Homologação da transação penal

AutorMarcelo de Oliveira Milagres e Pablo Gran Cristóforo
Páginas101-139
JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL
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HOMOLOGAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL
Como já foi dito, “aceita a proposta pelo autor da infração penal e seu defensor,
será submetida à apreciação do Juiz” (art. 76, § 3º, da Lei 9.099/1995). Assim, o
acordo entre as partes deverá ser apreciado pelo Juiz de Direito, que homologará –
ou não – a transação penal.
Já se decidiu que a homologação teria natureza de sentença condenatória com
antecipação de penalidade,50 com renúncia ao devido processo legal. Porém, já se
entendeu também que a homologação da transação penal seria apenas um título exe-
cutivo judicial,51 que poderia ser executado, de plano, em caso de descumprimento.
Evoluiu-se para o entendimento de que não se inclina nem para um nem para
outro. Não poderá ser considerada sentença condenatória, pois não há presunção de
culpa com renúncia ao devido processo legal. Não se autoriza, em caso de descum-
primento da medida, a conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de
liberdade, como já se fez no passado. Por sua vez, não será considerada uma decisão
de título executivo judicial, pois, excetuando-se o caso de aplicação de multa, não
será possível exigir o cumprimento de uma obrigação de fazer, como, nas hipóteses de
pena restritiva de direitos, como, por exemplo, prestação de serviços à comunidade.
Assim, a homologação da transação penal passou apenas a uma ratif‌icação ou
anuência judicial com os termos do acordo de transação penal, sem força executiva,
pois, em caso de descumprimento, haverá a necessidade de propositura de ação penal.
Assim, a homologação é um “de acordo” judicial, atestando que a transação
penal está em harmonia com os direitos e as garantias fundamentais do cidadão e não
fere os interesses das partes. Atua, aqui, o Juiz em atividade atípica de f‌iscalização.
Insta alertar que o Juiz não poderá alterar o conteúdo da transação penal, salvo
na hipótese legal de redução (até a metade) do valor da multa, por força expressa do
50. “Segundo entendemos, a sentença homologatória da transação tem caráter condenatório e não é simples-
mente homologatória, como muitas vezes tem-se af‌irmado. Declara a situação do autor do fato, tornando
certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda não existente e impõe uma sanção penal ao
autor do fato. Essa imposição, que faz a diferença entre a sentença constitutiva e a condenatória, que se basta
a si mesma, à media que transforma uma situação jurídica, ensejara um processo autônomo de execução,
quer pelo Juizado, quer pelo Juiz da Execução, na hipótese de pena restritiva de direitos. Tem efeitos pro-
cessuais e materiais, realizando a coisa julgada formal e material e impedindo a instauração de ação penal.
É certo, porém, que a sentença não reconhece a culpabilidade do agente nem produz os demais efeitos da
sentença condenatória comum. Trata-se, pois, de uma sentença condenatória imprópria” (MIRABETE,
Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2000, p. 142).
51. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance;
GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1997, p. 146.
52. “Em havendo aceitação da proposta pelo autor do fato, e se o juiz entender que a proposta do parquet foi muito
elevada ou desproporcional em relação ao fato e às condições de seu autor, o §1º do art. 76 dá o poder discricio-
nário para reduzir a pena de multa até a metade. Tal poder só e concedido ao Juiz em relação à pena de multa
e não em relação à restritiva de direitos. Mitiga-se, assim, qualquer abuso por parte do Ministério Público na
proposta, que, mesmo aceita pelo autor do fato, pode ser reduzida” (LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais
Criminais – O procedimento sumaríssimo no processo penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 64).
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PABLO GRAN CRISTÓFORO E MARCELO DE OLIVEIRA MILAGRES
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Nas demais situações, a lei reserva ao Ministério Público o mérito da transação
penal e de qual medida estará contida na proposta. Se o Promotor de Justiça oferecer
a prestação de serviço à comunidade, não poderá o Juiz modif‌icá-la para prestação
pecuniária ou para participação em cursos, por exemplo.
No caso de haver discordância do Juiz com os termos da transação penal, poderá
deixar de homologar o acordo. Nesse caso, as partes (Ministério Público e autor do
fato) poderão impugnar a recusa com a apelação.
Em quais situações pode o Juiz discordar da proposta de transação penal, se é
correto dizer que o mérito do benefício é do Ministério Público? Aqui, pode surgir
alguma dif‌iculdade, porque, da mesma forma em que se está no campo do sistema
acusatório (com distinção clara entre as tarefas de acusar, defender e julgar), não é
possível negar ao Judiciário a apreciação de algum fato que viole direitos e garantias
fundamentais (princípio da indeclinabilidade da jurisdição).
Dessa forma, como encontrar uma razoável situação que não afaste o “bom senso”
e não atinja o sustentáculo do sistema acusatório nem resvale nas garantias do Estado
Democrático de Direito? Acredita-se, pois, que o Ministério Público tem liberdade para
eleger a forma como tomará corpo a transação penal (prestação pecuniária, prestação de
serviços à comunidade, limitação de f‌inal de semana, participação em cursos pedagógi-
cos, etc.) e a intensidade da medida (qual o valor a ser pago, se será à vista ou parcelado,
quanto tempo durará a medida, etc.), mas não poderá se afastar do norte legislativo,
sob pena da necessária intervenção do Judiciário, que atuará como f‌iscal de garantias.
Assim, a proposta de transação penal estará sempre vinculada ao desvalor da
conduta, não podendo ultrapassar, em hipótese alguma, o quantum de pena previsto
no preceito secundário da norma penal incriminadora. O próprio legislador já in-
dicou a reprovabilidade abstrata da conduta ao eleger a pena a ser imposta em caso
de condenação, de modo que um acordo (transação penal) jamais poderá ser mais
gravoso do que a sanção que seria aplicada se provada a culpa ao f‌inal do processo.
Além da intensidade da medida aplicada na transação penal, o Promotor de
Justiça deve zelar para que a escolha da modalidade não viole direitos fundamentais.
A proposta de transação penal deve guardar relação com os atributos físicos e
intelectuais do destinatário. Isso não quer dizer que o Promotor de Justiça escolherá
qual a modalidade de transação penal pela posição social que a pessoa ocupe.
Se a proposta de transação penal violar esses parâmetros ou se for demasia-
damente gravosa para o transator, na comparação com a pena abstrata prevista no
preceito secundário da norma, poderá o Juiz deixar de homologar a transação penal.
Nessa hipótese, não existe previsão legal de recurso para impugnar recusa
de homologação de transação penal, mas somente para o caso de homologação da
proposta, conforme texto do § 5º do art. 76 da Lei 9.099/1995.53
53. Artigo 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal público incondicionada, não
sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva
de direitos ou multas, a ser especif‌icada na proposta.
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Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scaran-
ce Fernandes atestam que a via impugnatória contra a recusa de homologação de
transação penal não seria a apelação, mas o mandado de segurança.54 Julio Fabbri-
ni Mirabete entendia que, por interpretação teleológica, deveria ser autorizada a
apelação.55 Damásio Evangelista de Jesus também vê na apelação a saída para a
impugnação da recusa à homologação da transação penal.56 Por sua vez, Marcellus
Polastri Lima,57 seguindo José Barcelos de Souza, acredita que a melhor medida
seria o habeas corpus, visto que a não homologação da transação penal culminaria
em suportar um processo penal.
A questão merece algumas considerações.
A primeira consideração diz respeito a qual o juízo competente para apreciar
mandado de segurança de decisão dos Juizados Especiais Criminais?
compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de
Juizado Especial.
Por sua vez, no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança 53927/SC,
Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24.10.2017, entendeu o mesmo Superior
Tribunal de Justiça que cabe aos Tribunais de Justiça o julgamento de mandados
de segurança que veiculem questões sobre a própria competência dos Juizados
Especiais. Assim, o mérito da possibilidade – ou não – de transação penal caberá à
Turma Recursal.
A segunda consideração se refere à possibilidade – ou não – de a decisão da
Turma Recursal suprir a negativa da homologação de transação penal e, também,
conf‌irmar a recusa e deixar de homologar a proposta ofertada.
Na primeira hipótese, quando há o suprimento da negativa da homologação da
transação penal, não há nenhuma dif‌iculdade. O autor do fato, cumprindo o acordo,
terá extinta a sua punibilidade.
(...)
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena
restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir
novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior, caberá apelação referida no art. 82 desta Lei.
54. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance;
GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1997, p. 149.
55. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Editora Atlas. São Paulo: 2000, p. 140.
56. “Se o juiz entende que a proposta, embora aceita pelo réu e seu defensor, é injusta, ilegal ou por demais
gravosa. Não a homologa, cabendo recurso de apelação” (JESUS. Damásio Evangelista. Lei dos Juizados
Especiais Criminais anotada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 68).
57. LIMA, Marcellus Polastri. Juizados Especiais Criminais – O procedimento sumaríssimo no processo penal.
2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 68.
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