Mediação e direito das famílias: o diálogo como instrumento para a efetiva resolução de conflitos familiares

AutorCarlos José Cordeiro/Raíssa Vieira de Gouveia
Páginas129-153

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1. Introdução

O presente trabalho analisará a mediação, método alternativo de solução de conflitos, que tem como principal característica a retomada do diálogo entre os mediandos, a fim de que eles próprios resolvam os conflitos familiares criativamente, preservando as relações sociais pretéritas e logrando a autonomia e emancipação individual. E, ainda, examinará o papel do Direito e sua efetividade nas contendas e relações familiares.

Para tanto, a metodologia utilizada será a argumentação sobre os tópicos propostos, que terá como substrato a apreciação de artigos, livros e textos de diversos autores que estudam a temática. Para a construção desse artigo científico, a argumentação se estruturará da forma que abaixo se descreve.

O capítulo primeiro trata da apresentação do trabalho, para a qual se dedica a presente introdução, a qual sintetiza as principais ideias dos capítulos que se seguem.

No segundo capítulo será abordada a família no período atual, que, para al-guns estudiosos, se denomina pós-modernidade. Nesse período, há a expansão de direitos subjetivos, os quais devem também ser tutelados pelo ordenamento jurídico. Isso ocorre devido à tendência da personalização individual em buscar aquilo que realmente satisfaz cada um.

A família, nesta conjuntura, será tomada como instrumento pessoal de realização das pessoas, tendo como marca fundamental a emoção e o afeto. Por isso, as relações familiares devem receber tratamentos personalizados, por englobarem aspectos tão subjetivos como o amor, por exemplo.

Posteriormente, no capítulo terceiro, far-se-á uma abordagem sobre os conflitos familiares, o que os caracterizam, tomando como substrato a definição de conflitos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, o qual defende que os conflitos surgem devido a uma barreira na comunicação entre indivíduos.

Então, para o restabelecimento dessa barreira, é proposto o diálogo como fonte efetiva de resolução dos conflitos familiares, já que, com ele, haverá a manutenção dos laços sociais pré-existentes, com a finalidade de que haja uma boa convivência social, o qual será analisado no capítulo quarto.

Na sequência, o capítulo quinto trará uma discussão sobre a efetividade do sistema jurídico brasileiro na resolução de conflitos. Esse sistema, tal como se encontra hoje, em seu aparato apenas formalista que subjuga o ser humano e sua subjetividade, não se mostra efetivo para a transformação das lides familiares.

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E, para solucionar tal lacuna, estão surgindo novas formas de resoluções de conflitos familiares.

Por fim, no capítulo sexto será analisado o instituto da mediação e sua efetivi-dade para o enfrentamento das contendas familiares. Assim, passar-se-á a análise de cada um desses tópicos, a fim de estabelecer uma inter-relação entre a media-ção e o Direito das Famílias, sobrelevando o estabelecimento do diálogo entre as partes com a intenção de lograr uma real efetividade no mundo social, transformando os conflitos em algo promissor e vantajoso para todos os indivíduos e não adversarial, como a cultura ocidental propala.

2. Famílias na pós-modernidade

A pós-modernidade é uma época definida por sua fragmentação, seu multiculturalismo, seu pluralismo, suas constantes mudanças, sua flexibilidade. É um período que, acompanhando o desenvolvimento da sociedade, tem como marco valorativo a pessoa humana, a qual passa a ser vista em sua singularidade e de acordo com os próprios anseios. Neste cenário, considerar a família como uma instituição perene e imutável torna-se ultrapassado, já que o ser humano, criativo por excelência, sempre modifica sua forma de inter-relacionar; de compartilhar afetos; de amar.

A constituição de uma família deve ser considerada como informal, ou seja, não há uma forma estanque para que ela seja estabelecida. Diante disso, os diversos autores na área familiarista, destacando-se Maria Berenice Dias, denominam esse ramo da disciplina jurídica como Direitos das Famílias, já que há inúmeras formas de constituí-las para a promoção do lócus fundamental do direito atual – a pessoa.

Nessa família, destaca-se a concepção eudemonista, a qual tem em vista a busca pela felicidade, a proeminência do amor, o destaque para a solidariedade e o reconhecimento do afeto como forma de designar a família3, enfim, visa à realização plena do ser humano por meio da reafirmação de sua dignidade.4

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Neste sentido, Cristiano Chaves de Farias sintetiza que:

A família da pós-modernidade, forjada em laços de afetividade, sendo estes sua causa originária e final, tem o propósito de servir de motor de impulsão para a afirmação da dignidade das pessoas de seus componentes, tratando-se do locus privilegiado, o ambiente propício, para o desenvolvimento da personalidade humana em busca da felicidade pessoal e não mais como instituição merecedora de tutela autônoma, justificada por si só, em detrimento, não raro, da proteção humana.5O afeto também é usado como fator de definição do arranjo familiar por César Fiuza e Luciana Costa, os quais descrevem que “em todos os lares onde houver pessoas ligadas, seja por laços de sangue ou não, unidas pelo afeto, pelo plano de concretização das aspirações de cada uma delas e daquele núcleo como um todo, concatenadas e organizadas econômico e psicologicamente, haverá uma família”.6Em uma perspectiva filosófica, Gilles Lipovetsky dispõe que essa era é de expansão dos direitos subjetivos, o que também reflete na família que se torna um instrumento de promoção de direitos e aspirações subjetivas em detrimento de obrigações. Assim, “o extraordinário crescimento dos direitos individualistas depreciou tanto as obrigações morais do casamento quanto a da prole numerosa”7.

Diante disso, flexibilizaram-se as características da família na pós-modernidade, tanto que já se torna viável “fazer a montagem ou a desmontagem da mesma enquanto instrumento de realização pessoal das pessoas. Aquilo que antes era uma instituição obrigatória metamorfoseou-se agora em instituição de gênero emotivo e elástico”.8A antiga família autoritária, patrimonializada, estratificada e institucionalizada, cedeu lugar a uma família afetiva, a qual se baseia na livre escolha e na proteção, tornando-se espaço privilegiado de busca pela felicidade.9

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Essa abordagem filosófica é corroborada por alguns estudiosos do direito que também concluem sobre a existência dessa pluralidade familiar a fim de haver uma adaptação às diversas nuances da realidade social. Adriana Caldas do Rego defende que essa forma plural e menos conservadora, como outrora, se torna mais democrática e humanizada e menos autoritária, pois tem como fim a valorização do homem e o respeito de seus direitos humanos.10No mesmo sentido conclui Cláudia Lima Marques, que relata que a época pós-moderna é marcada por essa pluralidade, na qual há “apenas um singular: o indivíduo”11.

De forma didática, Giselda Maria Hironaka dispõe as características dessa família:

Os relacionamentos familiares contemporâneos – quer no nível da conjugalidade, quer no nível da parentalidade – se baseia na primazia do amor, e suas características principais poderiam assim ser enumeradas: a) são relações que se valorizam por si mesmas e não por condições exteriores da vida social e econômica; b) são relações que primam pelo que podem trazem de bom para cada um dos membros do núcleo familiar envolvidos; c) organizam-se pelo viés reflexivo, no qual a comunicação é aberta e tem base contínua; d) são relações que tendem a se verem mais focadas na intimidade, na cumplicidade, na confiança mútua; e) são relações que transformam a obrigação do contrato constante em compromisso ético entre o seus partícipes.12Desse modo, a família se caracteriza por uma aglomeração de pessoas ligadas por vínculos afetivos, os quais podem ser consanguíneos ou não, tendo como finalidade propiciar o desenvolvimento integral da personalidade de seus integrantes, em busca da própria realização. A família, por consequência, constitui-se como a unidade fundamental da sociedade, sendo meio de veiculação de afeto e solidariedade entre os indivíduos.13

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Destaca-se, ainda, a perspectiva de Maria Celina Bodin de Moraes, para quem a família contemporânea torna-se cada vez menos organizada, menos hierarquizada e independente de laços sanguíneos, para se basear apenas em sentimentos e valores comuns.14Este modelo de família é caracterizado por ela como um modelo democrático, em que há a marca da pluralidade e que a dignidade de seus membros é tutelada e respeitada.15Por conseguinte, a família pós-moderna não observa formalidades; pauta-se no afeto; no amor. Tem como finalidade precípua a promoção dos indivíduos que a compõem. Neste mesmo período, expandem-se os direitos subjetivos da pessoa humana, a fim de integralmente protegê-la. Para acolher essa pluralidade, o ordenamento jurídico brasileiro busca proteger a família de forma especial, qual seja, nas pessoas de seus membros, por meio do diálogo de fontes, considerando todos os direitos humanos e fundamentais com ela envolvidos, com o propósito de que a personalidade individual seja resguardada, em especial quando se tratar de situações que envolvam vulnerabilidade.

3. Os conflitos familiares

As famílias contemporâneas são vistas como instrumento de realização da pessoa, como foi bem abordado no capítulo antecedente. Essa unidade familiar nem sempre permanece em um estado de paz perpétua, pois o ser humano é marcado por conflitos, sejam eles internos ou externos. Logo, a família se torna o primeiro palco para os descontroles emocionais, afetivos...

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