Capítulo 16: o direito no período pré-colonial e a cultura jurídica Asteca

AutorLucas Machado Fagundes
Ocupação do AutorPós-doutorado em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Pesquisador GT-Clacso: Pensamiento jurídico crítico. Pesquisador do Grupo Pensamento Jurídico Crítico Latino-americano, coordenando a linha: Constitucionalismo Crítico - Universidade do ...
Páginas379-416
Capítulo 16
O DIREITO NO PERÍODO
PRÉ-COLONIAL E A CULTURA
JURÍDICA ASTECA
luCAs mAC hAdo FAg unde s
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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2.Elementos normativos pré-colo-
niais. 3. Arquétipos do Direito Asteca. 4. Organização da justiça
no período pré-colonial. 5.Conclusão. 6. Bibliograa.
1. INTRODUÇÃO
O chamado período pré-hispânico, pré-cortesiano ou período pré-
conquista trata-se da concepção pré-moderna na América Hispânica2.
1 Pós-doutorado em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Dou-
tor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Pesquisador
GT-Clacso: Pensamiento jurídico crítico. Pesquisador do Grupo Pensamento Jurídico Crí-
tico Latino-americano, coordenando a linha: Constitucionalismo Crítico - Universidade do
Extremo Sul Catarinense-UNESC. Professor do Mestrado em Direito UNESC. Professor
colaborador no Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Autónoma de San Luis
de Potosí, México. Codiretor do projeto de pesquisa “Nuevo constitucionalismo latino-
americano.Perspectivas delgiro Decolonial yla losofíade laliberación”,Facultad de
Derecho, Universidad Nacional de Rosario - Argentina e Professor participante e pesquisa-
dor da “Cátedra de Pensamiento constitucional latinoamericano” da Facultad de Derecho,
Universidad Nacional de Rosario. Email: lmachado@unesc.net.
2 Para García Gallo, se fala emDireito pré-hispânico: “ […] se trata de ellos hasta el mo-
mento en que el pueblo respectivo entra en contacto con los españoles, lo que ocurre en
fechas muy distintas: v. gr., en 1492 y años sucesivos en las Antillas, en 1508 en Tierra
Firmes, en 1519 en Méjico, en 1533 en Perú, en 1709 en California, etc”. GARCÍA
GALLO, Alfonso. La penetración de los derechos europeos y el pluralismo jurídico en
la América Española, 1492-1824. In: DAL RI, Luciene. DAL RI JR., Arno. GARCÍA
GALLO, Alfonso. et al (Org.). A latinidade da América Latina: enfoques históricos-
jurídicos. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 99.
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É um espaço típico dos historiadores e antropólogos, por conta prin-
cipalmente das características de ordem cultural e dos elementos his-
tóricos. Contudo, aos juristas em geral, pouco importam os estudos
desta etapa, em primeiro pela colonização epistemológica do senso
comum no pensamento jurídico e, em segundo lugar, pelas poucas
fontes de estudos literalmente “jurídicos” – stricto sensu –, para não
confundir com o entendimento sóciohistórico. Todavia, em razão da
importância descolonizadora do período, far-se-á breve referência
com base em algumas obras de pensadores que resolveram transcen-
deroslimitesdaesferamoderna,emdireçãoacompreenderosfenô-
menos por forado imaginário colonizado, para, então, estudar como
se organizavam os povos e as culturas pré-invasão de Tenochtitlan3
(entre os séculos XV e XVI).
Na visão de alguns historiadores – ou ao menos nas principais
referências do assunto, as quais foram consultadas –, há uma forte
evidência do “bacharelismo teórico” com formação jurídica. Na falta
de criatividade interpretativa, fazem o mesmo que o invasor hispânico
Hernan Cortéz4 quando da hermenêutica sobre os nativos, lendo-os
sob uma contemplação introspectiva; no caso dos juristas viciados
peloformalismolegalistamoderno,observaramosfenômenoshistó-
ricos desde a sua óticameramente normativa estatal.
Por essa razão, cabe aqui uma explicação melhor para a situa-
ção: os trabalhos analisados, em sua maioria, vericam os chama-
dos “fenômenos jurídicos” pré-modernos, de acordo com as lentes
dos elementos jurídicos modernos. Qual é o problema dessa postura?
Contaminação xenófoba com o Outro Direito, no sentido de que a
interpretação realizada é preenchida pela legalidade – sistematização
de normatividades escritas e fundamentação racionalizada por leis. A
lentedeanálise do fenômeno jurídicovislumbraumacompreensão
moderna como parâmetro para analisar algo além da modernidade;
3 Era considerada a Capital do Império Asteca na mesoamérica, isto à época da
invasão. Atualmente o território é a Cidade do México.
4 Cortézéumaguracentralnainvasão hispânicaaoimpérioasteca.Foialiderança
militar que conduziu os conquistadores ao interior do continente mesoamericano,
alcançando o núcleo do império em Tenochtitlan. Sobre o personagem ver: MORAIS,
Marcus Vinicius de. Hernan Cortez: civilizador ou genocida? Coleção guerreiros.
São Paulo: Editora contexto, 2011.
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não está dentro desse processo, mas em outra esfera, portanto, consti-
tui-se inadequado o instrumento de análise.
Antes que possa gerar alguma dúvida sobre quais outras referên-
cias se poderiam utilizar, contesta-se pelo exercício do estranhamento
do novo, do Outro, do distinto; destreza para pensar fora da totalidade
colonizadora é uma prática que necessita de instrumentos de media-
çãoedeprofundaidenticaçãocomaspráticasestranhasànatureza
formalista do Direito – no caso, a interdisciplinaridade ou apoio em
outras disciplinas ajudaria. Apesar de que seria difícil pensar isso na
primeira década do século XX, em que a cultura bacharelesca do Di-
reito não se permitiria tal ato.
Mesmo que inevitável a comparação – cujo caráter é de eluci-
dação compreensiva –, esta deve vir acompanhada da contemplação
inovadora, que só terá essa atitude no momento em que causar um
forteeindesejadoincômodo,oriundodainquietaçãodonão-saber,
não-conhecer ou auto reconhecer-se como ignorante, primeiro mo-
mentodaarmaçãodaexistênciadoOutrocomodistintoao“Eupen-
so” dominado pela epistemologia cartesiana moderna.
Contudo, elucidada essa percepção, tem-se em conta que esses
poucos e riquíssimos trabalhos serviram de embasamento para essa
pesquisa, antes do mundo colonial hispânico. Embora não repre-
sentem o objeto do estudo, servem para comprovar que o Direito
Moderno no ocidente foi uma derradeira invenção alienígena, para
a qual o extermínio, a violência e o encobrimento são as melhores
insígnias.
É bom frisar que não corresponde, tal período, a um passeio de
ilustrações retóricas, mas sim à apresentação de situações que de-
monstram o quão bem estruturadas eram as sociedades originárias
da época pré-invasão (particularmente da sociedade Asteca), e que
a noção de civilidade jurídica é outra invenção da então modesta e
marginalizada Europa no período da invasão no século XV. Trata-se
de uma faseintrodutória, que deveria ser trabalhada detalhadamente
na história do Direito da América Latina, pois as evidências estão
latentes e imersas na riqueza enigmática dos povos originários que, à
primeira vista, parecem mais interessantes que a história dos godos e
dosvisigodosdaregiãoeuropeia;e,aonal,semanifestamdeforma
exuberante na novidade de informações.
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