Domicílio

AutorRogério Andrade Cavalcanti Araujo
Páginas261-268
CAPÍTULO 9
DOMICÍLIO
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
A sedentarização é fenômeno comum entre as diversas sociedades humanas.
O indivíduo, após se f‌ixar em determinado lugar, mantém uma rede de interesses e
negócios em torno de si, que tem na referência geográf‌ica um dos mais importantes
elementos.
O ref‌lexo jurídico desse fenômeno foi a construção do conceito legal de domi-
cílio. Fustel de Coulanges1 fornece interessante apanhado histórico sobre a origem
comum do domicílio (que etimologicamente deriva de domus, ou seja, a casa onde o
homem habita2) e de propriedade nas sociedades antigas, especialmente na romana:
“Há três coisas que, desde as mais antigas eras, encontram-se fundadas e solidamente estabelecidas
nas sociedades grega e itálica: a religião doméstica, a família, o direito de propriedade; três coisas
que tiveram entre si, na origem, uma relação evidente, e que parecem terem sido inseparáveis.
A ideia de propriedade privada fazia parte da própria religião. Cada família tinha seu lar e seus
antepassados. Esses deuses não podiam ser adorados senão por ela, e não protegiam senão a ela;
eram sua propriedade exclusiva.
Ora, entre esses deuses e o solo, os homens das épocas mais antigas divisavam uma relação
misteriosa. Tomemos, em primeiro lugar, o lar; esse altar é o símbolo da vida sedentária, como o
nome bem o indica. Deve ser colocado sobre a terra, e, uma vez construído, não o devem mudar
mais de lugar. O deus da família deseja possuir morada xa; materialmente, é difícil transportar a
terra sobre a qual ele brilha; religiosamente, isso é mais difícil ainda, e não é permitido ao homem
senão quando é premido pela dura necessidade, expulso por um inimigo, ou se a terra não o
puder sustentar por ser estéril. Quando se constrói o lar, é com o pensamento e a esperança de
que continue sempre no mesmo lugar. O deus ali se instala, não por um dia, nem pelo espaço
de uma vida humana, mas por todo o tempo em que dure essa família, e enquanto restar alguém
que alimente a chama do sacrifício. Assim o lar toma posse da terra; essa parte da terra torna-se
sua, é sua propriedade.
E a família, que por dever e por religião ca sempre agrupada ao redor desse altar, xa-se ao
solo como o próprio altar. A ideia de domicílio surge naturalmente. A família está ligada ao altar,
o altar ao solo; estabelece-se estreita relação entre a terra e a família. Aí deve ter sua morada
permanente, que jamais abandonará, a não ser quando obrigada por força superior. Como o lar,
a família ocupará sempre esse lugar. Esse lugar lhe pertence, é sua propriedade; e não de um
1. FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/cidadeantiga.html. Acesso em: 29 mar. 2013.
2. FERRARA, Francesco. Trattato di diritto civile italiano. Roma: Athenaeum, 1921, p. 548.
DIREITO CIVIL BRASILEIRTO 2ED.indb 261DIREITO CIVIL BRASILEIRTO 2ED.indb 261 17/09/2021 11:08:3517/09/2021 11:08:35

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