Conceito e fontes do direito

AutorRogério Andrade Cavalcanti Araujo
Páginas1-29
CAPÍTULO 1
CONCEITO E FONTES DO DIREITO
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
O ser humano, desde a sua concepção, ostenta uma série de necessidades
que devem ser satisfeitas para garantir a sua sobrevivência. Ideal seria se os bens
da vida, ao suprirem tais demandas, fossem ilimitados. Desafortunadamente, não
o são. Exsurge, de tão simples apontamento, a gênese da tormentosa questão que
desaf‌ia a atenção de estudiosos das mais diversas áreas há séculos: como disciplinar
a distribuição dos escassos bens da vida?
Sabe-se, por outro lado, ser o homem um ser gregário, verdade resumida na feliz
expressão “unus homo nullus homo”. Assim, na inf‌indável rede de relações travadas
no seio dos agrupamentos humanos, distintas podem ser as soluções encontradas
para a distribuição dos bens existentes.
Nesse sentido, Aurelio Candian1 adverte que a necessidade por um bem da
vida pode ser satisfeita abusando-se do uso da força, ou pelo acerto das vontades, a
exemplo do que ocorre na permuta de um objeto por outro. Prossegue ao nos lembrar
que, na primeira hipótese, em regra, a reação ao uso da força se faz também com
violência, desencadeando a esterilidade prática de todas as atividades individuais e
coletivas, com a consagração da lei do mais forte.
A conservação dos grupos humanos, portanto, exige a disciplina da atuação de
seus respectivos atores por meio de regras de conduta. Como adverte Demolombe2,
a religião, a moral, a f‌ilosof‌ia e o direito têm como proposta o estabelecimento de
regras de ação e conduta para os homens. Não raro, a última das ciências citadas se
vale daquelas outras para disciplinar a conduta intersubjetiva. Todavia, a coincidên-
cia não é perfeita, o que tem levado os estudiosos a tentarem divisar a regra jurídica
especialmente das regras morais.
1. CANDIAN, Aurelio. Instituciones de derecho privado. México: Uteha, 1961, p. 3.
2. DEMOLOMBE, C. Cours de Code Napoleón I – traité de la publication, des effets et de l’application des lois en
general. 2. ed. Paris: Imprimerie Générale, p. 3.
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DIREITO CIVIL BRASILEIRO – PARTE GERAL • ROGÉRIO ANDRADE CAVALCANTI ARAUJO
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DIREITO E MORAL
Especial relevo, nessa esteira, adquire a diferenciação entre direito e moral.
Conforme asseverado, muitos são os pontos de contato entre os dois, não obstante
a existência de vozes que dispensem a justif‌icação do primeiro pela última3.
Contudo, nossas atenções devem volver-se à invocada distinção, sintetizada,
com rara precisão, pelos irmãos Mazeud4:
“A regra de moral é uma regra de conduta individual que se dirige à consciência do homem e, ao
largo de toda coação, propõe, ao seu turno, um ideal de justiça e de caridade.
A regra de direito é uma regra de conduta social que, sancionada pela coação, deve ter por m
fazer que reine a ordem ao procurar a segurança dentro da justiça”.
Esquematicamente, portanto, algumas principais diferenças devem ser lem-
bradas entre moral e direito: a) o âmbito da moral se volta ao campo da consciência
individual (sendo, pois, unilateral), enquanto o direito deve voltar-se a viabilizar a
vida em sociedade (é, portanto, bilateral), impondo limitações, ao mesmo tempo em
que confere a exigibilidade de determinados procedimentos5; b) as regras morais são
observadas voluntariamente; logo, as sanções por elas impostas são de índole inter-
na, ao passo que as regras jurídicas são de observância obrigatória e a sua violação,
ordinariamente, sancionada pela coação estatal6; c) a moral tem como intento maior
a prática do bem, enquanto o direito tende a evitar que se prejudique outrem7; d) a
moral diz respeito à paz interior, ao contrário do direito, que visa à paz exterior8; e)
o campo da moral é mais amplo, sendo suas normas mais difusas, enquanto o direito
é mais restrito e suas normas são mais def‌inidas9.
Apreciadas as questões suscitadas, resta, ainda, uma a ser dirimida. Qual seria,
enf‌im, o conceito de direito?
O CONCEITO DE DIREITO
A perplexidade acerca do conceito de direito revela-se com clareza nas plásticas
palavras de Alberto Trabucchi. Segundo ele, existem “volumes e volumes de leis, bi-
3. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 76, nesse sentido, é enfático
ao af‌irmar que “a necessidade de distinguir o Direito da Moral e a ciência jurídica da Ética signif‌ica que,
do ponto de vista de um conhecimento científ‌ico do Direito positivo, a legitimação deste por uma ordem
moral distinta da ordem jurídica é irrelevante, pois a ciência jurídica não tem de aprovar ou desaprovar o
seu objeto, mas apenas tem de o conhecer e descrever”.
4. MAZEUD ET MAZEUD. Lecciones de derecho civil – parte primera. Buenos Aires: EJEA, 1959, v. I, p. 18-19.
5. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 13.
6. RIPERT ET BOULANGER. Tratado de derecho civil según el Tratado de Planiol – parte general. Buenos Aires:
La Ley, t. I, p. 36 e 37.
7. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil – parte geral. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
8. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil – introdução, parte geral e teoria dos negócios jurí-
dicos. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 36.
9. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil – parte geral. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
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