A intertemporalidade e a incorporação da gratificação de função

AutorMônica Sette Lopes
Páginas261-268
A INTERTEMPORALIDADE E A INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO261
A INTERTEMPORALIDADE E A INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO
Mônica Sette Lopes(*)
(*) Professora associada da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Doutora em
Filosof‌i a do Direito.
PARA COMEÇAR, UMA HISTÓRIA (OU VÁRIAS)
Em meados dos anos 80, uma ação trabalhista foi
proposta contra a Caixa Econômica Federal. O autor
tinha exercido por mais de dez anos uma função comis-
sionada na empresa, recebendo a gratif‌i cação respectiva
e, àquela altura de sua vida prof‌i ssional, fora afastado
dela, retornando ao cargo originário e perdendo o valor
acrescido a seu cargo de origem. A pretensão deduzida
na ação trabalhista era a incorporação da gratif‌i cação re-
cebida por mais de dez anos. A ação, proposta perante a
Justiça Federal, competente à época, foi julgada impro-
cedente. Houve recurso para o então Tribunal Federal
de Recursos, o qual foi julgado, já em meados dos anos
2000, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e foi
provido para condenar a Caixa Econômica Federal aos
desdobramentos da incorporação da verba. Sobre essa
decisão incidiram os efeitos da coisa julgada.
Iniciada a execução, a primeira dif‌i culdade adveio da
constatação de que o autor falecera. Sua f‌i lha descobriu-
-se então herdeira dos valores devidos em razão daquela
condenação.
Neste caso, em que me embrenhei quando o destino
encaminhou a necessidade de fazer contatos para loca-
lizar aquela herdeira, o tempo foi essencial para conso-
lidar o sentido de uma situação jurídica. Se não fosse a
demora excessiva (absurda mesmo) no julgamento do
recurso, teria sido bastante provável a manutenção da
sentença de 1º grau, com a improcedência do pedido.
Na história, portanto, está a dimensão interpretativa
de um tribunal que, a partir da Constituição de 1988,
deixou de ser competente para a apreciação de ações tra-
balhistas contra a Caixa Econômica Federal. Está tam-
bém a correspondência com o sentido de interpretação
que foi passando a ser adotado pela Justiça do Traba-
lho no que concerne às gratif‌i cações de função e à sua
incorporação. Está a compreensão de que ela compõe
uma situação jurídica estabilizada no tempo e introjeta o
princípio da irredutibilidade de salário associado à ideia
de continuidade da relação jurídica.
Essa singela narrativa, comezinha que seja, é bastan-
te ilustrativa das questões que se colocam para exame
neste texto que se apresenta à ref‌l exão. Seu objetivo é
tratar da transformação do parágrafo único do art. 468
da CLT em art. 1º, e a introdução do art. 2º com a mo-
dif‌i cação da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei
n. 13.467, de 13.7.2017:
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a
alteração das respectivas condições por mútuo consentimento,
e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamen-
te, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula
infringente desta garantia.
§ 1º Não se considera alteração unilateral a determinação do
empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo
efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de fun-
ção de conf‌i ança.
§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo
motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do
pagamento da gratif‌i cação correspondente, que não será incorpo-
rada, independentemente do tempo de exercício da respectiva fun-
ção.” (Grifos nossos nas partes alteradas em relação à redação
anterior da CLT).
A conexão que se estabelece entre o caso e a alteração
legislativa introduzida pela Lei n. 13.467/17 está em que
ela revela o percurso interpretativo de uma situação ju-
rídica, a partir de um mesmo quadro de previsão legal,
que agora ganha um conteúdo que é de taxativa vedação
ou, pelo menos, de explícita impossibilidade de se exigir
a manutenção do padrão remuneratório, se não houver
outra regra (norma coletiva, regulamento de empresa,
contrato de trabalho) que a preveja.
Repare-se, na redação dada ao § 2º do art. 468, o
volume de palavras a indicar negação (“não assegura”,
“não será incorporada”, “independentemente do tempo
de exercício da respectiva função”). A intenção do legis-
lador foi deixar estampada a diretiva para a relação entre
empregador e empregado que tenha percebido gratif‌i -
cação.
Procura-se reintroduzir um entendimento que estava
na origem desse segmento de interesse na relação de em-
prego e que viceja em torno da alegada existência de ati-

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