Panorama da nova regulamentação da relação de trabalho do imigrante no Brasil ante os organismos internacionais de proteção - Direitos Humanos e Direito Internacional do Trabalho

AutorTúlio Augusto Tayano Afonso
Páginas122-131

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Túlio Augusto Tayanq Afonso1

1. Introdução

O processo migratório é debate no mundo contemporâneo graças ao avanço contínuo da globalização financeira e de informação, e, juntamente, também da globalização de questões complexas como a fome, a pobreza, a discriminação, as relações sociais e de trabalho, as quais, antes restritas aos territórios soberanos, hodiernamente atravessam fronteiras, produzindo constantes preocupações e debates na seara internacional e também no território brasileiro.

Desse movimento globalizatório surgem problemáticas incidentes em diversos contextos, envolvendo o que se apresenta como tema-objeto do presente texto, a própria questão da flexibilização da locomoção humana transfronteiriça, a incessante alteração de paradigmas sobre a migração e sua necessária reinterpretação num mundo de sistemas sociais, económicos, culturais e jurídicos complexos.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e com a adoção daquele que viria a ser um dos principais diplomas internacionais de inserção dos direitos humanos no globo, qual seja, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas de dezembro de 1948, mesmo com a bipolarização mundial da Guerra Fria, as relações internacionais globais se deslocaram para um momento de tentativa de consolidação de modelos politico-econó-micos - capitalismo liberal e ditadura socialista.

Futuramente tida como bem sucedida pelos governos estadunidenses e seus aliados, e estruturada na linha do capitalismo liberal, essa tarefa seguiu no empreendimento daquilo que define essa linha em seu conceito amplo, qual seja, o necessário constante aumento do mercado consumidor para que se perpetue.

Ademais, tanto as consequências da Segunda Guerra Mundial quanto essa dualidade global soviética e norteamericana de introdução de seus respectivos interesses económicos pelo globo, apesar de ainda incipiente em 1951, levaram à criação nesse ano pela Organização das Nações Unidas da Organização Internacional para as Migrações - OIM.

2. Panorama do papel da organização das nações unidas e da organização internacional para as migrações -direitos humanos

A Organização Internacional para as Migrações -OIM - é a principal organização intergovernamental mundial líder em migrações, e trabalha em estreita parceria com governos, demais organizações e a sociedade civil nas questões que envolvem essa temática.

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Conta atualmente com 166 Estados membros, 8 Estados observadores, 401 escritórios e aproximadamente 9 mil funcionários2, e, como salienta em seu site oficial, "dedica-se à promoção de uma migração humana e ordenada para o benefício de todas e todos, fornecendo assistência e assessoramento a governos e migrantes"3.

Para fins de balizar a temática do estudo proposto aqui, vale referirmo-nos aos conceitos de migração e de migrante conforme estabelecido pela OIM no seu Glossário sobre Migração.

Migração, portanto, é definida como o "processo de atravessamento de uma fronteira internacional ou de um Estado. É um movimento populacional que compreende qualquer deslocação de pessoas, independentemente da extensão, da composição ou das causas; inclui a migração de refugiados, pessoas deslocadas, pessoas desenraizadas e migrantes económicos"4.

No caso do termo "migrante", a OIM salienta que " no plano internacional não existe uma definição universalmente aceita de migrante. O termo migrante compreende, geralmente, todos os casos em que a decisão de migrar é livremente tomada pelo indivíduo em questão, por razões de 'conveniência pessoal' e sem a intervenção de fatores externos que o forcem a tal. Em consequência, este termo aplica--se às pessoas e membros da família que se deslocam para outro país ou região a fim de melhorar as suas condições materiais, sociais e possibilidades e as das suas famílias"5.

Dito isso, importa salientar que, no momento atual, a relevância dessa Organização é inquestionável, especialmente ao considerarmos o quanto é premente a internacionalização de debates e possíveis soluções sobre as principais causas e as consequências negativas de um ambiente global pouco preparado, na perspectiva dos direitos humanos, para um tratamento adequado ao fluxo migratório contemporâneo, o qual, como bem salienta Nora Pérez Vichich, está diretamente associado "à desigualdade, à ausência de equidade nas relações econômicas internacionais, à falta de oportunidades e condições de melhor qualidade de vida, senão à pobreza, produzida pelo subdesenvolvimento dos países de origem. Esses determinantes, em conjunto com crises económicas, alimentaram e alimentam o crescimento da migração, especialmente Sul-Norte, mas também o Sul-Sul"6.

Dada a importância recente dessa organização internacional, em julho de 2017 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou unanimemente entre os Estados membros um acordo que torna a Organização Internacional para as Migrações um organismo associado ao sistema ONU. Assim, informa a ONU que "com o acordo, as Nações Unidas reconhecem a OIM como ator indispensável no campo da mobilidade humana, que inclui a proteção de migrantes e pessoas deslocadas em comunidades afetadas por movimentos em massa de indivíduos, bem como o reassentamento de refugiados e os retornos voluntários de populações"7.

Dentre as importantes análises realizadas pela Organização Internacional para as Migrações, uma das mais importantes é a realizada junto ao Mckinsey Center for Government (renomado centro global de pesquisa, colaboração e inovação na produtividade e desempenho de governos), a qual, em relatório de janeiro de 2018, intitulado "More than numbers. How migration data can deliver real-life benefits for migrants and go-vernments", informa que, mesmo representando aproximadamente 3% da população mundial, os imigrantes produzem mais de 9% do Produto Interno Bruto mundial, algo em torno de 3 trilhões de dólares a mais do que se eles tivessem ficado em casa8. Em outras

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palavras, estamos diante de uma importante parcela de trabalhadores produtivos.

Esse relatório também demonstrou por meio de longo estudo que o investimento em informações e dados sobre os processos migratórios contribui direta-mente para a economia, p. ex., ao permitirem que os formuladores de políticas gerenciem melhores resultados de migração "para proteger os migrantes em situações vulneráveis, preencher a escassez do mercado de trabalho de forma direcionada, gerenciar os procedimentos de asilo de forma eficiente ou aumentar os fluxos líquidos de remessa"9.

Outro importante documento produzido pela OIM é o recente World Migration Report 2018, o qual informa que "no geral, o número estimado de migrantes internacionais aumentou ao longo das últimas quatro décadas e meia. O total estimado de 244 milhões de pessoas que vivem em um país diferente do país de nascimento, em 2015, é quase 100 milhões a mais do que em 1990 (quando foi de 153 milhões) e mais de três vezes o número estimado em 1970 (84 milhões)"10.

Também, no mesmo contexto, acrescenta que "a maioria dos migrantes internacionais em 2015 (cerca de 72%) era de idade ativa (20 a 64 anos)"11.

Especificamente, no que diz respeito ao trabalho, o Relatório salienta que, "em geral, a imigração acrescenta trabalhadores à economia, aumentando assim o produto interno bruto (PIB) do país anfitrião. Existe também uma variedade de maneiras pelas quais os migrantes podem ter efeitos positivos sobre a produtividade do trabalho e PIB per capita, por exemplo, se os migrantes são mais

habilidosos do que os trabalhadores nacionais e/ou se a imigração tem efeitos positivos para a inovação e a aglomeração de habilidades"12.

No que diz respeito ao Brasil, esse Relatório de 2018 cede interessante dado ao analisar o processo migratório na América Latina e no Caribe, qual seja, que dito país se encontra em 3º lugar na lista dos países com maior população de migrantes dessa região13.

O Brasil, em benefício da Organização Internacional para as Migrações, mais de 2 anos antes mesmo dela ter sido declarada organismo oficialmente associado ao sistema ONU, em agosto de 2015 promulgou o Decreto n. 8.503, no qual, entre outras normas, concede imunidade de jurisdição local ao Diretor Geral, ao Diretor Geral Adjunto e ao Chefe da Missão da OIM, e concede "iguais privilégios e imunidades que aqueles concedidos às Agências Especializadas da ONU" (art. 2º do Acordo anexo ao Decreto n. 8.503/2015). Além disso, enuncia dito Decreto que "a Organização está autorizada a abrir um escritório no Brasil e a recrutar o pessoal de qualquer nacionalidade necessário à sua implementação" (art. 3º).

3. A Organização Internacional do Trabalho, análise do Brasil e Parceria com o Conselho Nacional de Imigração - Direito Internacional do Trabalho

Ainda no cenário internacional, premente citar algumas das políticas da Organização Internacional do Trabalho - OIT - relativas ao tema da migração.

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Inicialmente previstos na Declaração de Filadélfia (1919) e depois no documento que ficou conhecido como sua "constituição" (1948), a migração é citada em dois momentos, quais sejam, uma vez no preâmbulo, enaltecendo a consideração deste documento da necessidade de "defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro"14, e outra vez no contexto da relação entre trabalhadores e colonos (Anexo, parágrafo III, alínea c).

Entretanto, a OIT possui diversos documentos e relatórios posteriores debatendo, analisando e enunciando diretrizes relativas ao tema.

Por exemplo, logo em seguida, em sessão de 1949, a Conferência Geral da...

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