Apontamentos sobre as uniões de fato e a sua dissolução

AutorGustavo Henrique Velasco Boyadjian
Páginas397-411

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Ver Nota1

1. Definição e alcance da expressão “uniões de fato”

As uniões de fato são aquelas que não foram constituídas juridicamente, seja pela celebração de casamento, seja pela elaboração de escritura de união estável. Em linhas gerais, pode-se afirmar que se manifestam de duas formas distintas: as uniões estáveis e as uniões concubinárias.

Inexistem dúvidas quanto as primeiras, por expressa previsão constitucional, ensejarem a instituição de família, cabendo às Varas especializadas de Família conhecer dos pleitos judiciais que tenham por objeto estas entidades. No tocante

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às uniões concubinárias, há controvérsias quanto a serem formas de constituição de entidades familiares.

2. União estável - apontamentos introdutórios

A Constituição Federal de 1988 definiu a família como base da sociedade, estendendo a proteção do Estado às uniões mantidas entre homens e mulheres, conforme previsão do art. 226, caput c.c. seu §3º, fazendo inclusive menção quanto à sua conversão em casamento (assunto que será abordado no próximo tópico deste trabalho).

Posteriormente à promulgação da Constituição, obrigatória ser feita menção a duas normas de caráter infracontitucional, quais sejam, a Lei nº 8.971/94 e a Lei nº 9.278/96, que trouxeram reflexos patrimoniais às uniões estáveis. A primeira estabeleceu a possibilidade de alimentos e de efeitos sucessórios para aqueles que vivessem juntos por período igual ou superior a cinco anos, ou tivessem prole comum. A segunda regulamentou o §3º do art. 226 da Constituição Federal, estabelecendo a competência das Varas de Família para ações cujo objeto fosse as famílias convivenciais, bem como estatuiu presunção juris tantum de existência de esforço comum quanto aos bens adquiridos onerosamente no curso da união. O requisito temporal previsto pela primeira norma não foi repetido pela segunda, que, logo em seu art. 1º, trouxe rol de elementos caracterizadores das uniões estáveis (estabilidade, continuidade, publicidade, diversidade de sexos e a intenção de se constituir família).

O Código Civil de 2002 considerou elementos disciplinados por ambas as normas, definido famílias convivenciais em seu art. 1.723, que praticamente repetiu o art. 1º da Lei nº 9.278/96. Senão veja-se:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

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Frise-se que o STF, em 2011, apreciou a ADPF 132 e, de forma unânime, assegurou que o mencionado art. 1.723 fosse interpretado conforme a Constituição, reconhecendo, portanto, as uniões entre pessoas de mesmo sexo como família.

As uniões estáveis, ao contrário dos casamentos, não são negócios jurídicos, mas fatos jurídicos. Tanto a sua constituição quanto a sua dissolução se operam pelo início e pelo rompimento da vida em comum, não estando condicionados à chancela do Estado. Não há necessidade de que seja formalizada e de que seja desconstituída pelo Estado. Em que pese o fato de a Lei nº 11.441/2007 não ter trazido, de forma expressa, a possibilidade das dissoluções de uniões estáveis serem feitas em Cartório, não existe qualquer problema em que tal situação ocorra, desde que, obviamente, observados os requisitos legais, especificamente a inexistência de interesses de menores ou incapazes, o consenso entre as partes, e a representação por advogado, restando assegurada, por força da Lei nº 8.935/94, a livre escolha do tabelionato em todo o território nacional. Quando as partes lançarem mão do Poder Judiciário, o que ocorre quando não há consenso ou a presença de interesses de menores de idade ou incapazes, cabe ao Estado-Juiz simplesmente determinar a época de sua vigência e as consequências jurídicas dela decorrentes, especificamente no que concerne a seus efeitos patrimoniais e a questão da prole comum.

3. Da conversão de união estável em casamento

O art. 1.726 do Código Civil brasileiro previu que a conversão de união estável em casamento deve ocorrer por meio de pedido dirigido ao Juiz e assento no Registro Civil. Ocorre que o legislador não fez nenhuma indicação quanto ao procedimento a ser seguido quando do ajuizamento da ação, bem como quanto à eventual apuração de impedimentos matrimoniais. Tais omissões levam à conclusão de que deve ser seguido o procedimento comum de habilitação matrimonial processado junto aos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, com a apresentação da documentação arrolada pelo art. 1.525 do Código Civil.

A conversão, além de mais dispendiosa sob o ponto de vista financeiro (em que é necessária a contratação de advogado e o pagamento de custas processuais), levará muito mais tempo do que o casamento em Cartório, que exige apenas respeito à publicação de editais, após a apresentação da documentação exigida

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pela lei, além, por óbvio, do pagamento de emolumentos notariais, cujo valor, via de regra, é significativamente mais baixo que os honorários advocatícios do profissional encarregado do pleito judicial de conversão.

Sob a ótica patrimonial, é imprescindível a consideração acerca dos efeitos da sentença que converte a família convivencial em casamento. Parece razoável sustentar a tese de se imprimir efeitos retroativos a sentença. Servem de alicerce a tal entendimento os seguintes argumentos: quando da elaboração do art. 1.726 do Código Civil, o legislador, por nada ter disposto acerca dos efeitos da sentença de conversão, deu margem ao surgimento da lacuna. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 4º, arrola os meios para que se promova a integração do direito. São mencionados analogia, costumes e princípios gerais do direito. Propõe-se seja feita analogia com os arts. 74 e 75 da Lei nº 6.015/73, que dispõe que os efeitos civis do casamento religioso retroajam à data da celebração religiosa. Ademais, também se deve destacar que, se não forem admitidos efeitos retroativos à sentença de conversão, o art. 1.726 não traria utilidade alguma, sendo verdadeiro natimorto.

4. Foro competente para conhecer das ações de reconhecimento e dissolução de união estável

O art. 53 do Código de Processo Civil traz regras a serem observadas para estabelecimento da competência territorial para as ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável. São delineados os seguintes critérios: a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz; c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal. As hipóteses levam em consideração a vulnerabibilide como critério definidor da competência. No mesmo sentido já havia regra trazida pela Súmula 383 do STJ, especificamente no que se refere à propositura de ações no foro de domicilio de menor.

Saliente-se que, por força da Lei nº 13.058/2014, a guarda compartilhada se apresenta como sistema obrigatório de proteção à pessoa dos filhos, somente não sendo deferido quando um dos pais não a quiser ou quando não apresentar condições para o exercício do Poder Familiar. Apesar de não constar de forma expressa no dispositivo em comento, mesmo em caso de compartilhamento de

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guarda, deve ser levado em consideração para a propositura de ação o foro da parte com quem o menor reside, resguardado a outra parte o direito de arguir a inexistência de vulnerabilidade.

5. União estável: considerações patrimoniais

No que concerne aos aspectos patrimoniais das uniões estáveis, deve ser observada a regra do art. 1.725 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

O dispositivo pretendeu imprimir às uniões estáveis regra similar ao que se tem nos casamentos, quando o regime da comunhão parcial é adotado como supletivo ou legal. Trata-se da possibilidade da livre estipulação patrimonial também na família convivencial.

Sobre a livre estipulação, Francisco José Cahali2ensina que impedir que os companheiros, com livre disposição de seus bens preexistentes ou futuros, estipulem suas relações patrimoniais, seria o mesmo que projetar restrições à capacidade dos conviventes, impondo-lhes limitação contrária à capacidade civil e ao exercício da propriedade, tangenciando até a inconstitucionalidade, pensamento ao qual se deve compartilhar inteiramente.

O princípio da livre estipulação de regime de bens no casamento não tem caráter absoluto, uma vez que o art. 1641 do Código Civil traz hipóteses em que passa a ser obrigatório o regime da separação de bens.

Interessante discutir a incidência ou não das hipóteses do art. 1.641 do Código Civil também para as uniões estáveis.

A primeira situação é referente às causas suspensivas, que correspondem aos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos. Estão arroladas pelo art. 1.523 do Código Civil. Sua inobservância não eiva o casamento de nenhuma nulidade, apenas, por força daquilo que é previsto no inciso I do art. 1.641, enseja a adoção do regime de separação obrigatória de bens.

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A outra hipótese é a de um ou ambos os companheiros contarem com mais de 70 anos. Estariam eles...

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