Tomada de decisão médica em fim de vida do menor

AutorLuciana Dadalto e Willian Pimentel
Páginas285-300
TOMADA DE DECISÃO MÉDICA
EM FIM DE VIDA DO MENOR
Luciana Dadalto
Doutora em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em
Direito Privado pela PUCMinas. Professora do Centro Universitário Newton Paiva.
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética (GEPBio). Advogada.
Administradora do portal www.testamentovital.com.br
Willian Pimentel
Pós-Graduando em Direito Digital pelo Instituto de Sociedade e Tecnologia/Universi-
dade Estadual do Rio de Janeiro. Membro Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Bioética (GEPBio) do Centro Universitário Newton Paiva. Advogado.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Autoridade parental e melhor interesse do menor. 3.
Autoridade parental x direitos de personalidade do menor. 3.1 A recusa de transfusão san-
guínea pelos pais. 3.2 Recusa de amputação de membro. 4. Decisões sobre o m de vida
do menor. 5. Zona de discricionariedade parental: uma solução bioética. 6. Considerações
nais. Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
2008. Hannah Jones, 13 anos, britânica, portadora de uma rara doença cardíaca
desenvolvida após um transplante de medula óssea, se recusou a ser submetida a um
transplante cardíaco, em razão da gravidade de seu quadro. Seus pais estavam reti-
centes a seguir sua vontade, mas se convenceram que o desejo da f‌ilha era legítimo.
Esse caso gerou enorme comoção no Reino Unido e acabou com um desfecho
surpreendente: Hannah mudou de ideia e foi submetida a um bem-sucedido trans-
plante cardíaco, que lhe devolveu a vida biológica e a qualidade de vida.
2016-2017 Charlie Gard, recém-nascido, britânico, portador de doença mito-
condrial incurável. A equipe de saúde informa aos pais do menor que não há mais
tratamento terapêutico curativo e que o paciente será submetido a Cuidados Palia-
tivos exclusivos. Os pais desejam levar a criança para outro país af‌im de tentar um
tratamento experimental. Os médicos não autorizam e judicializaram a questão.
Depois de uma grande e tormentosa batalha judicial, a Corte Europeia de Direitos
Humanos entende que o melhor para Charlie é realmente ser submetido a cuidados
paliativos exclusivos. Charlie falece em 28 de julho de 2017.
2019-2020 Tinslee Lewis, um ano e três meses, diagnosticada com Anomalia
de Ebstein, doença pulmonar crônica e hipertensão pulmonar crônica grave. Já foi
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LUCIANA DADALTO E WILLIAN PIMENTEL
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submetida a diversos procedimentos cirúrgicos e teve algumas complicações. Precisou
de suporte respiratório artif‌icial durante todo esse tempo e desde julho está vinte e
quatro horas em um respirador artif‌icial. Desde seu nascimento está internada na
UTI do Hospital Cook Children, no Texas-EUA.
Em outubro de 2019, o Comitê de Ética do Hospital recomendou a retirada do
suporte artif‌icial de vida, mas, inconformada, a mãe de Tinslee levou a questão ao
Poder Judiciário alegando que (i) têm o direito de decidir se sua f‌ilha vive ou morre;
(ii) e a lei Texana que regulamenta essa temática é inconstitucional porque viola o
direito à vida de um paciente. O processo está, nesse momento, em fase recursal.
Em relatório datado de 15.11.2019, o hospital af‌irma que “nos últimos meses,
f‌icou evidente que a saúde dela nunca melhorou. Apesar dos nossos melhores esfor-
ços, sua condição é irreversível, o que signif‌ica que nunca será curado ou eliminado
e sua condição é fatal. Mais importante, porém, seus médicos acreditam que ela está
em sofrimento. (...) Apesar de Tinslee às vezes parecer alerta e em movimento, seus
movimentos são o resultado de dos medicamentos. Acreditamos que Tinslee está
reagindo à dor quando ela não está sedada e paralisada.”
No dia 14.12.2020, um grupo bastante heterogêneo composto por 11 entidades
médicas, religiosas, de proteção dos direitos dos pacientes e de pessoas com def‌iciência
pediu à Suprema Corte, como Amicus Curae, que reconheça a constitucionalidade da
lei texana, pois “embora imperfeita, a lei fornece um processo razoável para resolver
as diferenças entre médicos e substitutos de pacientes em relação ao tratamento de
f‌im de vida.” As entidades af‌irmam ainda que “se as proteções deste estatuto forem
objeto de questionamento por tribunais estaduais e federais sob o pretexto de ação
estadual, os hospitais e médicos privados f‌icarão, mais uma vez, vulneráveis a ame-
aças de processos judiciais ruinosos feitos por familiares enlutados.” E concluem
que “algumas pessoas alegam que essa é uma decisão sobre qualidade de vida, mas
trata-se de uma decisão sobre avaliação da qualidade ou ef‌icácia de um tratamento/
intervenção, não sobre a qualidade de vida do paciente.”1
Os três casos acima narrados demonstram a complexidade da tomada de decisão
em f‌im de vida de menores, tema enfrentado por esse artigo. Para tanto, optou-se
aqui por discutir a partir da perspectiva dos direitos de personalidade do menor e da
autoridade parental dos pais, perpassando pelo princípio do melhor interesse e tra-
zendo o conceito de zona de discricionariedade parental, ainda pouco usado no Brasil.
Não se pretende chegar a respostas universais, até porque elas não existem.
O artigo que ora se apresenta objetiva traçar linhas mestras para a discussão tendo
sempre como núcleo o direito do menor à morte digna, compreendido como uma
morte sem obstinação terapêutica.
1. SUPREMA CORTE AMERICANA. Cook Children’s Medical Center v. L, a minor, and mother, T.L., on
her behalf. Disponível em: http://thaddeuspope.com/images/Cook_childrens_cert._petition_--–_FI-
LED_11-13-20.pdf., Aacesso em: 22 dez. 2020.
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