Da proibição de distribuição de lucros e dividendos aos sócios e acionistas de empresas insolventes

AutorSalo Scherkerkewitz
Ocupação do AutorMestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo (PUC-SP). Advogado. Sócio do escritório Scherkerkewitz Advogados Associados.
Páginas285-302
DA PROIBIÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO
DE LUCROS E DIVIDENDOS AOS SÓCIOS E
ACIONISTAS DE EMPRESAS INSOLVENTES
Salo Scherkerkewitz
Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo
(PUC-SP). Advogado. Sócio do escritório Scherkerkewitz Advogados Associados.
Sumário: 1. Introdução – 2. Da intervenção estatal na empresa – 3. Da natureza jurídica da
distribuição de lucros e dividendos aos sócios e acionistas – 4. Da natureza jurídica dos créditos
sujeitos à recuperação judicial – 5. Conclusões – 6. Bibliograa:
1. INTRODUÇÃO
A Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, dentre suas inovações, incluiu na
Lei 11.101/05 – a Lei de Recuperação e Falência, ou LRF – o artigo 6°-A, que pro-
íbe o devedor, até a aprovação do plano de recuperação judicial, distribuir lucros
ou dividendos a sócios, sujeitando-se o infrator ao disposto no artigo 168 da Lei.
Esse artigo (168 da LRF) regula o crime de fraude aos credores e prevê pena
de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, além de multa. Note-se que esta pena pode
ser majorada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente elabora escrituração
contábil ou balanço com dados inexatos, omite, na escrituração contábil ou no
balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço
verdadeiros, destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armaze-
nados em computador ou sistema informatizado, simula a composição do capital
social ou destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de
escrituração contábil obrigatórios, como em qualquer outro caso de fraude aos
credores.
Afora as hipóteses de majoração da pena supracitados, o artigo 168 também
inclui uma qualicadora especíca para o caso em que haja contabilidade paralela
e distribuição de lucros ou dividendos a sócios e acionistas até a aprovação do
plano de recuperação judicial, caso em que a pena é aumentada de 1/3 (um terço)
até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralela-
mente à contabilidade exigida pela legislação, inclusive na hipótese de violação
do disposto no art. 6º-A supracitado.
O referido artigo, em seu parágrafo quarto, prevê a possibilidade de redução
da pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituição desta por
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penas restritivas de direitos, perda de bens e valores ou prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas, ao se tratar de falência de microempresa ou
de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas
fraudulentas por parte do falida.
Em relação a este ponto, teceremos um pequeno comentário.
Na literatura estrangeira1 consta que a maioria das empresas de pequeno
porte não optam pelo processo de Recuperação Falimentar – vale ressaltar
que, em outras jurisdições, como a estadunidense, em geral, o próprio devedor
pede a autofalência, de modo que ele é o responsável pela decisão se a empresa
peticionara pelo Chapter 7, equivalente à Falência, ou pelo Chapter 11, relacio-
nado à Recuperação da empresa –; no entanto, pesquisas empíricas nacionais2
demonstram como, no Brasil, apesar de em menor quantidade, também há
uma quantidade relevante, proporcionalmente à quantidade de processos, de
pedido de Recuperação Judicial por EPP e ME (12,4% e 12,1%, respectivamente,
o que equivale, em conjunto, a 24,5% de todos os processos), fato que torna tal
parágrafo relevante.
Dito esta pequena introdução, voltemos a nosso principal tema.
O intuito deste trabalho é compreender a natureza e o fundamento da ve-
dação, por intermédio do estudo da natureza jurídica da distribuição dos lucros
e dos dividendos e da scalização estatal em empresas, além da natureza jurídica
do crédito sujeito à Recuperação Judicial, bem como suas consequências.
Nunca podemos nos olvidar que a Recuperação Judicial é um procedimento
de jurisdição voluntário, de modo que, o que a nova Lei dispõe é que, se alguma
empresa optar pelo pedido de Recuperação Judicial, deverá seguir as limitações
impostas pela Lei.
Em suma, o ponto principal de nosso estudo consiste em entender qual a base
lógica-jurídica da Lei ao vedar a distribuição dos lucros e dividendos, da maneira
que o fez, e qual a delimitação desta vedação.
Iniciaremos nossa análise com o estudo da natureza jurídica da intervenção
estatal da empresa (quais os fundamentos e em que possibilidades pode o Poder
Público dispor sobre o que uma empresa pode ou não fazer). Após estas primei-
ras considerações, partiremos para o estudo da natureza jurídica da distribuição
1. BRIS, Arturo; WELCH, Ivo; ZHU, Ning. e Costs of Bankruptcy: Chapter 7 Liquidation versus Chapter
11 Reorganization, e Journal of Finance, Vol. 61, No. 3 (Jun., 2006), Publ. Wiley for the American
Finance Association, p. 1.261.
2. WAISBERG, Ivo; SACRAMONE, Marcelo Barbosa; NUNES, Marcelo Guedes; CORRÊA, Fernando;
TRECENTI, Julio. Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência,
08 Out. 2021, p. 4, disponível em: https://abjur.github.io/obsFase2/relatorio/obs_recuperacoes_abj.pdf..

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