Responsabilidade civil do árbitro por violação ao dever de revelação

AutorRodrigo da Guia Silva e Vitória Neffá Lapa
Ocupação do AutorDoutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Pós-Graduanda em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Páginas307-326
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ÁRBITRO POR
VIOLAÇÃO AO DEVER DE REVELAÇÃO
Rodrigo da Guia Silva
Doutorando e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Substituto de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND-UFRJ). Advogado.
Vitória Neffá Lapa
Pós-Graduanda em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbi-
tragem (CJA/CBMA). Advogada.
Sumário: 1. Introdução. 2. Deveres do árbitro: hipóteses e remédios para a sua tutela. 3. De-
ver de revelação: conteúdo e parâmetros de aferição. 4. Alguns questionamentos atinentes
à responsabilidade civil por violação ao dever de revelação. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Após mais de vinte anos do advento do marco legal da arbitragem no direito brasileiro
e da ampla aplicação prática deste meio de resolução de conf‌litos no cenário jurisdicio-
nal, não restam dúvidas sobre a consolidação do instituto. No atual contexto, renova-se
diuturnamente a percepção acerca da pertinência em se aprofundarem os estudos envol-
vendo questões progressivamente mais complexas, com o intuito de se conferir maior
previsibilidade à matéria e, com isso, garantir-se maior segurança jurídica aos partícipes.
Com a função primordial de solucionar um litígio, o árbitro é peça-chave no pro-
cedimento arbitral, guardando deveres fundamentais para que se possa garantir um
julgamento justo e ef‌icaz. Um dos deveres principais é o de revelar circunstâncias que
possam causar dúvidas justif‌icáveis sobre a sua imparcialidade e independência, perante
as partes, para julgar o litígio. Caso descumpra estes deveres, pode o árbitro pôr em xeque
a conf‌iança depositada em seu ofício e a validade de sua decisão. Nesse sentido, é impres-
cindível compreender quais seriam os possíveis parâmetros para aferir a responsabilidade
civil do árbitro que porventura viole o dever de revelação e, consequentemente, venha
a comprometer toda a higidez do procedimento arbitral. Precisamente a esse propósito
se dedica o presente estudo.
A f‌im de investigar a possibilidade e os parâmetros de aferição da responsabilidade
civil do árbitro que viole o dever de revelação, analisar-se-á, inicialmente, quais são os
principais deveres do árbitro e os correlatos remédios para sua tutela. Na sequência,
destacar-se-á a temática específ‌ica do dever de revelação, analisando-se algumas ques-
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tões sobre a delimitação do que deve ou não ser revelado pelo árbitro e em que situações
estar-se-ia conf‌igurada a violação. Por f‌im, as premissas estabelecidas permitirão o exame
do âmago deste trabalho, qual seja: a investigação do regime de responsabilidade civil a
ser aplicado ao árbitro em caso de comprovada violação ao dever de revelação.
2. DEVERES DO ÁRBITRO: HIPÓTESES E REMÉDIOS PARA A SUA TUTELA
A Lei nº 9.307/1996 (doravante também referida por “Lei de Arbitragem”) estabelece,
em seu artigo 13, que “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a conf‌iança das
partes”. A f‌igura suf‌iciente, portanto, o preenchimento de dois requisitos fundamentais:
(i) a capacidade de fato e de direito para a prática dos atos da vida civil e (ii) a conf‌iança
das partes. Diante da possível abertura semântica do conceito jurídico indeterminado em
que consiste a conf‌iança, coube à doutrina dar concretude ao vocábulo. Nesse sentido,
difundiu-se a defesa de que, para o preenchimento do atributo de conf‌iança, o árbitro
deverá, além de ser honesto e probo, julgar sem a inf‌luência de relações externas ou inte-
resses no resultado do litígio.1 Ao lado honestidade e da probidade situam-se, portanto,
a independência e a imparcialidade.2
Adicionalmente aos mencionados requisitos de capacidade e desfrute de conf‌ian-
ça, a lei prescreve deveres de atuação do árbitro. Trata-se, nos termos do art. 13, § 6º,
da Lei n. 9.307/1996,do dever de conduta com imparcialidade, da independência, da
competência, da diligência e da discrição no desempenho de sua função.3Todos esses
deveres concorrem para a conf‌iguração de um cenário no qual o árbitro possa exercer,
sem suspeitas ou desconf‌ianças, a função jurisdicional de que lhe revestem as partes.
Tamanha é a importância dos deveres de atuação do árbitro que a doutrina especia-
lizada na matéria chega a af‌irmar que, além dos deveres estabelecidos na lei, os árbitros
assumiriam também o compromisso de cumprir o que se referiu por deveres éticos da
função de julgador. A enunciação de tais deveres éticos, de âmbito potencialmente mais
abrangente do que o dos deveres expressamente previstos em lei, serviria para reforçar
a imprescindibilidade da atuação honesta e proba do árbitro, com vistas à constante
reaf‌irmação da legitimidade do exercício da jurisdição pela via arbitral. Pertinente, ao
propósito, a lição de Selma Maria Ferreira Lemes:
1. “A doutrina aponta duas óticas de análise do conceito de conf‌iança: uma intrínseca, que se denomina probidade
arbitral e indica que o árbitro deve ser pessoa honesta e proba; outra extrínseca, que consiste na sua capacidade
de exarar decisão com independência e imparcialidade” (CAVALIERI, Thamar. Imparcialidade na arbitragem.
Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 41, abr.-jun./2014, item 1).
2. Nesse sentido, ensina Selma Maria Ferreira Lemes: “a conf‌iança da parte no árbitro, na dicção da lei, tem duas
ópticas de análise. A primeira, intrínseca, signif‌ica que o árbitro deve ser pessoa de bem, honesta e proba. É o que
se denomina de probidade arbitral. A honorabilidade de uma pessoa para ser indicada como árbitro representa a
sua idoneidade legal para o exercício da função. A segunda, extrínseca, representa a certeza de ser pessoa capaz de
exarar decisão sem se deixar inf‌luenciar por elementos estranhos e que não tenha interesse no litígio” (LEMES,
Selma Maria Ferreira. O dever de revelação do árbitro, o conceito de dúvida justif‌icada quanto a sua independên-
cia e imparcialidade (art. 14, §1º, da Lei 9.307/1996) e a ação de anulação de sentença arbitral (art. 32, II, da Lei
9.307/1996). Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 36, 2013, p. 233).
3. Lei nº 9.307/1996: “Art. 13. (...) §6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade,
independência, competência, diligência e discrição. (...)”.

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