A recuperação judicial e os direitos decorrentes de acordos parassociais

AutorMarcela Vieira Marconi
Ocupação do AutorMestranda em Direito Comercial na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, ingresso em 2021). Especialista em Direito Societário (INSPER-SP, 2021). Especialista em Arbitragem (PUC-SP, 2020), Advogada associada do BVZ Advogados da área de contencioso, arbitragem e insolvencias.
Páginas163-180
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E OS DIREITOS
DECORRENTES DE ACORDOS PARASSOCIAIS
Marcela Vieira Marconi
Mestranda em Direito Comercial na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP, ingresso em 2021). Especialista em Direito Societário (INSPER-SP,
2021). Especialista em Arbitragem (PUC-SP, 2020), Advogada associada do BVZ
Advogados da área de contencioso, arbitragem e insolvências. E-mail para
contato mvmarconi.adv@outlook.com.
Sumário: 1. Introdução – os pactos parassociais e seus efeitos – 2. Relação entre o direito societá-
rio e as recuperações judiciais – 3. O conito entre pactos parassociais e recuperações judiciais na
prática: casos Ranuka e Daslu – 4. Princípios utilizados para fundamentar as decisões dos casos
emblemáticos – 5. O abuso do direito de voto – 6. Conclusões – 7. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO – OS PACTOS PARASSOCIAIS E SEUS EFEITOS
O direito societário, como um ramo do direito comercial, tradicionalmente
tem se dedicado a disciplinar a relação entre as sociedades e o mundo exterior, a
partir do foco na existência de um estatuto ou um contrato social.
Tais instrumentos, altamente regulamentados e inerentes à própria consti-
tuição das sociedades, xam as suas estruturas, determinam questões básicas de
relacionamento entre os seus integrantes e servem de parâmetro para sua interação
com os agentes de mercado.
Ocorre que a conguração do relacionamento societário interno à sociedade
possui maior grau de sosticação e demanda a resolução de questões práticas
complexas, para as quais o estatuto ou o contrato social, com sua função organi-
zativa do exercício da atividade empresarial, ou mesmo a lei, abstrata e geral, não
apresentam resposta.
A complexidade dessas relações internas à sociedade é amplamente afetada
pela evolução da economia, que possibilita a elaboração de negócios jurídicos
estruturados e diversos, compelindo os agentes econômicos a estipularem os
mais variados ajustes sobre o seu relacionamento, resultando em previsões cada
vez mais engenhosas e sosticadas.
Nesse cenário, observa-se um crescente fenômeno de contratualização do
direito societário, no qual, para além dos contratos sociais e estatutos, os pactos
parassociais (acordos de sócios ou acordos de acionistas) têm assumido grande
relevância para regular o exercício de direitos dos sócios ou acionistas, baseados
em sua participação na sociedade.
MARCELA VIEIRA MARCONI
164
Os efeitos dos pactos parassociais, como contratos multilaterais, em teoria,
são restritos à esfera jurídica de seus signatários. Mas é cediço que, na prática,
sua concretização pode esbarrar em interesses de terceiros relacionados, ou não,
à própria sociedade.
No âmbito das recuperações judiciais, onde os interesses a serem compostos
são os da preservação da empresa1 em sintonia com a satisfação de seus credores,
muitas vezes as resoluções encontradas não condizem com as disposições dos
pactos parassociais sobre os direitos de sócios/acionistas. Dessa dissonância sur-
gem conitos complexos, que contrapõem a extensão do instituto recuperacional
com as disposições internas, prévia e licitamente acordadas entre os integrantes
da companhia em crise, e que são o alvo da análise pretendida no presente artigo.
2. RELAÇÃO ENTRE O DIREITO SOCIETÁRIO E AS RECUPERAÇÕES
JUDICIAIS
Apesar de as recuperações judiciais dizerem respeito à relação da empresa
em crise com os credores e o mercado, a sua inter-relação com o direito societário
é evidente, e é explicitada pelo próprio ordenamento jurídico.
A título de exemplo inicial, o artigo 122, IX, da Lei 6.404/76 (“LSA”),2 aplicá-
vel às sociedades anônimas e subsidiariamente também às sociedades limitadas,
estabelece a competência exclusiva da assembleia geral para deliberar sobre a
autorização para os administradores requererem a recuperação judicial ou au-
tofalência da companhia.
Assim, ao receber o pedido de recuperação judicial, o magistrado deverá
analisar não somente os requisitos objetivos elencados pelos incisos do artigo
51 da Lei 11.101/05 (“LFRJ”),3 mas também a observância dessas formalidades
deliberativas, conforme exigido expressamente pela legislação societária.
1. A LFRJ, nesse ponto, rompe com a dinâmica das legislações anteriores para considerar a superação da
crise econômico-nanceira como modo de satisfação não apenas de interesses de credores e devedores,
o que uma solução simplesmente liquidatória já poderia assegurar. Reconhece-se que a preservação da
empresa e sua função social assegura também o atendimento dos interesses de terceiros, dos empre-
gados, dos consumidores e de toda a nação”. (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 240).
2. Art. 122 Compete privativamente à assembleia geral:(...) IX – autorizar os administradores a confessar
falência e a pedir recuperação judicial;
3. Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econô-
mico-nanceira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especial-
mente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável
e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT