Possibilidade de diferenciação de direitos e deveres entre associados

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POSSIBILIDADE DE
DIFERENCIAÇÃO DE DIREITOS E
DEVERES ENTRE ASSOCIADOS
Pela importância do tema e por ser um dos que mais consta das demandas
judiciais, colocamos um capítulo inteiro dedicado à presente questão (possibi-
lidade ou não de diferenciação de direitos e deveres entre associados).
O art. 55 do Código Civil disciplina que “os associados devem ter iguais
direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais”.
Miguel Reale, em sua obra, tratando do Código Civil de 2002, mais especi-
camente no artigo intitulado com o nome sugestivo de Invencionices sobre o
Código Civil, já demonstrou a insatisfação com aqueles operadores do direito
que pretendem com o advento do novo codex promover “invencionices, ou
seja, forçar interpretações equivocadas:
Desde o Código Napoleão vige o entendimento de Portalis, segundo o
qual os artigos de um código devem ser interpretados uns pelos outros.
É a falta dessa elementar orientação hermenêutica que explica certas
interpretações errôneas da nova Lei Civil, dando lugar a imperdoáveis
invencionices...202
Sem dúvida, uma dessas “invencionices” é a interpretação de alguns de que
o art. 55 do CC revolucionou o ordenamento jurídico ao prever que “todos os
associados devem ter direitos iguais”.
202 REALE , Miguel. Estu dos preliminares do Códi go Civil. São Paulo: Ed itora Revista dos
Tribunais, 2003; p. 8.
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WENDEL DE BRITO LEMOS TEIXEIRA
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Tal interpretação (muito equivocada, diga-se de passagem) não tem razão
de ser pelas seguintes razões:
a) a uma porque historicamente sempre foi permitida diferenciação en-
tre categoria de associados;
b) a duas porque tal diferenciação é peculiar à natureza das associações
onde há diferença de funcionamento, de constituição etc.;
c) a três porque a diferenciação entre associados é compatível com o art.
55 do CC;
d) a quatro porque, caso a interpretação de que com o advento do
Código Civil de 2002 todos os associados devessem ter o mesmo direito
prevalecesse, estar-se-ia afrontando o direito adquirido de uma inni-
dade de associados de uma gama interminável de associações brasileiras
que possuem direitos e deveres especiais; e
e) a cinco porque a liberdade de associação (incluindo a auto-organi-
zação e autorregulação) das entidades associativas deve ser estimulada,
devendo ser excepcional a decretação de nulidade de seus atos ou a in-
terferência estatal em suas questões.
Passemos a analisar detidamente as razões apontadas.
a) Historicamente sempre foi lícita a diferenciação entre categorias de
associados.
Não é de hoje que se pode promover a diferenciação entre associados. O
entendimento jurídico sobre a diferenciação de associados sempre foi e ainda
é no mesmo sentido: os associados devem ter em regra os mesmos direitos,
salvo exceção expressamente prevista no estatuto social.
A Lei 173 de 1893 (que regulava a organização das associações com ns re-
ligiosos, morais, cientícos artísticos, políticos ou de simples recreio no Brasil)
já dispunha em seu art. 7º, a possibilidade das associações não estipularem
direito de voto a todos associados.
O pai do atual Código Civil, o saudoso Miguel Reale, em 1972 (em sede de
erudito parecer), já mencionava que a possibilidade de existir associados com
poderes especiais não era nova segundo se percebe de suas próprias palavras:
Não é novidade na vida das pessoas jurídicas de direito público ou pri-
vado – não obstante deva prevalecer, em princípio, a igualdade entre os
associados – a existência de sócios dotados de poderes especiais ou de
exceção.203
203 RT 44 5/15.
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