As consequências da livre estipulação no contrato de trabalho: uma análise do parágrafo único do art. 444 da CLT introduzido pela Lei n. 13.467/2017

AutorMárcio Flávio Salem Vidigal
Páginas211-221
AS CONSEQUÊNCIAS DA LIVRE ESTIPULAÇÃO NO CONTRATO DE TRABALHO
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AS CONSEQUÊNCIAS DA LIVRE ESTIPULAÇÃO NO CONTRATO DE TRABALHO: UMA ANÁLISE DO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 444 DA CLT INTRODUZIDO PELA LEIN. 13.467/2017
Márcio Flávio Salem Vidigal(*)
(*) Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região. Especialista em Direito do Trabalho – Materialidade, Instrumentalidade e
Efetividade. Doutor em Autonomia Individuale e Autonomia Collettiva pela Universidade de Roma II – Tor Vergata – Itália. Doutor em Direito.
(1) Publicum ius est quod ad statum rei romanae spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem: sunt enim quaedam publica utilia, quaedam privatum
(Ulpiano).
(2) NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de direito civil — teoria geral do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, v. I, p. 418.
1. INTRODUÇÃO
O exame atento do texto do parágrafo único do
em linha de premissa, ao campo da Teoria do Direito na
sua análise específi ca da questão pertinente à clássica
bipartição do Direito em Direito Público e Direito Priva-
do e seus desdobramentos no que tange à dogmática do
Direito do Trabalho.
É que o dispositivo remonta às indagações centrais da
teoria desse ramo do Direito, no aspecto específi co da
identifi cação da sua natureza jurídica e do seu locus no
ordenamento jurídico nacional. Não se trata, é evidente,
de exumar teorias já ultrapassadas no campo teórico e
no próprio plano do direito positivo nacional, mas de
apontar, como refl exão imprescindível e com a maior
clareza possível, a sua real especifi cidade e a particula-
ridade da sua história, com uma breve e inicial incursão
a este propósito, a fi m de que se possa situar, com pre-
cisão, o alcance da alteração operada em razão da intro-
dução do parágrafo por meio da denominada reforma
trabalhista.
Com efeito, a regra original contida no caput do men-
cionado artigo, que permanece e permanecerá em vigor
ainda depois da reforma recém realizada, é resultado
inequívoco do arcabouço dos princípios desse ramo
do Direito e da oscilação teórica e legislativa do tema.
Nessa perspectiva, traduz expressa vinculação aos seus
fundamentos e atrelamento a sua própria gênese fi nalis-
ta e teleológica, gravitando em torno do que sempre se
discutiu na esfera do Direito do Trabalho e se formou
historicamente no que respeita ao seu caráter público
ou privado, em conexão direta com as teorias relativas
ao espectro empregatício.
Assim, no âmbito da visão dicotômica do Direito, de-
corrente da clássica summa divisio entre Direito Público
e Direito Privado — atualmente abalada pela doutrina
das mais variadas disciplinas jurídicas —, muito se dis-
cutiu, de forma contundente, sobre a precisa indepen-
dência (oposição?) de cada um, com a adoção de inúme-
ras teorias para distingui-los e apartá-los, até que, con-
quanto tradicional, a divisão passou a ser considerada
como arbitrária para muitos doutrinadores, embora nem
sempre se tenha pensado dessa forma. Ao contrário —
ainda que não se considere a clássica máxima a respeito
do tema(1) —, já se chegou a afi rmar que sem o Direito
Público não seria possível o Direito Privado.
O enfoque bipartido, atualmente debilitado e por
muitos repudiado, em razão das mutações sociais e his-
tóricas que incidem decisivamente sobre a Teoria do
Direito, já não é capaz de impedir a interconexão e a in-
terpenetração entre as duas esferas, notadamente quan-
do se verifi ca a hodierna inserção de matérias típicas do
Direito Privado em diplomas legais de caráter público,
como é o caso, no Brasil, da extensa disciplina sobre re-
lações privadas na Constituição de 1988 e a adoção de
concepções oriundas do Direito Público em situações
jurídicas típicas do Direito Privado. Há, no mínimo, ní-
tido abrandamento da dicotomia entre as duas esferas,
dado que, como áreas do Direito que são “o Direito Pú-
blico e o Direito Privado têm, evidentemente, pontos de
conexão”(2), resultando no fenômeno da publicização do
Direito Privado. Do mesmo modo que, como é sabido,
o Direito Público sofre o impacto das normas de Direito
Privado para disciplinar a sua atividade nas suas rela-
ções e externas.
As refl exões a propósito da matéria, portanto — ain-
da que se admita certa pureza em aspectos pontuais nas
áreas pública e privada —, já não se inseririam em es-
feras limitadas, herméticas e voltadas de modo exclusi-
vo para cada uma delas. Como assinala Michele Costa
da Silveira, “[...] se os romanos situaram tal distinção
em termos tornados exemplares, mantiveram, como se

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