Bens

AutorRogério Andrade Cavalcanti Araujo
Páginas269-308
CAPÍTULO 10
BENS
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Af‌irmamos alhures que o Código Civil, em sua Parte Geral, disciplinava uma
relação jurídica. O primeiro elemento, os seus sujeitos, já foi analisado quando
estudamos as pessoas físicas e jurídicas.
Inauguramos, neste capítulo, a abordagem sobre o segundo elemento da relação
jurídica: o seu objeto, tratado genericamente pela Lei Civil quando ela aborda os
“Bens”. Atente-se ao fato de que o Código Civil optou por tratar de forma distinta
bens e coisas. Limitaremos a nossa análise ao conceito jurídico dos institutos ora
tratados (bens).
Nessa esteira, temos que bem é gênero e coisa espécie. A própria abordagem dos
institutos pelo Código Civil reforça a ideia, porquanto o primeiro é disciplinado na
Parte Geral de nossa lei, ao passo que o último o é no livro específ‌ico dedicado aos
direitos reais. Conquanto reconheçamos a multiplicidade de critérios distintivos,
adotamos o pensamento de Orlando Gomes1, segundo o qual bem pode abranger
objetos de direito sem valor econômico, ao passo que coisa se restringe a utilidades
patrimoniais. Em sentido ainda mais restrito, utilização que, na realidade, preferimos,
o vocábulo “coisa” se usa apenas para designar objetos corpóreos.
A coisa, aduz o festejado jurista2, para assim ser considerada, deve, pois, reunir
os seguintes atributos: a) economicidade; b) permutabilidade; e c) limitabilidade,
ou seja, deve ser valorado economicamente, sendo passível de troca. Tem, ademais,
que ser apropriável, o que induz a sua limitabilidade, porquanto apenas podemos
trocar objetos quando forem def‌inidos, restritos, dotados de valor certo. É inima-
ginável alguém, ao menos no aspecto privatístico, incluir como objeto da relação
jurídica o ar atmosférico, senão quando, por exemplo, envazado em cilindros para
mergulho. Em resumo: a noção restringe-se ao que pode ser objeto de domínio e
posse. Abordemos, com mais vagar, o tema.
1. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 222.
2. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 222.
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DIREITO CIVIL BRASILEIRO – PARTE GERAL • ROGÉRIO ANDRADE CAVALCANTI ARAUJO
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A COISA COMO OBJETO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
Conforme salientamos, a coisa deve ser objeto de posse e domínio. Assim,
indaguemos: seria possível a apropriação de objetos incorpóreos?
O Código Civil da Alemanha3 não parece deixar espaço para dúvidas ao de-
terminar:
“Seção 90
Conceito de coisa
Apenas objetos corpóreos são legalmente coisas”.
O Código Civil de Portugal, ao seu turno, parece enfrentar o tema de forma
ligeiramente diversa:
“Artigo 1302º
(Objecto do direito de propriedade)
Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade regulado
neste código.
Artigo 1303º
(Propriedade intelectual)
1. Os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial.
2. São, todavia, subsidiariamente aplicáveis aos direitos de autor e à propriedade industrial as
disposições deste código, quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos e não con-
trariem o regime para eles especialmente estabelecido”.
A leitura da lei portuguesa nos faz presumir, naquela nação, a existência de
“coisas” corpóreas e “coisas” incorpóreas. A grande discussão se coloca quanto à
“propriedade” sobre objetos (coisas) incorpóreos. Ora, embora o artigo 1302º do
Código de Portugal sugira que o direito de propriedade, tratado nessa norma, deva
incidir sobre bens corpóreos, parece, o artigo seguinte, admitir que formas diferentes
de propriedade (imaterial) sejam disciplinadas por legislação extravagante, sobre a
qual incidirão subsidiariamente os comandos do Código Civil.
José de Oliveira Ascensão4 nos brinda com lúcida compreensão da norma por-
tuguesa ao esclarecer que a interpretação literal do Código Civil de Portugal não
parece ser a mais adequada. Af‌irma que os direitos do autor (assim como a proprie-
dade industrial) nem sequer podem ser considerados direitos reais, porquanto não
se submetem ao domínio exclusivo de um só.
3. Tradução livre da versão inglesa do BGB. Disponível em: http://www.fd.ul.pt/LinkClick. aspx?f‌ileticke-
t=KrjHyaFOKmw%3D&tabid=505. Acesso em: 15 jul. 2013.
4. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, v. I, p.
353-354.
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CAPÍTULO 10 • BENS
A forma como se coloca a questão é apropriada. Quando somos donos de
um carro, ao exercermos sobre ele os poderes derivados da propriedade (usar,
fruir e dispor), tal utilização da coisa exclui o concomitante uso por terceiros.
A oponibilidade erga omnes do direito real seria uma face da moeda, enquanto a
exclusividade, a outra.
Igual fenômeno não ocorre com os direitos imateriais. O fato de haver publi-
cado um livro em Brasília não impede que a obra seja indevidamente copiada em
outra cidade do Brasil. A exclusividade, portanto, que exsurge do simples manejo
das faculdades do domínio, não se verif‌icaria quanto aos direitos do autor e quanto
à propriedade industrial.
Conclui Ascensão5, assim, que a chamada propriedade imaterial cuidaria de
direitos de monopólio. Seriam, portanto, direitos pessoais e em nada se mostrariam
enfraquecidos por essa constatação. Artif‌icial seria vislumbrá-los como uma pro-
priedade, passível, por exemplo, de aquisição por usucapião. E nem mesmo a sua
defesa possessória seria oportuna. Hoje contamos com contundentes instrumentos
processuais, como a antecipação de tutela na obrigação de não fazer, que garantiriam
uma ef‌icaz proteção dos institutos tratados.
Assim, mesmo a lei brasileira não tendo esclarecido se a expressão “coisas” se
restringe a bens materiais, temos que sim, pela singularidade de que elas são objetos
de direitos reais e estes demandam exclusividade no manejo das suas faculdades, o
que só se verif‌ica, como visto, quanto a objetos corpóreos.
Ressaltamos, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça tem se mostrado
vacilante quanto ao tema. Em julgado que versa sobre propriedade industrial, ad-
mitiu o exercício de propriedade sobre uma patente. Vejamos6:
“CIVIL – INTERDITO PROIBITÓRIO – PATENTE DE INVENÇÃO DEVIDAMENTE REGISTRADA
– DIREITO DE PROPRIEDADE.
I – A doutrina e a jurisprudência assentaram entendimento segundo o qual a proteção do direito
de propriedades, decorrente de patente industrial, portanto, bem imaterial, no nosso direito, pode
ser exercida através das ações possessórias.
II – O prejudicado, em casos tais, dispõe de outras ações para coibir e ressarcir-se dos prejuízos
resultantes de contrafação de patente de invenção. Mas tendo o interdito proibitório índole emi-
nentemente preventiva, inequivocamente, é ele meio processual mais ecaz para fazer cessar,
de pronto, a violação daquele direito.
III – Recurso não conhecido”.
5. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, v. I, p.
353-354.
6. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 7.196/RJ, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma,
julgado em 10.06.1991, DJ 05.08.1991, p. 9997.
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