Capítulo 7: A natureza histórica da instituição do Direito de propriedade

AutorValcir Gassen
Ocupação do AutorProfessor da Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília ? UnB. Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela UFSC, onde também concluiu Doutorado em Direito do Estado. Pós-doutorado pela Universidade de Alicante ? Espanha). Autor do livro: O Tribunal do Consumo: o Princípio de Origem e de Destino em Processos...
Páginas169-194
Capítulo 7
A NATUREzA HISTÓRICA DA
INSTITUIçãO DO DIREITO DE
pROpRIEDADE
VAlCir gAssen
1
sumário: 1. Introdução. 2. A propriedade primitiva e an-
tiga: uma visão como representação da crença dos homens.
3. A propriedade antiga, medieval e moderna a partir do mate-
rialismo histórico. 4. Os pontos de vista em torno da história da
propriedade. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUçãO
A questão proposta, de que a propriedade privada da terra é uma
instituição histórica, é demasiadamente ampla, visto que se poderia
abordá-la sob os mais diversos aspectos, ou seja, quanto à legitimi-
dade dessa apropriação, quanto aos aspectos jurídicos de uma evolu-
çãodoconceitodepropriedadeeaonívelpolíticoeeconômicodeque
a terra é o mais importante “meio de produção”.
Nesse sentido far-se-á uma abordagem deste tema, de forma am-
plaepartindodesituaçõesexemplares,pararmarqueapropriedade
nasce das relações concretas entre os homens e estes estão, objetiva-
mente, situados historicamente.
Assim sendo, para que se possa fazer um pequeno resgate histó-
rico da propriedade é necessário compreender como alguns autores
1 Professor da Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de
Brasília–UnB.MestreemFilosoaeTeoriadoDireitopelaUFSC,ondetambémcon-
cluiu Doutorado em Direito do Estado. Pós-doutorado pela Universidade de Alicante
– Espanha). Autor do livro: O Tribunal do Consumo: o Princípio de Origem e de Destino
emProcessosdeIntegraçãoEconômica.Florianópolis:MomentoAtual,2004.
Wolkman10ed.indb 169 28/05/2019 14:17:15
Valcir Gassen
170
entendem a “história”, ou seja, a partir de que premissas passam a
“narrar” a história.
No caso de Fustel de Coulanges, com a obra A cidade antiga:
estudos sobre o culto, o Direito, as instituições da Grécia e de Roma,
escrita no século passado, “a história não estuda apenas os fatos ma-
teriais e as instituições: seu verdadeiro objeto de estudo é a alma hu-
mana: a história deve propor-se a conhecer o que essa alma acreditou,
pensou e sentiu nas diferentes idades da vida do gênero humano”2.
Assim, “nunca devemos perder de vista que, nos tempos antigos,
eraocultoqueconstituíaovínculounicadordetodaequalquerso-
ciedade”3.
Reitera ainda que “a natureza física exerce, sem dúvida, alguma
inuênciasobreahistóriadospovos,masascrençasdohomem,essas
inuírammuitomais”4.
Este papel de relevância atribuído às crenças dos homens, a ponto
de sobrepujá-las às condições materiais de existência, já despertou
grandes discussões e mal-entendidos.
Max Weber “endireitado”, ou seja, lido e apropriado por forças
teóricas e políticas conservadoras e aceito por setores de esquerda no
espectro político, creditaria à Reforma, proposta pelo protestantismo,
enquanto religião disciplinadora, a responsabilidade por construir e
rmaromododeproduçãocapitalista.
Neste aspecto é bom lembrar o que diz o próprio Weber:
Por outro lado, está fora de questão sustentar uma tese tão insensata e doutri-
nária, que pretenderia que ‘o Espírito do capitalismo’ (...) só seria o resultado
dealgumas inuências da Reforma,até armar mesmo que ocapitalismo
como sistema econômico é uma criação dela.5
Friedrich Engels nega que as representações religiosas tenham
forjado as instituições. Para ele, são as condições de vida real, as
2 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o Direito, as ins-
tituições da Grécia e de Roma. Trad. Jonas Camargo Leite, Eduardo Fonseca. São
Paulo: Hemus, 1975, p. 75.
3 COULANGES, Fustel de. Op. cit., p. 116.
4 COULANGES, Fustel de. Op. cit., p. 163.
5 In: LOWY, Michel. Método dialético e teoria política. Trad. Reginaldo Di Piero.
4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 36.
Wolkman10ed.indb 170 28/05/2019 14:17:15

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT