O dano extrapatrimonial trabalhista após a Lei n. 13.467/2017

AutorSebastião Geraldo de Oliveira
Páginas166-183
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SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA
O DANO EXTRAPATRIMONIAL TRABALHISTA APÓS A LEIN. 13.467/2017
Sebastião Geraldo de Oliveira(*)
(*) Desembargador do TRT da 3ª Região. Mestre em Direito pela UFMG. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros e
artigos sobre saúde do trabalhador e acidente do trabalho.
(1) A reforma trabalhista entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017 em razão dos critérios de contagem de prazo estabelecidos na Lei Complementar
n. 95/1998, cujo art. 8º estabelece: “Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela
se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. § 1º A contagem
do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo,
entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. § 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta
lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação ofi cial’.”
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A reforma trabalhista foi aprovada pela Lei n. 13.467,
de 13 de julho de 2017, para vigorar 120 dias após a sua
publicação, ocorrida no dia 14 de julho de 2017. Então,
desde 11 de novembro de 2017 está em vigor no Brasil
praticamente uma nova CLT, cuja alteração foi a mais
profunda ocorrida desde a sua promulgação ofi cial em
maio de 1943(1).
No dia 14 de novembro de 2017 foi publicada em edi-
ção extraordinária do Diário Ofi cial da União a Medida
Provisória n. 808, a qual promoveu diversas alterações
no texto legal já reformado. Desse modo, a normatiza-
ção do dano extrapatrimonial trabalhista, que entrou em
vigor no dia 11 de novembro de 2017, já sofreu altera-
ções em dois artigos (223-C e 223-G), com vigência a
partir do dia da publicação da referida Medida Provisó-
ria, em 14 de novembro de 2017.
Contudo, a referida Medida Provisória n. 808/2017
não foi convertida em lei no prazo fi xado pelo art. 62
da Constituição e, como consequência, perdeu sua efi -
cácia desde o dia 24 de abril de 2018. Conforme prevê
a Constituição da República no art. 62, § 3º, o Congres-
so Nacional deveria disciplinar, por decreto legislati-
vo, os efeitos produzidos pela Medida Provisória não
convertida em lei, durante o seu período de vigência, o
que, todavia, não ocorreu.
E como fi cam os atos jurídicos praticados durante o
período da sua vigência, ou seja, as lesões por danos ex-
trapatrimoniais ocorridas no período de 14 de novem-
bro de 2017 a 23 de abril de 2018? A resposta pode ser
encontrada no mesmo art. 62, § 11, da Constituição que
estabelece: “Não editado o decreto legislativo a que se refe-
re o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de efi cá-
cia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas
e decorrentes de atos praticados durante sua vigência con-
servar-se-ão por ela regidas.”
Como se vê, por expressa previsão constitucional, as
lesões a respeito do dano extrapatrimonial ocorridas no
período de 14 de novembro de 2017 a 23 de abril de
2018 deverão ser apreciadas considerando as disposi-
ções da Medida Provisória n. 808/2017, em harmonia
com o vetusto princípio do tempus regit actum. Desse
modo, vamos mencionar com frequência as previsões
da referida Medida Provisória n. 808/2017 que produziu
efeitos nos 161 dias em que esteve em vigor.
Assumimos o encargo de abordar, nesta obra, o tema
dos danos extrapatrimoniais oriundos da relação de tra-
balho. Trata-se de uma das mudanças mais impactan-
tes da reforma trabalhista de 2017 tanto pela novidade
do regramento, quanto pela pretensão do legislador de
introduzir um microssistema exclusivo para os danos
morais trabalhistas, com previsões destoantes da prin-
cipiologia há muito sedimentada na teoria geral da res-
ponsabilidade civil.
O nosso desafi o, portanto, é analisar a confi guração
peculiar dos danos extrapatrimoniais nas relações de
trabalho e os possíveis rumos hermenêuticos dessa nova
regulamentação.
Entretanto, a prudência recomenda registrar que este é
apenas um olhar provisório, ainda sob o impacto do pri-
meiro ano da mudança, sem o tempo de maturação neces-
sário para apreender toda a extensão e os desdobramentos
que poderão ocorrer. É possível que, mais tarde, após as
devidas acomodações da novidade no ordenamento jurí-
dico brasileiro, doutrina e jurisprudência possam divisar
outras interpretações mais adequadas sobre o conteúdo e
o alcance do dano extrapatrimonial trabalhista.
2. UM NOVO TÍTULO NA CLT: “DO DANO
EXTRAPATRIMONIAL
A CLT foi aprovada há mais de 70 anos numa época
em que nem se cogitava sobre a reparação dos danos
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extrapatrimoniais. Prevalecia a visão patrimonialista do
direito, muito distante da valorização atual da dignidade
da pessoa humana, proclamada com ênfase na Consti-
tuição da República de 1988.
Como nunca tivemos no Brasil um Código do Traba-
lho para disciplinar detalhadamente todos os direitos do
trabalhador, a CLT estabeleceu expressamente no art. 8º
o direito comum como fonte subsidiária, quando hou-
vesse compatibilidade com os princípios protetores do
direito do trabalho.
Com efeito, desde que a ciência jurídica acolheu a
proteção dos direitos da personalidade, o trabalhador
direito civil e em outros ramos do direito as bases para
fundamentar os pedidos de indenização por danos mo-
rais em decorrência do contrato de trabalho.
A reforma trabalhista de 2017 introduziu o Título
II-A na CLT para tratar exclusivamente do “Dano ex-
trapatrimonial”, composto por sete artigos, quais sejam:
223-A até 223-G. Topografi camente, o novo título foi
inserido entre o Título II, que trata das normas gerais de
tutela do trabalho, e o Título III, que trata das normas
especiais de tutela do trabalho.
Como se verifi ca, para dar maior realce às disposições
normativas a respeito do dano extrapatrimonial, foi intro-
duzido como categoria de agregação um título adicional na
CLT, demonstrando a pretensão do legislador de criar um
disciplinamento específi co e bem peculiar para o tema dos
danos extrapatrimoniais individuais na seara trabalhista.
3. A INOVAÇÃO TERMINOLÓGICA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL
Não há dúvidas quanto à denominação dos danos que
lesam o patrimônio, com valor pecuniário: são os danos
patrimoniais ou danos materiais.
Entretanto, a percepção de novos danos na esfera de
interesses não patrimoniais gerou múltiplas denomina-
ções e variações terminológicas conforme o ordenamento
jurídico de cada país. Para indicar o mesmo fenômeno
encontramos, dentre outras, as denominações de dano
imaterial, dano moral, dano não patrimonial, dano ex-
trapatrimonial, dano à pessoa. E como espécies dessas
denominações genéricas há também diversas denomi-
nações, tais como: dano à vida, à integridade física, à
saúde, ao projeto de vida, à vida de relação, existencial,
biológico, estético, sexual, à intimidade, ao nome, à
honra, à imagem, psíquico etc.
Do ponto de vista estritamente terminológico, de fato, a
expressão “dano extrapatrimonial” é mais precisa porque
(2) NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. V. I. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 567.
(3) MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. Porto
Alegre, v. 19, p. 194, mar. 2001.
abrange todos os danos que não têm expressão econômi-
ca, mas são passíveis de reparação. Afi rma o jurista Fer-
nando Noronha que só a designação “extrapatrimonial”
deixa claro que unicamente terá esta natureza o dano sem
refl exos no patrimônio do lesado. Aduz ainda que nem
sempre o dano extrapatrimonial tem natureza moral: a
palavra moral tem carregado conteúdo ético e o dano ex-
trapatrimonial não tem necessariamente esse conteúdo(2).
No mesmo sentido, aponta a Professora Judith Mar-
tins-Costa que “sendo mais ampla a expressão danos
extrapatrimoniais inclui, como subespécie, os danos à
pessoa, ou à personalidade, constituídos pelos danos
morais em sentido próprio (isto é, os que atingem a
honra e a reputação) os danos à imagem, projeção social
da personalidade, os danos à saúde, ou danos à integri-
dade psicofísica, inclusos os danos ao projeto de vida, e
ao livre desenvolvimento da personalidade, os danos à
vida de relação, inclusive o prejuízo de afeição e danos
estéticos. Inclui, ainda, outros danos que não atingem o
patrimônio nem a personalidade, como certos tipos de
danos ambientais.”(3).
Apesar do acerto terminológico e de estar a deno-
minação “dano extrapatrimonial” em sintonia com a
doutrina mais avançada do direito dos danos, achamos
inoportuna ou mesmo inconveniente a sua positivação
na CLT. A denominação dano moral, ainda que não seja
a mais precisa, já consolidou raízes profundas na cul-
tura jurídica brasileira, tanto na lei como na doutrina
e jurisprudência. Tentar renomear uma fi gura jurídica
de estatura constitucional por simples lei ordinária trará
mais confusão que esclarecimento ou, talvez, legitima-
rá a pretensão de se criar um dano moral mitigado na
esfera trabalhista. Seria preferível manter a tradição e a
terminologia acolhida há quase três décadas pela Cons-
tituição, base fundamental para o fl orescimento dos di-
reitos da personalidade no Brasil.
É verdade que a precisão de linguagem na ciência ju-
rídica deve ser buscada para evitar expressões equívocas
que geram embaraços de compreensão e difi culdades
na aplicação da norma. A própria Lei Complementar
n. 95/1998, que trata da elaboração e redação das leis,
recomenda no art. 11 que sejam usadas as palavras e
expressões em seu sentido comum ou técnico, de modo
a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a per-
mitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e
o alcance que o legislador pretendeu dar à norma.
Entretanto, a própria Constituição da República de
1988, que consagrou de vez a indenização dos danos
não patrimoniais, a fonte normativa e principiológica de

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