Capítulo 12: Revisita à desconstrução do modelo jurídico inquisitorial

AutorSalo de Carvalho
Ocupação do AutorProfessor Adjunto de Direito Penal, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Programa pós-graduação em Direito e Sociedade da UNILASALLE-RS. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000). Pós-Doutor em Criminologia pela Universidad Pompeu Fabra (Barcelona, ES) (2010). Pós-Doutor ('visiting researcher') em ...
Páginas299-320
Capítulo 12
REVISITA À DESCONSTRUÇÃO DO
MODELO JURÍDICO INQUISITORIAL1
sAlo de CArVAlho
2
sumário: 1. Introdução. 2. O aparelho inquisitorial. 3. Se-
cularização e Secularismo. 4. O declínio do Sistema Inquisi-
tório Confessional; 4.1 As dúvidas instigadas pelo discurso
médico e sua recepção pela jurisprudência francesa; 4.2 Os
impulsos legislativos subsequentes; 4.3 O d0iscurso punitivo
da modernidade: o humanismo e o racionalismo. 5. Conclusão.
6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
O rompimento com a tradição inquisitorial de suplícios e expia-
ções,experiênciaqueidenticaoprocesso(decogniçãoedeexe-
cução) penal do Medievo, marca a vitória da “racionalidade” e do
“humanismo”advogadospeloslósofosdasluzes.
1 A proposta de “Revisita” ao artigo publicado nas edições anteriores da coletânea
procura corrigir alguns rumos. A ideia central foi deixar o caminho menos tortuoso
ao leitor, emprestando, nas pegadas de Franco Cordero e Jacinto Coutinho, um olhar
crítico sobre o tema. O texto é dedicado aos professores Antonio Carlos Wolkmer,
quem instigou a primeira escrita, e Jacinto Coutinho, quem provocou a revisita.
2 Professor Adjunto de Direito Penal, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor
do Programa pós-graduação em Direito e Sociedade da UNILASALLE-RS. Doutor em
Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000). Pós-Doutor em Criminologia pela
Universidad Pompeu Fabra (Barcelona, ES) (2010). Pós-Doutor (“visiting researcher”)
em Criminologia (bolsa CNPq) pela Universitá di Bologna (Bologna, ITA) (2013-2014).
Pós-DoutorandoemFilosoanaPontifíciaUniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul
(PUCRS). Autor dos livros: “Penas e Medidas de Segurança no Direito Penal Brasilei-
ro” (São Paulo: Saraiva, 2013); “Antimanual de Criminologia” (5. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2013); “A Política Criminal de Drogas no Brasil” (6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013);
“Como (não) se faz um Trabalho de Conclusão” (2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013).
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Sob o signo da intolerância e mascarada pela sacralização, a
fase inquisitorial que se inicia com os Concílios de Verona (1184) e
Latrão (1215) e que ganha subsistência com as Bulas Papais de
Gregório IX (1232) e Inocêncio IV (1252), somente receberá inci-
sivacríticae reconhecida deslegitimação aonaldo século XVII
e início do século XVIII, quando a casta intelectual teórica e prá-
ticaestruturaumaabordagemdesqualicadoradoaparatogótico.
No entanto, embora as práticas inquisitoriais sejam formalmente er-
radicadas no século XIX, quando os Tribunais do Santo Ofício são
denitivamenteabolidosemPortugal(1821)eEspanha(1834),sua
matriz material e ideológica predominará na legislação laica, orien-
tando a tessitura dos sistemas penais da modernidade.
Se a normatização dos sistemas inquisitórios ocorre com a edição das
Bulas Papais, sobretudo a Bula Ad Extirpanda (1252), dois manuais pro-
porcionarão sua praticidade: Directorium Inquisitorum (1376) e Malleus
Malecarum (1489). As duas principais obras de orientação das Inqui-
sições (romano-germânica e espanhola) fornecerão as chaves de leitura
queinstrumentalizarãoprocedimentosbaseadosemdenúnciasanônimas
evagas,emestruturasprobatórias centradasna conssãoenabuscada
“verdade material”, bem como na prisão processual como regra – “um
suspeito podia ser preso a qualquer momento, sem saber o que se queria
dele.Nuncacavaconhecendoonomedequemoacusou, nemlheera
comunicado o motivo da prisão, nem o lugar em que havia cometido o
crime de que era acusado, nem com quem havia pecado”3.
Nítido que, para além do jurídico, inúmeras leituras são possíveis des-
te rico período histórico. Sua fecundidade, advinda da riqueza do tema,
propi cia análises a partir de diversos campos do saber, do viés psicanalí-
tico pelo estudo do sadismo e da repressão do corpo, fundamentalmente
o feminino4,àsessencialmentesociológicasehistoriográcascomoada
perseguição dos judeus, cristãos-novos e de um sem-número de culturas
opositorasàtradição.Opresentetrabalho,todavia,propõevericarastéc-
nicas do procedimento inquisitorial e os seus discursos (des)legitimadores,
sobretudo aqueles que geraram a revolução jurisprudencial no trabalho da
magistratura francesa no século XVII.
3 NOVINSKY, Anita. A Inquisição. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 58-59.
4 Neste sentido, LEGENDRE, Pierre. O Amor do Censor: ensaio sobre a ordem dogmática.
Rio de Janeiro: Forense Universitária/Colégio Freudiano, 1983, p. 118.
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