Capítulo 21: Instituições, retórica e o bacharelismo no Brasil

AutorJosé Wanderley Kozima
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Mestre em Direito pela UFSC.
Páginas533-556
Capítulo 21
INSTITUIçÕES, RETÓRICA E O
BACHARELISMO NO BRASIL
josé WAnderley kozimA
1
sumário: 1. Introdução. 2. Estado patrimonial e passado
escravocrata. 3. Dos jesuítas aos cursos de Direito. 4. O ba-
charelismo: retórica, formalismo e abstração. 5. Conclusão. 6.
Referências bibliográcas.
1. INTRODUçãO
Antesdecomeçaropresentecapítulo,cabereetirumpoucoacer-
ca de seus objetivos, métodos, possibilidades e limitações. Impunha-se
efetivar uma análise em que restasse privilegiado o estudo das raízes
históricas das instituições jurídicas e que, revelados os fatos históri-
cos,propiciasserealizarumareleituracríticaedesmiticadoradessas
instituições. Iniciado o empreendimento pela escolha das obras, avul-
tou-se clara, já nesta fase, uma certa inviabilidade no preten der divisar
os enfoques e obras “puramente históricos” e as demais possibi lidades
deabordagemcientíca,jáqueahistória,pormaisamplooobjeto,2
muitas vezes oferece o fundo (ou base) para estudos socio lógicos,
econômicos,antropológicos,jurídicos,etc.,inuenciandoetambém
recebendoalgumainuênciadasdemaisáreasdoconhecimento.3 Dei-
xadas de lado as conjecturações acerca da existência de um método ou
1 Professor Universitário e Mestre em Direito pela UFSC.
2 Algumasdenições de históriasão registradas porJean Glénisson (Iniciação aos
estudos históricos. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, p. 12-13), cabendo registrar a de
Tolstói, para quem “o objeto da história é a vida dos povos e da humanidade”.
3 V. GLÉNISSON, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 6. ed. Rio de Janeiro: Ber-
trand, 1992, p. 307 et seq.
Wolkman10ed.indb 533 28/05/2019 14:17:34
José Wanderley Kozima
534
objetoprópriosàhistória,foitrazidoàreexãootemaaserenfocado
(bacharelismo) e, assim, concluiu-se pela necessidade de realizar uma
abordagem histórico-sociológica.
Cumpre registrar, outrossim, que se deparou, já de início, com al-
gumas questões interessantes. Primeiramente o fato de que o “bacha-
relismo” não poderia propriamente ser considerado uma instituição
(teoria da instituição) e, se assim o fosse por interpretação extensiva,
dicilmentepoder-se-iaconsiderá-lajurídica,tratando-se,comosetra-
ta, de uso e costume social e político e não de um conjunto coerente de
normas reguladoras de determinados fatos sociais. Outro fato impor-
tante é o da dicotomia referida por Afonso Arinos de Melo Franco entre
bacharelismo e jurisdicismo, associando o primeiro à atividade política
eosegundoàproduçãoteórico-losóca,4especicaçãoque,embora
registrada,nãofoilevadaemconsideração.Porm,chamoutambéma
atenção o entendimento de Nelson Nogueira Saldanha, para quem
Falar em bacharelismo é pouco menos que alimentar um mito, a não ser que
se frise que se trata de referir um bias prossional,odoque lidacomleise
ditos forenses ou burocráticos; ou então uma forma mentis tendente a ver o
jurídico como essência do social (...).5
Nadaobstanteesteimportantealertaeanaturezacientícadotra-
balho,nãosepôdedeixardelevaremcontaomito,aintuição,asge-
neralidades e o senso comum, considerada a impossibilidade de uma
pesquisa de profundidade.
Certoé queobacharelismo setratade fenômenopolítico-social
(afora linguístico e psicológico), e que não se poderia estudá-lo, a par-
tir do enfoque histórico-sociológico, prescindindo das recorrências às
abordagensjárealizadasporalgumasdasgurasmaisrepresentativas
da inteligentsia brasileira que, com brilho irrefutável, se detiveram no
estudode nossa culturaecivilização. Propôs-se,assim,partindo de
obrasgerais,arealizarumaincursãoporalgunstextosquezerama
“históriadahistoriograabrasileiracrítica”,eque, nadaobstantete-
nham hodiernamente um algo de clássico, propuseram interpretações
4 Para Afonso Arinos, bacharelismo é a “técnica jurídica aplicada especialmente à ati-
vidade política”. Apud VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo.
2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982, p. 291-292.
5 VENÂNCIO FILHO, Alberto. Op. cit., p. 294.
Wolkman10ed.indb 534 28/05/2019 14:17:34

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT