Infrações penais de menor potencial ofensivo

AutorMarcelo de Oliveira Milagres e Pablo Gran Cristóforo
Páginas6-30
PABLO GRAN CRISTÓFORO E MARCELO DE OLIVEIRA MILAGRES
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INFRAÇÕES PENAIS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para
os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Com o surgimento da Lei 9.099, em 1995, o ordenamento jurídico trouxe a
conceituação de crime de menor potencial ofensivo como aquele de pena máxima
privativa de liberdade de até 1 (um) ano.
Por certo tempo, doutrina e jurisprudência discordavam ao interpretar a Lei
10.259, de 12 de julho de 2001,1 que disciplina o Juizado Especial Federal. Isso por-
que, no art. 2º, constava que infração de menor potencial ofensivo era aquela cuja
pena máxima privativa de liberdade não ultrapassasse 2 (dois) anos. Assim, parte
da comunidade jurídica entendeu que a nova conceituação de infração de menor
potencial ofensivo, vinculando-a à pena máxima de 2 (dois) anos ou multa, só se
aplicaria ao Juizado Especial Federal. Por outro lado, ganhou adeptos a corrente
que entendeu que a nova lei veio alterar a conceituação da citada infração, seja no
âmbito federal, seja no Juizado Especial Criminal estadual.
O advento da Lei 11.313, de 28 de junho de 2006, pôs f‌im à celeuma, ao for-
malizar o que já se encontrava sedimentado no mundo jurídico. O art. 61 da Lei
9.099/19952 ganhou nova redação, alterando o limite máximo de pena para a def‌i-
nição de infração penal de menor potencial ofensivo, equiparando-o para os delitos
estaduais ou federais.
Doravante, com o novo texto, infração de menor potencial ofensivo passou
a ser, não só as contravenções penais, como também o crime cuja pena máxima
privativa de liberdade não ultrapasse 2 (dois) anos, além dos delitos apenados ex-
clusivamente com multa.
Nota-se que, ontologicamente, o conteúdo de um crime grave não se difere da
infração penal de menor potencial ofensivo, assim como a contravenção penal não
1. Artigo 2º da Lei 10.259/2001 – Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos
de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras
de conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do Júri, decorrente da
aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da com-
posição dos danos civis.
2. Artigo 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as con-
travenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa.
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JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL
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destoa de nenhum outro delito. Tudo não passa de uma escolha do legislador na
catalogação dos comportamentos que mereçam maior ou menor punição.
Nada impede que, com uma modif‌icação legislativa, instigada pela mudança
social e pelos valores da comunidade, uma contravenção penal passe a assumir a
roupagem de crime, ou vice-versa. Da mesma forma, nada impede que um crime de
menor potencial ofensivo (cuja pena máxima não ultrapasse 2 (dois) anos) venha
a ser considerado crime comum, ou o reverso.
Na verdade, a perfeita compreensão de quais comportamentos merecem retri-
buição penal e de qual deveria ser a intensidade dessa reação estatal é tarefa das mais
árduas, porquanto não se pode dissociar dos princípios da ofensividade3 ao bem
jurídico, também chamado de lesividade, e da proporcionalidade4 da resposta penal.
Não se pode olvidar que a catalogação correta do que deve ser infração de menor
potencial ofensivo, a sugerir uma resposta sancionatória de diminuta monta, é de
extremada importância, para que não impere a sensação de injustiça.
Costuma-se dizer que a reação do Estado não pode ser nem além do necessário,
a ponto de produzir sensação de piedade e dó daquele que praticou a infração penal
e sofreu a sanção, nem aquém do desejado, de modo que o ofendido ainda almeje
a vingança privada.
3. “O princípio da lesividade impõe que todo tipo penal deve descrever ou abrigar um comportamento su-
f‌iciente a produzir danos concretos ou perigo efetivo de danos à pessoa, assim considerados aqueles que
atinjam o conjunto dos atributos reconhecidos ao Homem, como necessários ao desenvolvimento de suas
potencialidades” (PACELLI, Eugênio. CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2018, p. 91).
4. Ao explicar o princípio da proporcionalidade em suas duas facetas (proibição de excesso estatal e proibi-
ção de proteção insuf‌iciente), Canotilho explica que “o campo de aplicação mais importante do princípio
da proporcionalidade é o da restrição dos direitos, liberdades e garantias por actos dos poderes públicos.
No entanto, o domínio lógico de aplicação do princípio da proporcionalidade estende-se aos conf‌litos de
bens jurídicos de qualquer espécie. Assim, por exemplo, pode fazer-se apelo ao princípio no campo da
relação entre a pena e a culpa no direito criminal (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria
da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 457). Explica, ainda, Edilson Mougenot Bonf‌im que
tal princípio “funciona como método hermenêutico para dizer qual deles (princípios em conf‌lito) e de
que forma prevalece sobre o outro princípio antagônico. Argumenta-se, dessa forma, ser o princípio da
proporcionalidade, na verdade, um ‘princípio hermenêutico’, uma nova categoria, próxima ou análoga
a um verdadeiro método de interpretação jurídico posto em prática sempre que houver a necessidade de
restringir direitos fundamentais. Objetiva ser uma restrição às restrições dos direitos fundamentais por
parte do Estado. (...) A modalidade ‘proibição de excesso’. Em um primeiro aspecto, sua concretização
implica a proibição de que o Estado, ao agir, tanto na posição de acusador quanto na de julgador, pratique,
em sua atividade, qualquer excesso. (...) Proibição de infraproteção ou proibição de proteção def‌iciente:
a outra vertente do princípio da proporcionalidade. (...) se compreende que, uma vez que o Estado se
compromete pela via constitucional a tutelar bens e valores fundamentais (vida, liberdade, honra etc.),
deve fazê-lo obrigatoriamente da melhor maneira possível (...) uma garantia dos cidadãos contra agressões
de terceiros – ‘proteção horizontal’ –, no qual o Estado atua como garante ef‌icaz dos cidadãos, impedindo
tais agressões (tutelando ef‌icazmente o valor ‘segurança’, garantido constitucionalmente) ou punindo os
agressores (valor ‘justiça’, assegurado pela Constituição Federal). Dessa forma, pelo ‘princípio da infra-
proteção’, toda atividade estatal que infringi-lo seria nula, ou seja, inquina-se o ato jurídico violador do
princípio com a sanção de nulidade” (BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal anotado. 6.
ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 37-41).
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