Capítulo 22: O escravo ante a lei civil e a lei penal no império (1822-1871)
Autor | Arno Wehling |
Ocupação do Autor | Professor Titular de Teoria e Metodologia da História da Universidade Federal do Rio de Janeiro e História do Direito da UNIRIO e da Universidade Gama Filho. Doutor e Livre-Docente em História pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutor pela Universidade Portucalense. Membro da Academia Portuguesa de História, sócio do IBHD e Presidente do ... |
Páginas | 557-578 |
Capítulo 22
O ESCRAvO ANTE A LEI CIvIL E A LEI
pENAL NO IMpéRIO (1822-1871)1
Arno Wehling
2
sumário: 1. Introdução. 2. As fontes jurídicas da escravidão
no Império, 1822-1871. 3. Orig em e ter mo da escravidão no
Império. 4. O escravo e a lei civil. 5. O escravo e a lei penal.
6. Conclusão. 7. Referências bibliográcas.
1. INTRODUçãO
Olimitecronológicoxadonestaexposiçãojustica-sepelasmu-
danças históricas que as respectivas datas simbolizam, tanto no plano
geral da sociedade brasileira, como em seu universo jurídico. O ano
de 1822 representou a conjuntura da independência e o início de uma
nova ordem jurídica. Já 1871 correspondeu a uma nova conjuntura so-
cioeconômicaepolíticaquecomeçavaadiferençar-sedomonolitismo
1 Trabalho realizado com a colaboração da Professora e Doutora Maria José C. de M.
Wehling, que participou da pesquisa e da discussão sobre as conclusões. Este texto
foi inicialmente publicado na coletânea Cem anos de abolição da escravidão. Orga-
nizado por Lourenço Luís Lacombe. Petrópolis: Museu Imperial, 1998, p. 101-111.
2 Professor Titular de Teoria e Metodologia da História da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e História do Direito da UNIRIO e da Universidade Gama Filho.
Doutor e Livre-Docente em História pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutor
pela Universidade Portucalense. Membro da Academia Portuguesa de História, só-
ciodoIBHDePresidentedoInstitutoHistóricoeGeográcoBrasileiro.Dentresuas
principais obras, cabe destacar em coautoria com Maria José C. M. Wehling: Forma-
ção do Brasil Colonial. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999; Administração
Portuguesa no Brasil de Pombal a D. João (1777-1808). Brasília: Funcep, 1986; A
Invenção da História. Estudos sobre o Historicismo. Rio de Janeiro: Gama Filho,
2001; Direito e Justiça no Brasil Colonial. O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro
(1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
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agrário anterior e, no ordenamento jurídico sobre a escravidão, à pri-
meira das leis abolicionistas.
Ao estudarmos o escravo ante a lei civil e a lei penal neste meio
século,teremoscomofundamentaisosconitosentreaescravidãoe
o quadro institucional do país (representado pela monarquia constitu-
cional e pela economia agroexportadora), e ainda entre a escravidão
sustentada pelo Direito positivo e as concepções jurídicas oriundas do
constitucionalismo. Ou, na expressão de José Bonifácio:
Graçasaoscéuse ànossaposiçãogeográca, jásomosum povolivreein-
dependente. Mas como poderá haver uma Constituição liberal e duradoura
em um país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos
brutais e inimigos?3
O processo de independência e organização institucional do país,
concluídopor volta de 1840–emboraaindanesta época o Cônego
Januário da Cunha Barbosa, secretário do Instituto Histórico e Geo-
grácoBrasileiroeantigoconstituinte,lamentassenãoestaroEstado
plenamente consolidado4 – teve como principal traço sociopolítico o
controle do poder central pela elite de proprietários rurais reunida em
torno do programa político do “partido regressista”5.
Asrelaçõescomasprovíncias,aomda“experiênciarepublica-
na”doperíodoregencial,foramseestabilizando,tantopeladenição
do equilíbrio centro-periferia resultante da Lei Interpretativa ao Ato
Adicional, como pela adoção de medidas que encerraram o ciclo de
movimentos revolucionários.6
O desenvolvimento da produção cafeeira no vale do Paraíba
uminense, por sua vez, deu ao país possibilidade de recuperar-se
economicamente, embora permanecessem os condicionamentos da
economia de exportação, em extremo dependente dos mercados con-
sumidores.Permanecia, também, no novo contexto econômico, o
3 SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Representação à Assembleia-Geral constituinte
e legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura. Paris: F. Didot, 1825, p. 25.
4 Em correspondência a Martius, de 1843 (Arquivo do IHGB, pasta Martius).
5 WEHLING, Arno. As origens do Instituto Histórico. Revista do Instituto Histórico e
Geográco Brasileiro 338, p. 7-16, jan./mar. 1983.
6 MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil. Rio de Janeiro:
Saga, 1965, p. 38.
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