Responsabilidade civil e família

AutorAna Carla Harmatiuk Matos e Ana Carolina Brochado Teixeira
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito pela UFPR e mestre em Derecho Humano pela Universidad Internacional de Andalucía/Doutora em Direito Civil pela UERJ
Páginas147-166
RESPONSABILIDADE CIVIL E FAMÍLIA
Ana Carla Harmatiuk Matos
Mestre e Doutora em Direito pela UFPR e mestre em Derecho Humano pela Universidad
Internacional de Andalucía. Tuttora Diritto na Universidade di Pisa- Italia. Professora
na graduação, mestrado e doutorado em Direito da UFPR. Professora de Direito Civil e
de Direitos Humanos. Advogada. Diretora da Região Sul do IBDFAM. Vice-Presidente
do IBDCivil. Conselheira Estadual da OAB-PR. Advogada.
Ana Carolina Brochado Teixeira
Doutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas.
Professora de Direito Civil do Centro Universitário UNA. Coordenadora editorial da
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Advogada.
“Mais liberdade e menos responsabilidade para si, mais responsabilidade
e menos liberdade para o Outro: eis o desenho contemporâneo de um sujeito
atomizado que quer, tout court, o sonho impossível: todo dano merece integral
responsabilização, até mesmo a perda ou abandono, inclusive os sonhos
não realizados, uma vez que podem congurar responsabilidade pela perda
de uma chance. Como viemos a esse ponto?”1
Sumário: 1. Introdução. 2. Contornos da família contemporânea. 3. Família e responsabilidade
civil. 4. Aspectos da responsabilidade civil nas relações conjugais. 4.1 Danos extrapatrimoniais
na conjugalidade. 4.2 Vetores jurisprudenciais interpretativos dos efeitos jurídicos do dever
de delidade. 5. Responsabilidade civil nas relações parentais. 5.1 Responsabilidade civil
por “abandono afetivo”. 5.2 Responsabilidade Civil por devolução de criança adotada. 5.3
Responsabilidade civil e sharenting. 6. Considerações nais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
É inegável a incidência de novos fatos sociais e situações jurídicas no âmbito do
Direito de Família, motivados, substancialmente, pela mudança nas relações familiares
e pelo impacto da Biotecnologia, principalmente na f‌iliação. A família de hoje é muito
diferente da de outrora. Antes hierarquizada, matrimonializada e heteropatriarcal, passou
a ser mais democrática, igualitária e plural. Este novo perf‌il só foi possível em função das
transformações nas relações entre seus membros. O Direito de Família viu-se compelido
a acompanhar essa evolução, sob pena de descumprir uma de suas funções, a de reger
fatos sociais. Entretanto, essa mudança jurídica apenas se realizou em virtude da virada
hermenêutica que perpassou todo o Direito Civil, conhecida como constitucionalização
1. FACHIN, Luiz Edson. Relações jurídicas, contratos e responsabilidade civil: uma liberdade, duas funcionalizações,
três problematizações. Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, n. 2, p. 103-115. P. 8.
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ou personalização do Direito Civil, através do qual a pessoa humana assumiu o centro
do ordenamento jurídico.
O objeto do Direito de Família é a pessoa, seu crescimento, sua formação, suas rela-
ções de afeto e desafeto. Por isso, as novas concepções do Direito Civil acomodaram-se
muito bem nesta nova família, não obstante a forma de interpretação tenha mudado
substancialmente, tendo em vista que o elemento f‌inalístico passou a ser a pessoa, mesmo
nas relações patrimoniais.
Paralelamente, a responsabilidade civil também vem se transformando, com novas
categorias de danos, para se verif‌icar o modo mais adequado de se atingir a plena repa-
ração da vítima.2 É nesse contexto que ganha relevo a ref‌lexão acerca do cabimento da
responsabilidade civil na família, tanto no que tange às relações parentais quanto no que
se refere às conjugais, por se entender que há grande diferença entre elas, o que enseja,
também, incidência diferenciada da responsabilidade civil.
2. CONTORNOS DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
A estrutura familiar atual funda-se, principalmente, na afetividade e solidarie-
dade entre seus membros3 e as relações de convivência e coexistência assumem essas
características. Numa perspectiva dialógica, é neste relacionamento intrafamiliar que
seus componentes assimilam seus valores, moldam-se, transformam-se e edif‌icam sua
personalidade e sua dignidade em novas bases.
Por essa razão, a convivência é tão relevante. Conviver signif‌ica “viver em comum
com outrem em intimidade, em familiaridade.”4 É exatamente essa espécie de relação
que se cria e se estabelece no seio de um núcleo familiar.
Neste sentido, os laços familiares ganham especial importância pela grande inf‌lu-
ência exercida na vida de cada membro da família, sejam idosos, adultos, adolescentes
ou crianças. Eles atuam na edif‌icação da dignidade de cada um, entendida não apenas
como um valor intrínseco do ser humano, mas também como construção permanente
através da convivência com o outro.5
2. Aline de Miranda Valverde Terra e Gisela Sampaio da Cruz Guedes exemplif‌icam os novos danos que tem sido
objeto de debate na comunidade científ‌ica: “dano corporal, dano estético, dano à vida de relação, dano sexual,
dano à capacidade laborativa, dano psíquico, dano existencial, dano de af‌irmação pessoal, dano à privacidade, dano
por rompimento de noivado, dano de férias arruinadas, dano à imagem, dano por perda de uma chance, dano por
perda de tempo, dano biológico, dano de privação de uso, dano institucional, dano por nascimento indesejado,
dano à identidade pessoal, dano hedonístico, dano de mobbing, dano de mass media, dano de brincadeiras cruéis,
dano moral afetivo etc.” (A repersonalização do direito civil e suas repercussões na responsabilidade civil. In:
EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; CORTINO JÚNIOR, Eroulths. Transformações no direito privado nos 30 anos da
constituição. Estudos em homenagem a Luiz Edson Fachin. Belo Horizonte: Forum, 2019, p. 481).
3. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, “no contexto atual, a Lei Maior determina – ou melhor, exige – que nos
ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade porque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
cabe a todos e a cada um de nós” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: PEIXINHO,
Manoel Messias (et. al.). Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 179)
4. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua português. 3. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 549.
5. “Assim como ensinam as mais laicas das ciências, é o outro, é seu olhar, que nos def‌ine e nos forma. Nós (assim
como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar
e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, e pelo resto

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