Responsabilidade do administrador pelo prolongamento da crise econômico-financeira da sociedade

AutorRafael Medeiros Mimica
Ocupação do AutorMestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado.
Páginas241-256
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
PELO PROLONGAMENTO DA CRISE ECONÔMICO-
FINANCEIRA DA SOCIEDADE
Rafael Medeiros Mimica
Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. A natureza da relação entre a sociedade e o administrador – 3. Os
deveres dos administradores – 4. Pressupostos da responsabilidade civil dos administradores
de companhias – 5. A business judgement rule e a sua aplicação no direito brasileiro – 6. Medidas
judiciais para a reparação de prejuízos causados pelo administrador – 7. O administrador pode
ser responsabilizado pelo prolongamento da crise econômico-nanceira da sociedade? – 8.
Considerações nais – 9. Bibliograa.
1. INTRODUÇÃO
É sabido que os administradores de sociedades têm deveres duciários para
com a sociedade. Mas isso não signica que eles não têm, também, obrigações
para com aqueles que se relacionam com ela.
Nesse sentido, relevante constatar que, num cenário de crise econômico--
nanceira, que leva a um procedimento de recuperação judicial, os administradores
da sociedade permanecem na condução do negócio (debtor in possession), man-
tendo os mesmos deveres duciários existentes em uma situação de normalidade.
Mas isso não signica, como já tivemos a oportunidade de sugerir, que outros
interesses não devam ser considerados pelos administradores no cumprimento
das suas funções.1
Na redação original do art. 66 da Lei 11.101/05, aqui referida como LFR, o
devedor cava proibido de alienar ou onerar bens dos seu ativo permanente sem
autorização prévia.
O referido artigo foi alterado pela Lei 14.112/20, tendo-se limitado a exi-
gência de autorização prévia para a alienação ou oneração de bens ou direitos do
ativo não circulante do devedor. No entanto, isso não prejudica a constatação de
que, estando a sociedade em recuperação judicial, além de cumprir os seus de-
1. MIMICA, Rafael Medeiros. A Condução da Sociedade em Recuperação Judicial. in Direito Societário e
Recuperação de Empresas – Estudos de Jurimetria. SACRAMONE, Marcelo Barbosa, NUNES, Marcelo
Guedes. São Paulo: Foco, 2021.
RAFAEL MEDEIROS MIMICA
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veres duciários, o administrador também deverá atentar para os interesses dos
credores, que têm no patrimônio social a garantia da satisfação dos seus créditos.
Para a hipótese de decretação de falência da sociedade, não há mais que se
falar em deveres duciários dos administradores. Anal, os atos subsequentes
têm a nalidade de maximizar os ativos da falida, de modo que se liquide, tanto
quanto possível, as suas dívidas.2
Nesse contexto, assume especial relevância examinar a responsabilidade,
ou não, dos administradores das sociedades, com foco nas companhias, pelo
prolongamento articial da sociedade empresária em um cenário já identicado
de crise econômico-nanceira.
O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas fomentar a
discussão, na medida em que a realidade brasileira demonstra que sociedades falidas
não dispõem de bens sucientes para pagar o seus credores, sendo que a situação
das sociedades em recuperação judicial também não se mostra muito melhor.3
Dito isso, cabe, aqui, a seguinte indagação: a administração de uma sociedade,
identicada uma situação de crise, está obrigada a se valer de alguma medida de so-
erguimento, tal como a recuperação judicial ou a recuperação extrajudicial, ou, em
um cenário crítico, a requerer a autofalência? Caso a administração não adote uma
dessas providências, poderá ser responsabilizada pelo prolongamento da crise econô-
mico-nanceira da sociedade? São essas duas perguntas que buscaremos responder.
2. A NATUREZA DA RELAÇÃO ENTRE A SOCIEDADE E O
ADMINISTRADOR
A denição da natureza da relação jurídica pela qual os administradores
se vinculam à sociedade que administram é questão bastante debatida e contro-
2. “Em ambos os casos, seja da atividade de manter operacional (recuperação judicial) ou ser liquidada
(falência), a legislação deve fornecer mecanismos para garantir que o valor dos ativos da empresa em
diculdades seja maximizado, em favor tanto dos credores quanto do próprio devedor. Inclusive, na
visão de juristas, a efetividade de um sistema falimentar pode ser medida pela efetividade com que se
consegue recuperar créditos e manter o valor da fonte produtiva, mesmo que na mão de novos agen-
tes.” (MATTOS, Eduardo da Silva, PROENÇA, José Marcelo Martins. Recuperação de Empresas – (in)
utilidade de Métricas Financeiras e Estratégias Jurídicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 30 e 31)
3. “A relação entre ativo e passivo das empresas em recuperação obedece a uma correlação linear positiva
nos logaritmos muito forte, próxima de 1. Passivo e ativo das empresas nessa situação apresentam
valores globais muito próximos em números absolutos, de tal forma que o seu patrimônio líquido
tende a zero. (...) Pelos dados coletados, verica-se que a medida do ingresso do pedido de recuperação
pelos empresários em crise está na constatação de que a deterioração econômica da empresa a partir
daquele ponto a colocará em uma situação na qual todo o ativo da sociedade não seria suciente para
pagar seus credores.” (NUNES, Marcelo Guedes, WAISBERG, Ivo, SACRAMONE, Marcelo Barbosa,
TRECENTI, Julio. Observatório da Insolvência: Segunda Fase. https://abjur.github.io/obsFase2/relatorio/
obs_recuperacoes_abj.pdf. acessado em 02 out. 2021.

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