Cyberbullying - entre estatísticas e danos: a vulnerabilidade de adolescentes na internet

AutorAna Cristina de Melo Silveira
Páginas291-310
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CYBERBULLYING – ENTRE ESTATÍSTICAS
E DANOS: A VULNERABILIDADE DE
ADOLESCENTES NA INTERNET
Ana Cristina de Melo Silveira
Sumário: 1. Introdução. 2. O Cyberbullying – estatísticas e danos. 2.1. Para além dos dados.
3. Esfera cível e respostas jurídicas possíveis ao cyberbullying. 3.1. Legislação especíca
voltada ao bullying e cyberbullying. 3.2. Contenção do ilícito. 3.3. A compensação pecuni-
ária e a limitação intrínseca aos danos de natureza extrapatrimonial. 4. Notas conclusivas.
Referências.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea é permeada pela Internet e seus recursos interativos e
socializadores. Nesse contexto, as crianças e os adolescentes estão cada vez mais integra-
dos no mundo digital, fazendo dele um espaço de aprendizagem, lazer e interação social.
Se por um lado é possível reconhecer diversos benefícios da evolução tecnológica, por
outro é preciso atentar para o fato de que ela também expõe esse grupo a novos riscos de
danos. A situação é ainda mais séria quando as consequências atingem a esfera existencial
dessas pessoas que estão em desenvolvimento, podendo acarretar-lhes consequências
que serão carregadas ao longo de toda a vida.
Alguns riscos já ganharam notoriedade. A pedof‌ilia se estendeu para o mundo
digital, podendo partir tanto do vizinho como de um agente do outro lado do mundo.
Imagens íntimas de menores sem o respectivo consentimento são veiculadas nas redes
sociais também em decorrência de relações sociais entre adolescentes na fase de inicia-
ção sexual, o que acontece em alguns casos de pornograf‌ia de vingança, que também
é denominado de revenge porn. Discursos de ódio, comumente inseridos por meio das
mídias sociais, também têm tido potencialidade para atingir a identidade e a liberdade de
crianças e adolescentes, cujo alvo de ataques, dentre outras situações, é a etnia, o modelo
familiar, a opção sexual e a religião da vítima. Além disso, no contexto desse modelo
social, grupos terroristas aproveitam-se para cooptar integrantes ao redor do planeta,
tendo como seus principais alvos crianças e adolescentes, justamente por serem seres
em desenvolvimento.
Em março de 2019, o Youtube infantil sofreu ataques de hackers, passando a exibir,
enquanto crianças ou adolescentes assistiam a vídeos voltados para a faixa etária de até
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13 anos, a boneca Momo que os induzia a praticar automutilação, suicídio ou violência
contra familiares.1
O vício em redes sociais e Internet é cada vez maior sido cada vez mais, o que tem
levado a debates mais profundos por especialistas da área de saúde, de forma que, recen-
temente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu como distúrbio mental a
dependência de games em algumas situações.2
Nesse contexto, o bullying tradicional também invadiu o mundo digital, sendo hoje,
conhecido como cyberbullying.
Todos esses riscos de danos podem atingir diversas esferas da personalidade, tais
como a honra, a imagem e a integridade física, psíquica e emocional do menor de maneira
irreversível. Este trabalho se propõe a analisar, especif‌icamente, o cyberbullying, modali-
dade de violência contemporânea capaz de gerar violar profundamente a esfera existencial
de adolescentes. Nesse caso, os danos tendem a ser extensos, profundos e, muitas vezes,
irreversíveis. Dentre eles, verif‌ica-se insônia, perda do rendimento escolar, isolamento
social, automutilação e, em casos extremos, suicídio, chamado de “bullycídio”.
Adentrando mais afundo no tema, destaca-se a especial vulnerabilidade a que as
adolescentes estão submetidas. Pesquisas têm mostrado, como será demonstrado no
desenvolvimento deste trabalho, que, entre adolescentes, as meninas têm sido vítimas
de cyberbullying em maior proporção, o que indica uma vulnerabilidade ainda maior se
comparadas a dos meninos.
Dentre as respostas jurídicas, há medidas preventivas, inibitórias e ressarcitórias
do dano sofrido pela vítima. Nesse aspecto, o problema que se coloca neste trabalho é
se há adequação do regramento jurídico no que diz respeito à prevenção e à contenção
de danos à esfera existencial nas relações humanas no mundo digital, com especial en-
foque ao grupo feminino de adolescentes. A hipótese que se apresenta é que no âmbito
jurídico, não se tem dedicado especial atenção à função preventiva da responsabilidade
civil, relevando-se à resposta jurídica com maior ênfase à função reparatória.
Ressalta-se que este estudo tem relevância não apenas para os interessados na área
jurídica, mas também para pais, educadores e cuidadores, pois quanto mais esforços
envidados à prevenção e quanto antes os atos de cyberbullying forem identif‌icados, assim
como as medidas possíveis para a tentativa de reversão ou minimização dos danos, maior
a chance de reduzir os impactos sobre a vítima.
Esta pesquisa se deu pela vertente jurídico-sociológica, desenvolvendo-se pelo
método hipotético-dedutivo. Para tanto, primeiramente, buscar-se-á apresentar a
compreensão do que é cyberbullying na legislação e na doutrina brasileira. Em segui-
1. OLIVEIRA, Cinthya; INÁCIO, Bruno. Reapariação da boneca Momo em vídeo acende alerta sobre controle do que
as crianças veem na web. Hoje em Dia, Belo Horizonte, 19 mar. 2019. Disponível em: https://www.hojeemdia.com.
br/horizontes/reaparia%C3%A7%C3%A3o-da-boneca-momo-em-v%C3%ADdeo-acende-alerta-sobre-controle-
do-que-as-crian%C3%A7as-veem-na-web-1.701774. Acesso em: 20 mar. 2019; O’MALLEY, Katie. Desaf‌io que
induz jovens à automutilação se esconde em vídeos infantis, alertam escolas inglesas. O Globo, Rio de Janeiro,
27 fev. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/desaf‌io-que-induz-jovens-automutilacao-se-
esconde-em-videos-infantis-alertam-escolas-inglesas-23486125. Acesso em: 20 mar. 2019.
2. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Gaming disorder. Genebra, 14 Sept. 2018. Disponível em: https://www.who.
int/features/qa/gaming-disorder/en/. Acesso em: 14 out. 2019.

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