Representação dos empregados nas empresas à luz dos arts. 510-A a 510-D introduzidos na CLT pela Lei n. 13.467/2017: uma leitura possível a partir das normas internacionais do trabalho e da Portaria MT n. 349/2018

AutorTarcísio Correa de Brito
Páginas295-314
REPRESENTAÇÃO DOS EMPREGADOS NAS EMPRESAS À LUZ DOS ARTS. 510-A A 510-D
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REPRESENTAÇÃO DOS EMPREGADOS NAS EMPRESAS À LUZ DOS
ARTS. 510-A A 510-D INTRODUZIDOS NA CLT PELA LEIN. 13.467/2017: UMA LEITURA POSSÍVEL
A PARTIR DAS NORMAS INTERNACIONAIS DO TRABALHO E DA PORTARIA MT N. 349/2018
Tarcísio Correa de Brito(*)
Às vezes tenho a impressão de que o Brasil está em eterna reforma e talvez nunca conclua o edifício tão sonhado por
nossos antepassados e por nossa geração. Reforma-se de tudo, a todo instante, numa ansiedade que chega a oprimir
a respiração de quem observa. Reformamos o velho e o novo, o errado e o certo. Reformamos o telhado sem terminar
o alicerce, a fachada sem ter concluído as paredes, as vidraças sem que ainda haja portas. Somos o país em que as
benfeitorias voluptuários são compradas antes das úteis e necessárias. Também tenho tido pesadelos em que a gente
passa a fazer a reforma só pela reforma, sem um projeto de longo prazo e sem a construção de um pensamento nacional
capaz de nos unir e de alavancar a ética e o respeito mútuos, valores que atualmente parecem conversa de lunáticos.
(Homero Batista Mateus da Silva, in Comentários à Reforma Trabalhista, 2017)
“É, dizem que não é pra você
Essa história de vencer
E sonhar e conquistar
Eu digo que é pra você
Essa história de vencer
De sonhar e conquistar
Eles querem forjar heróis
Pra manter o povo sem voz
É o soco no queixo, lapada no beiço
O tambor de criola merece respeito
Duro é saber que o país que almejo
Já foi vendido por um baixo preço
Então façam das  ores navalhas
Que farei das canções baionetas
A verdade é o todo e o todo é povo
Meu povo é sofrido e não foge da luta
Pois em casa de menino de rua
O último a dormir apaga lua
Vai, que eu quero encontrar este lugar
E possa dizer: “valeu a pena essa porra de vez!”
Vai ser assim, senhor” VAI SER ASSIM, Crioulo
(*) Juiz do Trabalho do TRT3 desde 1998. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá, 2002. Mestre
em Filosof‌i a do Direito pela Faculdade de Direito da UFMG, 2002. Mestre em relações internacionais, opção política internacional pela Universidade
de Paris II, Panthéon-Assas, 2004. Estudos doutorais em Direito Internacional Público pela Universidade de Paris II, Panthéon-Assas, 2004-2010.
(1) GOTTSCHALK, Elson. A participação do empregado na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1996; SILVA, Walkure Lopes Ribeiro da. Representação e participação
dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1998; SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos
locais de trabalho. São Paulo: LTr, 2000; KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Das práticas anti-sindicais às práticas anti-representativas: sistemas de combate e a
tutela de representações coletivas de trabalhadores. São Paulo: LTr, 2005; PEDREIRA FILHO, Waldemar Santos. Comissões de fábrica: um claro enigma. Cad. Est.
Soc. Recife, v. 14, n. 1, p. 117146, jan./jun. 1998. Disponível em: .br/index.php/CES/article/viewArticle/467&gt>. Acesso
em: 25 jul. 2017; RAGHI, Luiz Vagner; MARRAS, Jean Pierre. A representação no local de trabalho: uma análise contemporânea do ABC paulista. Disponí-
vel em: . Acesso em: 25 jul. 2017; CASAGRANDE, Cássio. A reforma
sindical e a representação dos trabalhadores no local de trabalho e na justiça. Disponível em: .soc.puc-rio.br/cedes/PDF/cidadaniatrabalho/
reforma%20sindical.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2012.
(2) ROMITA, Arion Sayã o. Representantes dos trabalhadores: proteç ã o e facilidades. Revista de Direito do Trabalho, n. 77, 1992, p. 38-42. no mesmo
sentido: SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃ O, Dé lio; VIANA, Segadas. Instituiç õ es de direito do trabalho. v. 1, 11. ed., 1991 e NASCIMENTO, Amauri
Mascaro. Comentá rios à s leis trabalhistas. v. 1, 2. ed. Sã o Paulo: LTr, p. 180. FERRARI, Irany. As atribuiç õ es do dirigente sindical e do representante dos
empregados criado pela Constituiç ã o Federal de 1988. In: Relaç õ es coletivas de trabalho. Sã o Paulo: LTr, 1989. p. 159.
(3) SILVA, Antônio Alvares da. Cogestão no estabelecimento da empresa. São Paulo, LTr, 1991. BARROS, Alice Monteiro de. Representante dos
empregados no local de trabalho. Revista do TRT3, Belo Horizonte: ano 28, n. 58, p. 179-188, jan./dez. 1998. “Antonio Alvares vem defendendo
Os temas da cogestão(1) e da representação dos traba-
lhadores(2) na empresa já mereceram a análise penetran-
te da doutrina nacional, entre os anos de 1990 e 2012.
No âmbito do TRT3, dois grandes doutrinadores(3) do
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Direito do Trabalho já contribuíram igualmente para a
discussão, trazendo esclarecimentos, inclusive, do direi-
to comparado para percepção e para o enquadramento
desses institutos. A Reforma Trabalhista de 2017, entre-
tanto, trouxe o tema à atualidade do debate nacional,
diante da evidente tentativa de regulamentação do
art. 1 1 da CF/88, procurando formalizar a participação
efetiva dos trabalhadores na autocomposição dos conf‌l i-
tos trabalhistas e no processo democrático de gestão nas
empresas, introduzindo na CLT os arts. 510-A a 510-D.
Em 14 de novembro de 2017, com o intuito de adequar
vários pontos da Lei n. 13.467/17, o Presidente da Repú-
blica Michel Temer editou a Medida Provisória n. 808/17
versando sobre vários pontos polêmicos, dentre os quais,
estabelecendo os limites da relação entre a comissão de
representantes dos empregados e a entidade sindical, por
intermédio do art. 510-E. Entretanto, após curto lapso de
vigência, por não ter sido convertida em Lei pelo Con-
gresso Nacional, a MP n. 808/17 perdeu vigência, restau-
rando-se as modif‌i cações originais implementadas pela
Na sequência, em 24 de maio de 2018, foi publicada a
Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego n. 349/18,
nos termos do art. 87, parágrafo único, II, prevendo em
seu art. 8º, em termos similares ao art. 510-E(4) da MP que:
Art. 8º A comissão de representantes dos empregados a que
se refere o Título IV-A da Consolidação das Leis do Trabalho
não substituirá a função do sindicato de defender os direitos
e os interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive
em questões judiciais ou administrativas, hipótese em que será
obrigatória a participação dos sindicatos em negociações cole-
tivas de trabalho, nos termos dos incisos III e VI do caput do
Por f‌i m, o até mesmo desnecessário art. 8º da Porta-
ria MTE n. 349/18 em nada inova: a representação dos
empregados por meio das denominadas “comissões de
há décadas a instituição do sistema de cogestão, forma mais evoluída e participativa de inf‌l uência e coatuação nas decisões empresariais, permitindo-se
a ruptura de uma estrutura monocrática decisional, “protegendo o empregado contra o poder de direção unilateralmente exercido pelo empregador,
além de permitir-lhe a participação na organização e direção da empresa e do estabelecimento”. É certo que a “nova” Consolidação das Leis do Trabalho,
ainda não prevê tal tipo de participação, e sim tão somente a previsão de atuação para “entendimento direto’ com os empregadores, mas nada impede
que se evolua, a partir dessa comissão instituída pela recém-chegada lei, para um sistema em que se inclua a cogestão na empresa e no estabelecimento,
conforme propalado pelo eminente jurista”. SOUZA JUNIOR et al., 2017: 249.
(4) Art. 510-E. “A comissão de representantes dos empregados não substituirá a função do sindicato de defender os direitos e os interesses coletivos ou
individuais da categoria, inclusive, em questões judiciais ou administrativas, hipótese em que será obrigatória a participação dos sindicatos em nego-
ciações coletivas de trabalho, nos termos dos incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição”. Texto da antiga MP n. 808/17.
(5) MARTINS, 2016:60.
(6) Quanto à previsão do paragrafo único do art. 444, introduzido pela Lei n. 13.467/17, entendo que a ef‌i cácia (liberatória) legal e a preponderância da
negociação individual sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual
ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência, não afasta a aplicação da teoria dos vícios do consentimento,
conforme disposto nos arts. 4º, II e IV; 138 a 177; 166-167-177, I e II do Código Civil c/c art. 8º da CLT; arts. 9ºe 468 da CLT; art. 1º, III e IV; 3º, I, III e IV;
4º, II; 7º, VI, XIII, XIV (vedação da negociação individual) da CF/88, resguardando a aplicação dos princípios in dubio pro misero e da irrenunciabilidade.
Prevalece a melhor interpretação do art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica, na busca da compatibilidade entre as fontes heterônomas e autônomas,
por intermédio da interpretação pro homine.
(7) NADÈGE, 2010:16. No contexto de um mercado f‌l exível de trabalho, não se poderia negligenciar a perspectiva econômica da lógica de f‌l exibilização
que impacta esse “equílibrio particular”, como aponta Charles Nadège em sua tese de doutoramento: a f‌l exibilidade funcional (adaptação rápida da mão
de obra de acordo com a demanda de produção); a f‌l exibilidade numérica (permite a variação do efetivo da força de trabalho, conforme as demandas do
mercado, na formalização, por exemplo, de contratos a tempo parcial e intermitentes); e a f‌l exibilidade da gestão (permitindo admitir e dispensar com
o mínimo custo e com reduzidos entraves). As comissões de representantes das empresas terão que enfrentar seriamente, problematizando, os limites
dessa modernização das relações laborais. (Ibidem, p. 19)
(8) SILVA, Elizabet, 2017:66
fábrica” (arts. 510-A a 510-B da CLT) não tem o condão
de substituir os sindicatos como legítimos representan-
tes das categorias prof‌i ssionais, mormente no estabeleci-
mento de acordos coletivos e de convenções coletivas de
trabalho. Assim é, visto que tais garantias estão expres-
samente previstas no art. 8º, caput, e incisos III e VI, da
Na visão de Sérgio Pinto Martins, o pluralismo acaba
sendo o contrapeso ao poder incondicionado do Estado,
uma espécie de descentralização do Direito, implicando
a diversidade de sistemas jurídicos(5), assumindo o mo-
delo negociado, caráter democrático e pluralista, com
elevado teor de ef‌i cácia social. No contexto da autono-
mia privada coletiva reconhece-se aos grupos, dentre
os quais, os trabalhadores, o poder de manifestação de
acordo com os próprios interesses, suportando, de per
se, entretanto, as consequências de suas escolhas, na res-
posta à dicção do art. 444 da CLT(6).
Sabe-se que o direito do trabalho pode ser considera-
do como um instrumento de equilíbrio das relações de
trabalho a serviço de uma determinada política econô-
mica e social(7), objetivando conciliar esses imperativos,
sem reconhecer, com isso, um certo caráter reducionis-
ta de sua importância. Dele dependem a edif‌i cação dos
vínculos contratuais que unem a empresa aos trabalha-
dores e a organização do diálogo social para a preserva-
ção de um mínimo de harmonia, na empresa e em sua
periferia, essencial para evitar tensões e conf‌l itos sociais
na seara da relação de trabalho.
Certo é que, na defesa da “autonomia coletiva” há
uma “discursiva pretensão” no sentido de resguardar-
-se a harmonia, o equilíbrio democrático e a paz nas
relações laborais, no estabelecimento de parcerias en-
tre os sujeitos da relação de trabalho(8), com base em
uma potencial convergência de interesses, baseadas na

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