Capítulo 10:A institucionalização da dogmática jurídico-canônica medieval
Autor | Rogério Dultra dos Santos |
Ocupação do Autor | Professor de Introdução ao Estudo de Direito e Pensamento Político Brasileiro na Universidade Federal Fluminense ? UFF. Mestre em Direito pela UFSC e doutor em Ciência Política pelo IUPERJ (RJ). Organizador dos livros: Introdução Crítica ao Estudo do Sistema Penal. Florianópolis: Diploma Legal, 1999; Direito e Política. Porto Alegre: Síntese, 2004. |
Páginas | 261-282 |
Capítulo 10
A INSTITUCIONALIzAçãO
DA DOGMÁTICA
jURíDICO-CANôNICA MEDIEvAL1
rogério dultrA dos sAntos
2
sumário: 1. Introdução. 2. A Idade Média e o vínculo feu-
dal como instrumento de dominação através da autoridade.
3. A Igreja Católica medieval e a institucionalização do Direito
canônico como prática repressiva. 4. Conclusão. 5. Referências
bibliográcas.
1. INTRODUçãO
De forma condensada, poder-se-ia dizer que dois foram os ins-
titutos máximos legados pela Igreja Católica para a constituição do
Direito ocidental moderno: a dogmática e o inquérito.3 O objetivo
1 Originalmente, este trabalho foi apresentado como papernaldadisciplinaHistória
das Instituições Jurídicas, ministrada no curso de Pós-Graduação da UFSC pelo Pro-
fessor Doutor Antonio Carlos Wolkmer, no ano de 1998.
2 Professor de Introdução ao Estudo de Direito e Pensamento Político Brasileiro na
Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestre em Direito pela UFSC e doutor em
Ciência Política pelo IUPERJ (RJ). Organizador dos livros: Introdução Crítica ao Es-
tudo do Sistema Penal. Florianópolis: Diploma Legal, 1999; Direito e Política. Porto
Alegre: Síntese, 2004.
3 Sobre o segundo instituto – englobando-se aqui tanto o inquérito quanto a própria
constituição dos tribunais medievais da Santa Inquisição e seus métodos de cons-
truçãodaverdade,principalmenteatravésda tortura–,vastaéabibliograacrítica
acessível: BITHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha
e Itália, séculos XV – XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 2000; KRAMER, Heinrich;
SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos
Tempos, 1997; GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo. 6. ed.
São Paulo: Saraiva, 1993; LEVACK, Brian P. A caça às bruxas na Europa moderna.
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destetrabalhoéocupar-sedoprimeirodelesapartirdaidenticação
do período medieval,4 traçando a trajetória da evolução do Direito
canônicoenquantoconstruçãodogmáticae,consequentemente,como
elaboração de um discurso que legitima a imposição da verdade a par-
tir de um lugar de saber inquestionável, nascido de uma prática social
politicamentedeterminada. Dessemodo, ainstitucionalização canô-
nica da dogmática será estudada como elemento de construção, ma-
nutenção e manipulação da verdade, fundamentadora de uma política
autoritária imposta pela Igreja Católica durante o desenrolar da Idade
Média,legitimandoalógicadeumdiscursoqueirradiasuainuência
até os dias atuais: o próprio discurso jurídico-dogmático.
Tal estudo partirá de uma visão histórica da formação do Direi-
to medieval, ressaltando de que modo o poder e a verdade foram
normatizados socialmente, através da estruturação política da Igreja
Católica com origem nos vínculos de autoridade política. Num se-
gundo momento, mostrar-se-á como o Direito canônico foi gerado
apresentando-se institucionalmente como “lugar que sabe”, ou seja,
como oráculo do poder,5para seperceber,no nal,deque maneira
pôdea dogmáticaser usadaindiscriminadamentecomoinstrumento
de disciplina, alienação e sujeição teórica e social, forjando a própria
estrutura do Direito moderno através da violência simbólica.
2. ed. Rio de Janeiro: Campus, [s/d]; MANDROU, Robert. Magistrados e feiticeiros
na França do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 1979; HAUSER, Ester; MAR-
TEL, Letícia. Tribunais, magistrados e feiticeiras na Europa moderna. In: SANTOS,
Rogério Dultra dos (Org.). Introdução crítica ao estudo do sistema penal: elementos
para compreensão da atividade repressiva do Estado. Florianópolis: Diploma Legal,
1999, p. 205-256. Neste livro, atentar para os trabalhos referentes ao tema presentes
nos Capítulos 11 e 12.
4 AIdadeMédiafoifenômenogeogracamentelocalizadonaEuropaecaracterizado
pela interpenetração de três elementos que ajudariam a compor a história política de
todo o período medieval: Roma, os povos germanos e a Igreja Católica. Cf. TIGAR,
Michael E.; LEVY, Madeleine R. O Direito e a ascensão do capitalismo. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978, p. 36-37; GILISSEN, John. Introdução histórica do Direito.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 127; FRANCO JÚNIOR, Hilário. A idade
média e o nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 12.
5 Expressões de Pierre Legendre no texto “Los amos de la lei”. In: MARÍ, Enrique E.;
KELSEN, Hans; KOSICKI, Enrique; LEGENDRE, Pierre. Derecho y psicoanalisis:
teoríadelasccionesy funcióndogmática.BuenosAires:LibreríaHachette,[s/d],
p. 136.
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