Contornos éticos, morais e jurídicos da vontade do estado em prestar refúgio com acesso ao trabalho decente

AutorEduardo Antonio Temponi Lebre
Páginas86-96

Page 86

Eduardo Antonio Temponi Lebre1

1. Apresentação

Em primeiro lugar, apresta-se entender os fatos e, depois, interpretá-los por uma filosofia para uma análise parcial da condição do refugiado em relação à liberdade de trabalho, o refúgio é gerado por causa da situação de necessidade extrema de perigo de morte de pessoas atingidas por eventos catastróficos, como a guerra, a tirania (guerra civil) ou a falência do Estado em face de desastres naturais ou socioeconômicos. Atende aqui à questão filosófica como metodologia escolhida, porque ela não se preocupa com justificativas ou ameniza-ções ideológicas sobre as falhas do Governo do Estado. Ao contrário, a filosofia é capaz de levar à essência do problema, ficar na superfície dele não é o objeto deste trabalho. O problema é a repercussão trabalhista da concessão de refúgio para as partes interessadas e de como a ética, a moral e o direito estão implicados nesse complexo jogo político para os refugiados.

Então, considerando-se o poder soberano do Estado, uma decisão de admitir a imigração de pessoas oriundas de países em conflito passa a envolver a análise de variáveis, dentre elas, as que se iniciam pela segurança nacional, saúde, educação, emprego e moradia. Trata-se, portanto, de uma investigação parcial de uma equação complicada, na qual se deve observar todo o fenômeno social e não somente o estrito problema da geração de emprego para os trabalhadores refugiados que estão vulneráveis, uma vez que são provenientes de zonas mundiais de conflitos internacionais ou lugares em gravíssima crise humanitária. Sendo, a priori, uma questão política, há que se considerar a aplicação da justiça democrática como forma de controle do poder, conforme explica LEBRE2, o Poder "inicia-se com uma criteriosa construção, por etapas do conhecimento, onde se insere tanto o Direito quanto a Política." A busca intelectual pela totalidade do conhecimento acerca da Justiça não é tarefa fácil, uma vez que depende de uma visão completa do comportamento humano em todos os sentidos necessitando, pois, do auxílio de outras especialidades científicas e filosóficas. Não menos importante, porém, é o estudo da Justiça enquanto objeto a partir de uma delimitação metodológica de alguns pontos específicos, aqui o ponto a ser definido como ético pela sociedade pode divergir da moral e do direito, ou haver coincidências.

Como o Estado deve apresentar para o povo uma decisão política, que envolve compromissos das mais diversas ordens, como é o caso do refúgio, começando pela origem e a natureza jurídica do fenômeno social que gerou a necessidade de deslocamentos humanos, de que forma o Estado tratará uma grande movimentação na sua fronteira, são manifestações do poder soberano, na qual se insere, inevitavelmente, o debate sobre a liberdade de trabalho dos refugiados no solo estrangeiro, ou seja, trata-se de obter subsídios jurídicos para concluir se estará ou não garantido o direito ao trabalho para imigrantes em situação de refúgio, isso dito, no contexto socioeconômico na atualidade pós-industrial neste século.

Page 87

A filosofia pode categorizar que o valor maior a ser preservado nos casos de refúgio é a vida, mas, longe não se está de ampliar o debate para a inclusão de outros valores, como os direitos sociais e econômicos.

Como se constrói a decisão política, desde o início do conhecimento do fato pelo Estado, será pelo seu Governo, depois, a discussão repercute no povo que, geralmente, está representado por sistemas eleitorais. A atuação do Governo é fundamental e deve estar, portanto, dentro dos limites impostos pelo seu ordenamento jurídico, por isso, pouco se discute o assunto, mas, nos últimos acontecimentos mundiais, tendo a informação imediata pela rede digital globalizada, como no caso da guerra civil na Síria, onde os fatos extrapolam todos os limites para violações de direitos humanos, agravan-do-se pela quantidade de refugiados, assim sendo, os países europeus não tiveram como tirar esse debate da sociedade.

Ou, noutro continente, no Brasil, que vem agindo em relação à Venezuela, que é um país que está gerando milhares de refugiados, eles estão entrando pela fronteira aberta e passam a residir em cidades brasileiras da região norte, igualmente, não houve como evitar que as informações chegassem ao povo brasileiro e o debate do Governo com a sociedade será inevitável.

Para objetivar o estudo, são duas as situações aqui analisadas, os acontecimentos na Síria X Europa e Brasil X Venezuela. Não que inexistam outros lugares do mundo com conflitos imigratórios, mas, são esses que servirão para o debate proposto.

De maneira geral, sobre os valores éticos e morais que estão em discussão, enfrentam-se diferentes raciocínios, que estão relacionados às novas condições de vida em sociedade dos refugiados, como a família, a religião, a cultura e a memória coletiva, não se trata de ampliar a temática, portanto, há um aspecto em destaque, que é a liberdade de trabalho, ela deve estar presente na conjuntura do tratamento dado para o refugiado, a importância do acesso ao mercado de trabalho para os imigrantes é fundamental, isso será reconhecido como um avanço civilizado.

Diante de uma averiguação ética e moral, na essência do objeto, que é o ser humano submetido ao ato político do Estado, podem-se extrair duas argumentações: I) Um valor ético, que é o de salvar o maior número de pessoas que seja possível, mesmo contando com um prejuízo próprio ou, depois, vir a concorrer para a ineficácia de outras garantias de direitos fundamentais do refugiado, que não seja a sobrevivência. II) Um postulado maior moral, o de dar a melhor qualidade de vida possível para um refugiado, preservando-lhe todos os direitos fundamentais, incluindo-se o direito ao trabalho decente, tendo garantida a igualdade de tratamento trabalhista, ainda que de forma provisória, sem sofrer com o preconceito ou a discriminação, de qualquer natureza, as quais contaminam o valor do salário, reduzindo-o em comparação aos trabalhadores nacionais.

E, como o caso sob análise vai além da salvaguarda da vida humana, que é restabelecida quando se ultrapassa a fronteira do Estado, se não estiver o Governo preparado, poderá ocorrer uma ineficácia de garantias de direitos econômicos e sociais dos refugiados, prejudicada pela falta de tutela trabalhista que levará à exploração de mão de obra estrangeira, que é geralmente feita com aviltamento de salário ou de benefício social.

Na primeira argumentação, o Estado acolhedor estabelece uma prioridade política que assume a forma demagógica quando ele, embora não estando apto a garantir qualquer direito ao refugiado, exceto a salvaguarda da vida naquele momento urgente, assim mesmo, passa a admiti-los em seu território, nesse cenário muito piores serão os direitos trabalhistas das pessoas refugiadas nessas condições, quando, por algum motivo, a fronteira estava sem controle, um fato que facilitou a entrada de milhares de pessoas, sendo inevitável, uma vez em solo estrangeiro, que o refugiado tenha limitações ou supressões de direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de ir e vir, em muitas situações ele é colocado em áreas controladas e cercadas, até que seja removido para outro lugar, nesta etapa o Estado tem a tutela integral do refugiado, os gastos serão tão elevados quanto maior for à quantidade de pessoas que entram no país.

Mas, há uma variável, que é a condição econômica da localidade por onde entrou o grupo de refugiados, talvez, numa cidade onde eles não possam ficar por falta de acesso, dentre outras coisas, ao trabalho, é isso que vai exigir ou não uma remoção de pessoas para outras cidades, talvez uma mais industrializada ou rural, mas que esteja precisando de trabalhadores e, portanto, serem mais aptas a gerar empregos.

Quanto à escolha pelo refugiado do tipo de trabalho a ser feito, isso pode ser, também, um direito suprimido, enfim, muitos direitos trabalhistas podem ou não ser respeitados, inclusive, deixá-lo submeter-se a um trabalho informal ou, o que é mais grave, a um trabalho ilegal ou análogo ao de escravo.

Portanto, o Estado assume o risco de perder o controle da situação e abandonar o refugiado a sua própria sorte, o que não é novidade para essas pessoas, porque já fugiram antes de uma violência extrema, o que é elevadamente pior do que não ter o conhecimento das reais condições de ingresso no mercado de trabalho ou na seguridade social do país que os recebeu.

Page 88

Como já foi dito, a entrada e a permanência de estrangeiros em território nacional se dão através das cidades, onde seus Governos podem ter limitações de prover os imigrantes, não se fala mais de centenas, mas sim de milhares de refugiados no mundo. Numa situação de falta de controle do poder, abre-se a oportunidade criminosa de empregadores desonestos, que podem ver na situação do refugiado uma fragilidade que leva à facilitação da exploração ilegal e até desumana.

O Estado que permite a entrada excessiva de pessoas refugiadas terá que fazer funcionar um planejamento econômico estratégico para abrigá-las até que possam trabalhar e, depois, garantir um sistema de justiça para punir e prevenir ações criminosas que podem chegar até ao crime de submeter o refugiado empregado à condição análoga à escravidão, o que não é novidade para trabalhadores imigrantes em situação ilegal em país estrangeiro. Finalizando, presume-se que este Estado não tenha vigilância ou não teve êxito de deter os estrangeiros por motivos alheios às suas responsabilidades, não priorizando como política de defesa nacional o controle efetivo de suas fronteiras.

Na segunda argumentação, o Estado moralmente está admitindo que não possa assumir o compromisso de refúgio para uma grande quantidade de pessoas, sem comprometer o mercado de trabalho nacional e causar mais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT