Capítulo 6: Direito romano clássico: seus institutos jurídicos e seu legado

AutorFrancisco Quintanilha Véras Neto
Ocupação do AutorProfessor do Curso de Direito da Universidade Federal de Rio Grande-RS. Mestre em Direito pela UFSC. Doutor em Direito e Relações Sociais pela UFPR. Autor do livro: Cooperativismo: nova abordagem sociojurídica. Curitiba: Juruá, 2002. Coautor da obra: Política internacional, política externa e relações internacionais. Curitiba: Juruá, 2003.
Páginas131-168
Capítulo 6
DIREITO ROMANO CLÁSSICO:
SEUS INSTITUTOS jURíDICOS
E SEU LEGADO
FrAnCisCo quintAnilhA VérAs neto
1
sumário: 1. Introdução. 2. A importância do Direito romano
e a sua presença nos ordenamentos jurídicos modernos. 3. As fa-
ses históricas da civilização romana e de suas instituições jurídico
-políticas. 4. Leis e institutos romanos: o Direito de propriedade
e das obrigações. 5. A queda do Império Romano e a emergência
do mundo feudal. 6. A retomada pelos estudos romanísticos no
Direito do ocidente europeu. 7. A recepção do Direito romano.
8. Conclusão. 9. Referências bibliográcas.
1. INTRODUçãO
A ideia de modo de produção já foi desenvolvida por Karl Marx,
opondo a ideia de mundo antigo ao de sociedade antiga, criando uma
periodização das fases do desenvolvimento histórico, iniciando por-
tanto uma forma inusitada e impactante de interpretação materialista
das transformações históricas, a partir do modelo de sucessão dos mo-
dos de produção asiático, escravagista, feudal e capitalista:
Na produção social de sua vida, os homens estabelecem determinadas rela-
ções de produção que correspondem a uma determinada fase do desenvolvi-
mento das suas forças produtivas materiais (...). Num certo estágio de seu de-
senvolvimento,asforçasmateriais dasociedadeentramem conitocomas
1 Professor do Curso de Direito da Universidade Federal de Rio Grande-RS. Mestre
em Direito pela UFSC. Doutor em Direito e Relações Sociais pela UFPR. Autor do
livro: Cooperativismo: nova abordagem sociojurídica. Curitiba: Juruá, 2002. Coau-
tor da obra: Política internacional, política externa e relações internacionais. Curi-
tiba: Juruá, 2003.
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relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica,
com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali (...).
Abre-se, então, uma época de revolução social (...). Em linhas gerais, podemos
designar os modos de produção asiático, feudal e burguês moderno como ou-
trastantasépocasdoprogressodaformaçãoeconômicadasociedade.2
Essa interpretação dos modos de produção no tempo traz à tona a
ideia de que o Império Romano e suas várias etapas históricas estariam
xadoscronologicamentenomododeproduçãoescravagista,emqueo
motordodesenvolvimentoeconômicoestavanasgrandespropriedades
apropriadas pela aristocracia patrícia,3 que, controlando os meios de
produção, as terras e as ferramentas necessárias ao trabalho agrícola,
dominavam as classes pobres e livres dos plebeus, clientes e a dos es-
cravos,estesúltimosclassicadoscomores (coisa), eram uma espécie
de propriedade instrumental animada. A sociedade desigual romana ge-
rou uma série de instituições políticas e jurídicas sui generis, bem como
umambientedeconturbação ede conitosdeclasse, decorrentesdas
desigualdades sociais, principalmente entre as classes dos patrícios e a
dos plebeus, esta situação se manifestou, por exemplo, na rebelião ple-
beia que gerou a elaboração da famosa Lei das XII Tábuas,4 atribuindo
mais poder aos plebeus, reforçando a visão de Marx de que:
Até hoje a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem
sido a história das lutas de classes (...).
Nas primeiras épocas históricas, vericamos, quase por toda parte, uma
completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de
condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, ple-
beus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres, companheiros,
servos; e, em cada uma destas classes, gradações especiais.5
2 BOTTOMORE, Tom et al. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro:
Zahar, p. 346.
3 Classe dos grandes proprietários de terra no Império Romano.
4 ALeidasXIITábuasteriasidooreexo daameaçaplebeiadeabandonara cidade
de Roma, fundando uma nova cidade no Monte Sagrado, próximo a Roma, caso as
suas exigências não fossem atendidas pela classe dos patrícios. Como concessão
para que as ameaças não se consumassem, os patrícios aceitaram que um conjunto
deleisescritas fosseelaborado amde garantirmaior isonomia(igualdade)entre
patrícios e plebeus. Muitos historiados acreditam até que a Lei das XII Tábuas fora
inspirada na legislação criada na Magna Grécia por Sólon.
5 MARX, Karl. Manifesto comunista. León Trotsky. 90 anos do manifesto comunista.
SãoPaulo:CadernosDesao,1991,p.18.
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Na monumental obra reconstituidora da história da vida privada oci-
dental, desde os romanos, George Duby fornece uma interessante análise
do universo cultural romano, principalmente nas suas relações familiares,
caracterizadas por valores que tornam a civilização romana tão exótica,
para a moderna civilização mundial, como foram as civilizações amerín-
dias subjugadas e exterminadas pelos primeiros invasores europeus. Des-
contitui-se, assim, o mito de um universo cultural romano idealizado e si-
milar ao do contexto europeu, mito imposto pelo racionalismo emergente
do renascimento europeu. Torna-se, portanto, essencial a aplicação do
método historicista e crítico, assim como a revalorização da relativização
antropológicadoprincípiodaalteridade,paraenmreatribuirasignica-
ção histórica do Direito romano em seu contexto histórico, caracterizado
porummododeproduçãoescravagista,especicamentedemarcadono
tempo. Esse mundo era caracterizado por formas de dominação diferen-
tes das atuais, incluindo aí um universo jurídico construído por formas
peculiares de controle social, mantidas pela força coativa e pela persua-
são de um universo cultural constituído por uma religião,6 uma moral e
losoatípicasdaquelacivilizaçãodaAntiguidadeClássica.
A evidência do reconhecimento da prática da eugenia e do poder
exacerbado do pater familias romano (pátrio poder), por exemplo,
constituem-seem evidências historiográcas, que demarcam as di-
ferenças culturais daquela sociedade patriarcal da Antiguidade, mais
próxima talvez do nosso período colonial escravagista brasileiro, já
imerso nas relações pré-capitalistas de produção típicas do capitalis-
mo mercantilista colonial (pacto metropolitano).
O nascimento de um romano não é apenas um fato biológico. Os recém-nas-
cidos só vêm ao mundo, ou melhor, só são recebidos na sociedade em virtude
de uma decisão do chefe de família; a contracepção, o aborto, o enjeitamento
dascriançasdenascimentolivreeoinfanticídiodolhodeumaescravasão,
portanto, práticas usuais e perfeitamente legais. Só serão malvistas, e, depois,
ilegais, ao se difundir a nova moral que, para resumir, chamamos de estóica.
6 Primeiro,a religião era politeísta eantromorzada, como para os gregos(deuses
com formas e defeitos humanos), representando a guerra, o amor, a traição, etc.
NonaldoImpério,apartirdo dominato,ocorreaexpansãodareligiãocristã, que
setornainclusiveareligiãoocialdoImpérioRomano,atingindooaugenasuafase
designada como Césaro Papismo (fase em que o imperador se torna também o chefe
religioso cristão do Império).
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