Perguntas sem respostas na dogmática da responsabilidade civil no Brasil: um olhar filosófico

AutorAlexandre Bonna
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela UFPA, com período sanduíche na University of Edinburgh
Páginas15-35
PERGUNTAS SEM RESPOSTAS NA DOGMÁTICA
DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL:
UM OLHAR FILOSÓFICO
Alexandre Bonna
Doutor em Direito pela UFPA, com período sanduíche na University of Edinburgh.
Mestre em Direito pela UFPA. Professor de graduação e pós-graduação do CESUPA e
FACI-WYDEN. Professor orientador do grupo de pesquisa “danos à pessoa humana”.
Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil. Presidente da
Comissão de Processo Civil da OAB/PA. Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Provocações a partir de Guido Calabresi. 3. Provocações a partir
de Mitchell Polinsky e Steven Shavell. 4. Provocações a partir de Richard A. Posner. 5. Provo-
cações a partir das noções de justiça corretiva e distributiva. 6. Conclusões. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Desde a década de 1960 até os dias atuais, a f‌ilosof‌ia da responsabilidade civil vem
sendo construída a todo o vapor nos países anglo-saxões, a partir de autores que se dedi-
cam a teorias da justiça como Ernest Weinrib, Jules Coleman, Richard Epstein, George
Fletcher, Tony Honoré e Stephen Perry, assim como de pensadores da análise econômica
do direito aplicada à responsabilidade civil, como Richard Posner, Guido Calabresi, Ste-
ven Shavell e Mitchell Polinsky. Ademais, digno de registro outros autores de peso, como
David Owen, Izhak Englard, Raymond Gillespie Frey, Christopher Morris, John Gardner,
James Gordley, Benjamin Zipursky, John Goldberg, Arthur Ripstein e Ronald Coase.
Na experiência da América Latina constata-se a atuação destacada de Juan Fabra
Zamora, Diego Papayannis, Carlos Pulido, Carlos Rosenkrantz, Esteban Pereira Fredes
e Miguel Ángel Ciuro Caldani, inclusive com publicação de obras coletivas de grande
envergadura, porém no Brasil ainda não há uma propagação mais ampla e sólida acerca
das problemáticas da f‌ilosof‌ia da responsabilidade civil com os olhos atentos às peculia-
ridades do ordenamento jurídico pátrio. Embora existam pesquisas de fôlego e enorme
qualidade no campo das teorias da justiça e análise econômica do direito aplicadas à
responsabilidade civil, não se vislumbra uma união de esforços para o debate mais geral.
Em outras palavras, no Brasil as pesquisas são setorizadas em um autor ou categoria e
não há entre elas refutações ou dialéticas como é de praxe na dogmática.
O propósito central do presente artigo é apresentar algumas linhas teóricas da f‌i-
losof‌ia da responsabilidade civil desenvolvidas desde a década de 1960 até o momento
e trazê-las para o debate no contexto brasileiro, sistematizando problemas e desaf‌ios
que na opinião do autor devem ser enfrentados nas categorias do dano, nexo causal,
culpa, função compensatória, punitiva e preventiva no Brasil e abordando como diversas
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correntes f‌ilosóf‌icas solidif‌icadas no campo da responsabilidade civil podem iluminar
possíveis soluções. Essa problemática é diferente das trabalhadas por pesquisas de
grande capacidade no campo da f‌ilosof‌ia da responsabilidade civil no Brasil, porque não
é setorizada em um categoria ou autor1, não visa a apresentar as principais perguntas
enfrentadas pela f‌ilosof‌ia da responsabilidade civil no mundo anglo-saxão2, assim como
não se centra exclusivamente em teorias de justiça3 ou análise econômica4, mas sim em
ambas com o objetivo de realizar provocações para futuras pesquisas no Brasil.
A relevância da problemática se deve a quatro fatores: a) há inúmeros institutos
da responsabilidade civil no Brasil que necessitam de um amadurecimento para além
da dogmática e jurisprudência a partir de bases f‌ilosóf‌icas que possuam implicações
práticas, as quais possibilitam reinterpretação de conceitos sedimentados ou alterações
legislativas para lapidar a justiça desse campo do Direito; b) a f‌ilosof‌ia da responsabi-
lidade civil busca aprimorar e compreender melhor o fenômeno jurídico a partir de
perguntas mais amplas que muitas vezes não são feitas pela dogmática; c) o estudo da
f‌ilosof‌ia aprimora o ideal de construção de uma sociedade mais ética a partir de institutos
como a responsabilidade civil, já que ela se dedica a ref‌letir como tratar o outro; d) uma
compreensão plena da responsabilidade civil envolve noções mais amplas de f‌ilosof‌ia
do direito, f‌ilosof‌ia moral e f‌ilosof‌ia política.
No aspecto metodológico, salienta-se que serão trabalhadas as ideias centrais dos
seguintes autores a partir de pelos menos um livro ou artigo, com preferência às pro-
duções mais recentes em detrimento das mais antigas: Ernest Weinrib, Jules Coleman,
Richard Posner, Guido Calabresi, Steven Shavell, Mitchell Polinsky, Esteban Pereira
1. Como exemplos de valorosas pesquisas que se debruçam sobre uma categoria ou autor, tem-se a tese de mestrado
de João Vitor Penna e Silva, com o título “A situação econômica das partes como critério distributivo na quan-
tif‌icação das indenizações” (UFPA, 2018), as teses de doutorado de Adelvan Olivério Silva “Responsabilidade e
justiça: uma fundamentação da responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade baseada na teoria da justiça
de John Rawls” (UFPA, 2016), Virgínia de Carvalho Leal “Justiça corretiva e direito de danos: Jules Coleman,
Ernest Weinrib e os fundamentos da responsabilidade extracontratual” (Universidad de León, 2015) e Catarina
Helena Cortada Barbieri, denominada “O formalismo jurídico de Ernest Weinrib e seus ref‌lexos na teoria da res-
ponsabilidade civil” (USP, 2012), assim como a obra “Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais” (2003), de Maria Celina Bodin de Moraes.
2. Fundamentos f‌ilosóf‌icos da responsabilidade civil: um mapa para uma discussão, de autoria de Catarina Helena
Cortada Barbieri (2018)
3. Como o artigo Responsabilidade e teoria da justiça contemporânea (1997), de Vicente de Paulo Barretto e as teses
a seguir: de doutorado, “Identif‌icação e quantif‌icação do dano moral: fundamentação da decisão judicial na pers-
pectiva jurídica e ética da lei natural” (UFPA, 2018), de Alexandre Pereira Bonna; de mestrado, “Responsabilidade
civil e justiça distributiva” (UFPE, 2003), de Carlos Gonçalves de Andrade Neto.
4. “Punitivedamages (indenização punitiva) e os danos em massa” de Alexandre Bonna (2015); tese de mestrado “A
redução equitativa da indenização e as atividades de risco previstas no art. 927, parágrafo único, do Código Civil:
uma abordagem jurídico-econômica”, de Amanda Celli Cascaes (UFRS, 2018)”Análise econômica do direito e sua
relação com o direito civil”, de Eduardo Goulart Pimenta e Henrique Avelino Lana (2010); “Direito e economia:
novos horizontes da responsabilidade civil no Brasil”, de Eugênio Battesini (2011); “Análise econômica da respon-
sabilidade civil: o dano e a sua quantif‌icação”, de Diogo Naves (2012); “Direito e Economia no Brasil”, organizado
por Luciano Benetti Timm (2012); “Breves notas sobre a análise econômica da responsabilidade civil”, de Thaís
Gouveia Pascoaloto Venturi (2017); “Direito e Economia, responsabilidade civil contemporânea e desenvolvimento
econômico”, de Afonso de Paula Pinheiro Rocha (2015); “Análise econômica do direito: a ef‌iciência da norma
jurídica na prevenção e reparação de danos sofridos pelo consumidor”, de Hector Valverde Santana (2014); “A
transposição da responsabilidade civil para o direito sancionador: o caso da gestão das instituições f‌inanceiras.
Uma análise a partir da teoria do direito” (2014) e “A violação ao direito fundamental ao meio ambiente: análise
dos problemas a respeito da responsabilidade civil por danos ambientais” (2010), ambos de Jean Carlos Dias.

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