
5. NÉRIS, Juliana. MEC pretende regulamentar homeschooling, mas manter matrícula obrigatória. Gazeta do
Povo, 23.2.2018.
6. NÉRIS, Juliana. Regulamentação do homeschooling enfrenta resistência no CNE. Gazeta do Povo, 9.3.2018.
7. Cf., por exemplo, a reportagem de Idoeta, Paula Adamo. Os atrativos e as polêmicas da educação domiciliar,
que virou caso de Justiça no Brasil. BBC Brasil, 5.2.2018.
8. Trata-se de mandado de segurança impetrado pelos pais de uma criança, então com 11 anos, contra ato da
Secretária de Educação do Município de Canela (RS) que negou pedido para que a menina fosse educada
em casa, orientando-os a fazer matrícula na rede regular de ensino, onde até então a menor havia estudado.
Tanto o juízo da Comarca de Canela quanto o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS)
negaram a segurança, ao argumento de que, não havendo previsão legal de ensino nessa modalidade, não
há direito líquido e certo a ser amparado.
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