Dignidade da pessoa humana

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Advogado - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil ? IAB
Páginas609-637
609
Capítulo 21
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
21.1 Construção Histórica
A análise da construção histórica da dignidade humana se impõe
como necessário, pois existe uma distinção entre dignidade (a dignitas
romana ou expressões gregas) como valor, honra e apreço e a expressão
dignidade da pessoa humana como inerente à própria condição humana.
Aquela é condicional, transitória, inigualitária e contingente; esta é
universal e incondicional. A dignidade como valor, honra e apreço se
refere a uma postura pessoal objetivamente apreciada pela sociedade; já a
dignidade referida a condição humana possui caráter polissêmico e aberto
encontrando-se em estado permanente de mutação e desenvolvimento ao
longo do tempo e do espaço que está em constante concretização e
delimitação pela práxis constitucional.623 Daí a importância da distinção,
pois ambas andam de mãos dadas nos dias atuais: ora a expressão
dignidade pode ser utilizada como qualidade, apreço ou status social; ora
pode ser entendida como ideia de igual dignidade inerente a todo e
qualquer ser humano, especialmente, incorporada nos diplomas jurídico-
constitucionais do segundo pós-guerra.
Na Roma antiga, a expressão dignitas estava relacionada ao
status social do indivíduo na sociedade, tais como honra, respeito,
deferência e consideração social até mesmo pela função pública que o
sujeito exercia na comunidade. Era uma espécie de status privilegiado
particular que o indivíduo ostentava no seio da sua comunidade.
De acordo com Ingo Sarlet, “no pensamento filosófico e político da
antiguidade clássica, verificava-se que a dignidade (dignita s) da pessoa
humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o
seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí
623 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O p rincípio da dignidade da pessoa humana e a
exclusão social. In: Revista interesse público. Belo Horizonte. n. 4. 1999. p. 24.
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poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no
sentido de se admitir a existência pessoas mais dignas ou menos dignas.
Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a
qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais
criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da
mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente
ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo (o homem como
ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como a ideia de
que todos os seres humanos, no que diz com a sua natureza, são iguais em
dignidade. Com efeito, de acordo com o jurisconsulto político e filósofo
romano Marco Túlio Cícero, é a natureza quem descreve que o homem
deve levar em conta os interesses de seus semelhantes, pelo simples fato
de também serem homens, razão pela qual todos estão sujeitos às mesmas
leis naturais, de acordo com as quais é proibido que uns prejudiquem aos
outros, passagem na qual (como, de resto, encontrada em outros autores
da época) se percebe a vinculação da noção de dignidade com a pretensão
de respeito e consideração a que faz jus todo ser humano. Assim,
especialmente em relação a Roma notadamente a partir das formulações
de Cícero, que desenvolveu um compreensão da dignidade desvinculada
do cargo ou posição social é possível reconhecer a coexistência de um
sentido moral (seja no que diz às virtudes pessoais do mérito, integridade,
lealdade, entre outras, seja na acepção estóica referida) e o sociopolítico
de dignidade (aqui no sentido da posição social e política ocupada pelo
indivíduo).”624
Dessa maneira, é possível afirmar que os primórdios da dignidade
da pessoa humana encontram-se na antiguidade clássica e o seu sentido e
alcance estava relacionado à posição que cada indivíduo ocupava na
sociedade. Como dito acima, a palavra dignidade provém do latim dignus
que representa aquela pessoa que merece estima e honra, ou seja, aquela
pessoa que é importante em um grupo social.
No período medieval, a dignida de da pessoa humana passou a
entrelaçar-se aos valores inerentes à filosofia cristã. Melhor dizendo: a
ideia de dignidade passa a ficar vinculada a cada individuo, lastreada no
624 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Ale gre: Livraria dos
Advogados; 2011, p. 34-36.

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