Capítulo 4: O direito grego antigo

AutorRaquel de Souza Franzine
Ocupação do AutorAdvogada. Mestre em Direito Penal pela UNISUL (SC).
Páginas77-112
Capítulo 4
O DIREITO GREGO ANTIGO
rAquel de souzA FrAnzine
1
sumário: 1. Introdução. 2. A escrita grega. 3. A lei greg a
escrita como instrumento de poder. 4. O Direito grego antigo.
5. A retórica grega como instrumento de persuasão jurídica.
6. As instituições gregas. 7. Conclusão. 8. Referências biblio-
grácas.
1. INTRODUÇÃO
Quando se discute a Grécia antiga, é comum dividir sua história
em vários períodos: o arcaico – do oitavo ao sexto século a.C., quan-
do se iniciam as Guerras Pérsicas; o clássico – quinto e quarto séculos
a.C.; o helenístico – desde Alexandre Magno até a conquista romana
do Mediterrâneo oriental; o romano–xadoapartirdaderrotadeAn-
tônioeCleópatraporAugusto.ParaoestudodoDireitogregoépar-
ticularmente interessante o período que se inicia com o aparecimento
da pólis, meados do século VIII a.C., e vai até o seu desaparecimento
e surgimento dos reinos helenísticos no século III a.C. Esse período
de cinco séculos corresponde aos convencionalmente denominados
época arcaica (776 a 480 a.C., datas dos primeiros Jogos Olímpicos
e batalha de Salamina, respectivamente) e período clássico (quinto e
quarto séculos a.C.). Um aspecto adicional, de qualquer estudo sobre
a Grécia, é que Atenas costuma ser utilizada como paradigma e não
outras cidades gregas também importantes, como Esparta, Tebas ou
1 Advogada. Mestre em Direito Penal pela UNISUL (SC).
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Corinto. Neste aspecto, é reveladora a observação feita no posfácio
do livro O mundo de Atenas,2 que tem Peter Jones como organizador:
Este livro foi deslavadamente atenocêntrico porque Atenas era a pólis mais
importante e não porque sobre ela chegou até nós maior número de dados
que sobre qualquer outra pólis da época. A tentação de vermos tudo através
de lentes atenienses é irresistível.
O estudo do Direito na Grécia antiga não é exceção. Além de ser
a pólis da qual mais se tem informações (Aristófanes, oradores áticos,
historiadores e a Constituição de Atenas de Aristóteles), Atenas foi
onde a democracia melhor se desenvolveu e o Direito atingiu sua mais
perfeita forma quanto a legislação e processo. É comum utilizar Direi-
togregoeDireitoateniensecomosinônimos.Noentanto,deve-seter
em mente que nem sempre são a mesma coisa, e não se pode falar de
Direito grego no sentido de sistema único e abrangendo todas as pólis.
Aqui, novamente, Esparta é a grande exceção.
A época arcaica é um período de transformações e se caracteriza
porcertonúmerode criaçõeseinovações.Umdos fenômenosmais
característicos dessa época foi o da colonização, prática que continuou
até o período helenístico. Seja por motivos de excesso de população,
secasouchuvasemdemasia,semprequeapólistinhadiculdadeem
alimentar a população, decidia pelo envio de uma parte para outro
lugar,com o objetivo de fundar umacolônia,aqualdenominavam
apokia (residência distante). Foi dessa forma que os gregos se espa-
lharam pelo Mediterrâneo.
Alémdedispersaremosgregosgeogracamente,essascoloniza-
çõesestimularam o comércio eaindústria.As colôniasprecisavam
realizar troca de mercadorias com o continente e também colocavam
2 JONES, Peter (Org.). O mundo de Atenas. Trad. World of Athens, editado por Press
Syndicate of The University of Cambridge, 1984. São Paulo: Martins Fontes, 1997,
p. 361. Este livro foi originariamente uma série de notas elaboradas para o Re-
ading greek (Lendo grego), uma introdução ao grego antigo para principiantes
adultos, produzido pela Joint Association of Classical Teacher’s Greek Course de
Cambridge.
Traduzido para o português, é uma das melhores fontes sobre a Grécia antiga. Para
os estudiosos de latim e da história de Roma existe também o livro The world of
Rome, não traduzido para o português, idealizado como suporte para o curso de
latim Reading latin (Lendo Latim).
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os gregos em contato com outros povos, os bárbaros, na visão dos
gregos.Logo o comércio transformou-se em atividadeautônoma e
próspera, estimulando a indústria, principalmente a produção de
cerâmica.
Com respeito às inovações do período arcaico, Paul Faure3 apre-
senta cinco: (1) o armamento naval com as trirremes; (2) o armamento
terrestre com os hoplitas; (3) o cavalo montado, substituindo os carros
de guerra puxados por cavalos; (4) a moeda e (5) o alfabeto. Desses,
interessa em particular os hoplitas, a moeda e o alfabeto, que será as-
sunto dos tópicos seguintes.
A hoplitia, uma transformação de tática militar, retirou da aris-
tocracia a hegemonia do poder militar, permitindo o acesso a maior
número de cidadãos. Mesmo tendo o hoplita de custear seu equipa-
mento, este ainda era mais barato que o custo de um cavalo, privilé-
gio dos nobres. Segundo Paul Faure, “A nação em armas substitui os
campeões, os heróis, os senhores da guerra. Todos os proprietários de
um lote de terra, capazes de pagar seu equipamento, são de Direito e
de fato remadores e hoplitas”4.
Tendo aparecido na Lídia em meados do século VII a.C., a moeda
foi logo adotada pelos gregos, contribuindo para incrementar o co-
mércio e permitir a acumulação de riquezas. Com o aparecimento dos
plutocratas como uma nova classe, a aristocracia perdeu o poder eco-
nômico,emboraaindamantivesseopoderpolítico, queseriaporela
controlado,contudonalmenteretiradocomasreformasintroduzidas
pelos legisladores e tiranos.
Aescrita surgecomonovatecnologia, permitindo a codicação
de leis e sua divulgação através de inscrições nos muros das cidades.
Dessa forma, junto com as instituições democráticas que passaram a
contar com a participação do povo, os aristocratas perdem também o
monopólio da justiça.
Retirar o poder das mãos da aristocracia com leis escritas foi o
papel dos legisladores. Coube-lhes compilar a tradição e os costu-
mes,modicá-loseapresentarumaestruturalegalemforma de
3 FAURE, Paul; GAIGNEROT, Marie-Jeanne. Guide grec antique. Paris: Hachette,
1991, p. 72-76.
4 FAURE, Paul; GAIGNEROT, Marie-Jeanne. Op. cit., p.73.
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