Capítulo 13: Dimensões do direito na cultura Islâmica

AutorAntonio Carlos Wolkmer
Ocupação do AutorEste capítulo é uma versão revista e atualizada de texto, originariamente, inserido na obra coletiva 'Islamismo e Humanismo Latino', organizada por Arno Dal Ri Jr. e Ari Pedro Oro, publicado (e com a autorização expressa) da Editora Vozes, Petrópolis, 2004, p. 223-235.
Páginas321-340
Capítulo 13
DIMENSÕES DO DIREITO NA
CULTURA ISLâMICA1
Antonio CArlos Wolkmer
sumário: 1. Introdução. 2. Estrutura e instituições jurídicas
na tradição do Islamismo. 3. O Direito muçulmano: moderni-
zação e desenvolvimento mundial. 4. Conclusão. 5. Referências
bibliográcas.
1. INTRODUçãO
A história política e social da civilização islâmica está inegavel-
mente associada ao povo árabe do século VII d.C. e à criação de uma
nova religião revelada por Maomé. A expressão islam,que signica
“submissão” ou “rendição” completa à divindade, deu origem à forma
muslim (muçulmano), representando aquele crente (seguidor) que se
coloca em perfeita “resignação” a Deus. O islamismo, mais que uma
religião monoteísta, constituiu uma civilização poderosa nascida das
tradiçõespragmáticasdo deserto e dasconuênciasde culturas di-
versas. Tendo como base étnica diversos grupos, predominantemente
árabes tribais e beduínos, o islamismo, descartando grandes dogmas
e rígidas estruturas eclesiais, centraliza-se num monoteísmo absoluto
dedicado a Allah, o deus único e fonte de toda ordem moral. O início
da era islâmica ocorre quando o Profeta Maomé (Muhammad) aban-
dona Meca, em 622, e dirige-se à cidade oásis de Yathrib (Medina),
dando origem à famosa fuga (Hégira ou em árabe hidjra), base para o
1 Este capítulo é uma versão revista e atualizada de texto, originariamente, inserido na
obra coletiva “Islamismo e Humanismo Latino”, organizada por Arno Dal Ri Jr. e
Ari Pedro Oro, publicado (e com a autorização expressa) da Editora Vozes, Petrópo-
lis, 2004, p. 223-235.
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calendário muçulmano. Neste local, organiza sua comunidade religio-
sa e, lutando contra o politeísmo, os velhos ídolos e as divergências
entre as diversas tribos consegue reconquistar pela guerra santa a ci-
dade sagrada de Meca. E, ao contrário do que se pode acreditar, a re-
ligião criada pelo Profeta não se revela um culto formalista, mecânico
e dogmático, pois atribui relevância “à pureza de coração e à prática
das boas ações (...)”2. Isso explica a inexistência de sacramentos e
de uma casta fechada de sacerdotes como no cristianismo. Não são
muitas as obrigações piedosas; dentre elas, sublinha-se: o exercício da
oração cinco vezes ao dia, o pagamento de esmola aos pobres (zakat),
o jejum durante o mês sagrado de Ramadã e uma peregrinação a Meca
pelo menos uma vez na vida.
Não obstante as fontes religiosas do islamismo não serem muito
claras,éinegávelainuênciadojudaísmoedocristianismo,compro-
vadanascrenças daimortalidadedaalmaedojuízonal,enaspuni-
ções (Inferno, ou seja Jinna) e recompensas (Paraíso) após a morte.3
Após o surgimento do islamismo, seus seguidores dividiram-se
eminúmeras seitas,por vezes,politicamente antagônicas,destacan-
do-se, principalmente, os sunitas (defensores das tradições praticadas
à margem do Alcorão), os xiitas (contrários a qualquer fonte religiosa
que não seja o Alcorão, assumindo posturas menos democráticas, for-
mando segmentos por vezes radicais) e os su (adeptos de um ideal
mais místico e ascético, em que a verdade só se efetiva através da
revelação divina).
O desenvolvimento da civilização islâmica terá duas grandes in-
uênciasfundadasnoAlcorão (Qur’an) e nas tradições (hadith): a lei
santa que estabelecia o comportamento do muçulmano diante de Deus
e de seus semelhantes, e o misticismo su que orientava o coração
para obtenção do conhecimento de Deus. Assim, toda a formação da
culturaedaprópriaformadeserdavidamuçulmanaestácongurada
no livro sagrado do Alcorão e em suas 114 suras (capítulos), enquanto
2 BURNS, Edward M. História da civilização ocidental. 23. ed. 1 v. Porto Alegre:
Globo, 1979, p. 300; SOUZA, João Silva de. Religião e Direito no Alcorão. Lisboa:
Estampa, 1986, p. 52-54.
3 BURNS, Edward M. Op. cit., p. 300-301; PIAZZA, Waldomiro O. Religiões da
humanidade. São Paulo: Loyola, 1977, p. 344-345.
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