Capítulo 8: O Direito romano e seu ressurgimento no final da idade média
Autor | Argemiro Cardoso Moreira Martins |
Ocupação do Autor | Professor da Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília ? UnB. Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela UFSC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. |
Páginas | 195-230 |
Capítulo 8
O DIREITO ROMANO
E SEU RESSURGIMENTO
NO FINAL DA IDADE MÉDIA
Argemiro CArdoso moreirA mArtins
1
sumário: 1. Introdução. 2. O Direito romano; 2.1 Breve his-
tórico socioeconômico da Roma antiga; 2.2 O Direito antigo;
2.3 O Direito clássico; 2.4 O Direito pós-clássico. 3. O Direito
medieval. 4. O ressurgimento do Direito romano; 4.1 Fatores
culturais; 4.2 Fatores econômicos; 4.3 Fatores políticos; 4.4 Fa-
tores sociológicos; 4.5 Fatores epistemológicos. 5. Conclusão.
6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo do Direito romano e
as causas de sua readmissão ao nal da Idade Média. Sem pretender
esgotar o assunto, procurar-se-á sempre que possível dar uma visão
maisgenéricadofenômenoaquiestudado,semadentrarnasespeci-
cidadeshistóricas nacionaisoumesmo regionais.Resumidamente,
o tema será tratado da seguinte maneira: inicialmente, estudar-se-á a
sociedaderomanasoboseuaspectosocioeconômicoe,emseguida,do
Direito romano, destacando cada uma das principais fases de sua evo-
lução. Num segundo momento, busca-se tratar brevemente do aban-
dono da prática jurídica romana durante a Idade Média. As causas
propriamente ditas do renascimento do Direito romano no Ocidente
serão tratadas separadamente em cada um dos subitens que compõem
1 Professor da Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade
de Brasília – UnB. Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela UFSC. Doutor
em Direito Constitucional pela UFMG.
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aterceiraparte destetexto.Porm,a quartaeúltimaparte trata das
consideraçõesnaissobreotemaproposto.
2. O DIREITO ROMANO
A história da civilização romana, e consequentemente a de seu Di-
reito, abrange um período de cerca de 12 séculos, cujo marco inicial
remonta à fundação da cidade de Roma em 753 a.C. e vai até a queda
do Império Romano Ocidental em 476 de nossa era.
Comumente, a história romana é dividida por seus estudiosos em
três períodos, cada qual correspondente a uma das três formas de go-
verno dominantes ao longo de sua existência. O período da realeza
vaidafundação deRomaatéasubstituiçãodoreipordoiscônsules
em 529 a.C. Esse fato inaugura o período republicano, que perdura
até a sagração de Otávio Augusto como imperador em 27 a.C. O pe-
ríodo imperial, por sua vez, é dividido em dois subperíodos: o alto
império ou principado, que vai de Otávio Augusto até o início do
governo do imperador Diocleciano, em 284 d.C., e o baixo império ou
“dominato”, que se estende de Diocleciano até a morte do imperador
bizantino Justiniano em 565 d.C.
Comrelaçãoàhistóriado Direito, também podemos identicar
três perío dos, não necessariamente correspondentes aos períodos da
evolução política de Roma acima descritos. O primeiro período diz
respeito ao Direito primitivo, que remonta à época da fundação da
cidade de Roma e perdura até meados do século II a.C. O segundo
período é o do Direito clássico, cujo desenvolvimento se dá entre os
séculosIIa.C.eII d.C.Por m,operíodopós-clássico, que basica-
mente corresponde ao Direito praticado no baixo império e se encerra
comacodicaçãodeJustiniano.
A seguir, far-se-á um breve relato da história da Roma antiga, des-
tacandoosseusprincipaisaspectoseconômicos,políticosesociais.
2.1 Breve histórico socioeconômico da Roma antiga
O extraordinário desenvolvimento do Direito no período clássico
coincidiu com o apogeu da civilização romana. À época, todo o uni-
verso cultural e político girava em torno das cidades. No entanto, o
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orescimentodaurbs não se baseava em uma economia tipicamente
urbana (comercial ou manufatureira), mas sim em uma economia es-
sencialmenteagrícola.Apredominânciaanômaladoscentrosurbanos
é explicada pelo uso, em larga escala, da mão de obra escrava no
campo, pois somente assim seria possível “liberar uma classe de pro-
prietários de terra tão radicalmente de suas raízes rurais de maneira a
poder ser transmutada em uma cidadania essencialmente urbana que
ainda assim continuava tirando riquezas do solo”2. Assim, a predomi-
nância das cidades romanas devia-se a uma aristocracia fundiária que,
graças à escravidão, podia se desvincular do campo, de forma a inves-
tir os lucros provindos do cultivo e da criação nos centros urbanos.
Essa aristocracia rural manteve-se no comando político de Roma
ao longo de toda a sua história, sobrevivendo a prolongadas e violen-
tas lutas sociais. Desde o princípio a nobreza patrícia se empenhou
na concentração de terras em suas mãos, ora reduzindo o campesi-
nato livre a escravidão por débitos, ora se apropriando das terras de
uso comum (o ager publicus). Como resultado, houve um colapso dos
pequenos proprietários agrícolas, os assidui (assentados na terra), que
em tempo de guerra podiam equipar-se, às suas custas, com armaduras
e armas necessárias para servirem às legiões. Com a crescente mono-
polização da terra pela aristocracia patrícia e com as frequentes guerras
empreendidas, os assidui eram cada vez mais reduzidos à situação de
proletarii – cidadãos sem propriedade que se aglomeravam nas cidades
e cujo único serviço prestado ao Estado era o de gerar prole.3
A guerra de conquista desempenhava um importante papel na
Roma antiga, onde por meio do saque e do aprisionamento dos ven-
cidos se obtinham mais terras e escravos para os latifúndios patrícios,
e estes retribuíam liberando os pequenos proprietários (assidui) para
o exército:
Opodermilitarestavamaisintimamenteligadoaocrescimentoeconômi-
co do que talvez em qualquer outro modo de produção, antes ou depois,
porque a principal fonte do trabalho escravo eram normalmente prisio-
neiros de guerra, enquanto o aumento das tropas urbanas livres para a
2 ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1992, p. 23-24.
3 ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 54.
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