O tratamento dado ao lucro da intervenção no ordenamento jurídico português

AutorSabrina Jiukoski da Silva e Rafael Peteffi da Silva
Ocupação do AutorDoutoranda e mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/Pós-doutor em Direito pela Universidade de Girona (ES)
Páginas237-254
O TRATAMENTO DADO AO LUCRO
DA INTERVENÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PORTUGUÊS
Sabrina Jiukoski da Silva
Doutoranda e mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduada em Direito Processual
Civil pela Faculdade Cesusc. Bolsista CNPq. Membro do Grupode Pesquisa de Direito
Civil Contemporâneo.
Rafael Peteff‌i da Silva
Pós-doutor em Direito pela Universidade de Girona (ES). Doutor em Direito Civil pela
Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade Federal do
Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Associadoda Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Coordenador da Rede de Direito Civil Contemporâneo.
Sumário: 1. Introdução. 2. A descoberta do lucro da intervenção no direito português. 3. O
instituto do enriquecimento sem causa e (im)possibilidade de restituição do lucro da inter-
venção no direito português. 4. O lucro da intervenção e legislação de proteção aos direitos
de propriedade intelectual em Portugal. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Entre as preocupações da civilística nacional destacam-se, nos últimos anos, as
situações nas quais um determinado agente aufere lucros a partir da exploração ou apro-
veitamento, intencional ou não, de forma não autorizada, de bens ou direitos alheios.1 É
a empresa que usa sem autorização a imagem ou o nome de pessoa pública, seja um ator,
um compositor ou um atleta famoso, para comercialização de um determinado produto;
o editor que publica uma obra literária sem o consentimento do autor; ou, ainda, o jóquei
que usa o cavalo de corrida de outrem para ganhar uma premiação.
Estes lucros apurados a partir do ato de intervenção nos direitos subjetivos2 alheios
vêm sendo denominados, na literatura nacional, de lucro da intervenção. A expressão
busca denominar os ganhos apurados pelo incremento no valor presente do patrimônio
do agente interventor3, ganhos estes que estão além da concepção clássica de enrique-
1. KONDER, 2017, p. 233.
2. Na def‌inição de Miguel Reale, um direito subjetivo compreende a “[...] possiblidade de exigir-se, de maneira
garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio” (REALE, 2005, p. 260).
3. O conceito de lucro é trabalhado, à luz das Ciências Contábeis e das Ciências Econômicas, como a “[...] recompensa
e a motivação para a instalação e continuidade de um empreendimento na sociedade capitalista” (FUJI, 2004,
p. 76). Esta anotação torna-se importante, pois, o termo lucro da intervenção, será empregado como concebido
SABRINA JIUKOSKI DA SILVA E RAFAEL PETEFFI DA SILVA
238
cimento, que compreende os valores que normalmente seriam contratados pelas partes
para utilização ou consumo daquele bem ou direito de outrem. Para exemplif‌icar, se um
determinado sujeito invade o terreno alheio para a colocação e comercialização de um
outdoor, este poderá obter um lucro a partir da exploração comercial, resultado líquido
que se denomina de lucro da intervenção, porém, ao mesmo tempo, acabará poupando
os alugueres do terreno, e esta economia é o que se trata por enriquecimento na sua
concepção clássica nacional.
O relativo ineditismo da temática traz consigo, contudo, a dif‌iculdade de enquadrá-la
em algum dos institutos de Direito Civil reconhecidos na leitura do ordenamento jurí-
dico pátrio, bem como de quantif‌icá-la. Atualmente, é possível identif‌icar recentes, mas
valiosas ref‌lexões sobre a temática4, que, em essência, defendem que o titular do direito
subjetivo violado tem a pretensão de exigir os lucros que o agente interventor obteve a
partir do uso, consumo, fruição ou alienação dos direitos ou bens que lhe pertencem,
recaindo sobre o tema a seguinte indagação: com qual fundamento e em que medida o
lucro da intervenção deve ser transferido para o patrimônio do titular do direito violado.
Nesse contexto, o presente estudo objetiva, a partir do raciocínio dedutivo, intro-
duzir o problema do lucro da intervenção segundo o ordenamento jurídico português,
onde a doutrina e a jurisprudência há muito identif‌icaram a complexidade do tema,
pois, acredita-se que uma análise do direito estrangeiro servirá de importante lente
de inspiração para, resguardadas as particularidades do ordenamento jurídico pátrio,
delinear em momento oportuno o enquadramento e a quantif‌icação do lucro da inter-
venção no cenário brasileiro. Não é objeto do presente estudo, assim, apresentar uma
solução aplicável aos casos de intervenção para o direito brasileiro, f‌icando-o restrito à
pela doutrina nacional e, aparentemente, aceito pela jurisprudência pátria, ou seja, como os lucros apurados pelo
incremento no valor presente do patrimônio do agente interventor. Ao contrário do direito português, que classif‌ica
todas as vantagens econômicas que determinado agente recebe a partir de uma intervenção, sem autorização, nos
direitos alheios, em um sentido amplo, como lucro da intervenção.
4. Na literatura nacional, é possível identif‌icar as seguintes produções sobre a temática: KROETZ, Maria Candida
do Amaral. Enriquecimento sem causa no direito civil brasileiro contemporâneo e recomposição patrimonial. Tese de
doutoramento. Curitiba: UFPR, 2005, p. 158 e ss.; ANDRADE, André Gustavo Correia de. Dano moral e indeni-
zação punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 261 e ss.; MICHELON JR., Claudio. Direito restitutório: enriquecimento sem causa,
pagamento indevido, gestão de negócios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; HILDEBRAND, Lucas Fajardo
Nunes. Pressupostos da obrigação de restituir o enriquecimento sem causa no Código Civil brasileiro. Dissertação
Mestrado. São Paulo: USP, 2010, p. 155 e ss.; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Lucros Cessantes, do bom senso ou
postulado normativo da razoabilidade. São Paulo, RT, 2011, p. 198 e ss.; SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil e enri-
quecimento sem causa: o lucro da intervenção. São Paulo: Atlas, 2012, p. 9 e ss.; ROSENVALD, Nelson. As funções
da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 100 e ss.; TERRA, Aline de Miranda
Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Considerações acerca da exclusão do lucro ilícito do patrimônio do
agente ofensor. In: Revista da Faculdade de Direito. UERJ, Rio de Janeiro, n. 28, dez, 2015, p. 2 e ss.; LINS, Thiago.
O lucro da intervenção e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 10 e ss; COHEN, Fernanda; SAAB,
Rachel. Parâmetros de quantif‌icação do lucro da intervenção. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo
(Org.). Problemas de responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2016, pp. 119-148; KONDER, 2017, p.
233 e ss.; SCHREIBER, Anderson; GUIA SILVA, Rodrigo da. Lucro da Intervenção: perspectivas de qualif‌icação e
quantif‌icação. In: Direito Civil: Estudos – Coletânea do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa – IBDCIVIL. São Paulo:
Blucher, pp. 175-206, 2018, p. 181 e ss.; GUIA SILVA, Rodrigo da. Enriquecimento sem causa: as obrigações resti-
tuitórias no Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 300 e ss. Ademais, destaca-se que a primeira
vez que o Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre o lucro da intervenção ocorreu no ano de 2018, para
maiores esclarecimentos: BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 1698701/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
Brasília, 02 de outubro de 2018.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT