Os refugiados venezuelanos no Brasil: o âmbito de proteção dos direitos fundamentais sociais

AutorAna Maria Maximiliano - Alexandre Nishimura
Páginas181-190

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Ana Maria Maximiliano1

Alexandre Nishimura2

1. Introdução

A imigração nunca foi tão intensa desde a Segunda Guerra Mundial, e atualmente vivencia-se um deslocamento populacional em massa nas mais diversas regiões do mundo. Isso tem exigido uma atenção especial e detalhada dos administradores públicos, dos legisladores, da comunidade acadêmica, das organizações internacionais, em especial das agências e comitês para refugiados e da sociedade civil, com o objetivo de, simultaneamente, acolher os imigrantes, sem ocasionar desequilíbrio socioeconómico e sociocultural no país acolhedor.

As causas do aumento da imigração possuem diferentes origens: geográfica, social, cultural, dentre outras. Porém, as imigrações decorrentes da existência de problemas no país de origem, as quais colocam a população em situação de vulnerabilidade e de iminente risco aos direitos humanos, são muito mais complexas e podem decorrer de conflitos internos, violência co-letiva, distúrbios, exclusões, perseguições (raça, religiosa, ideológica, nacionalidade, gênero), precariedade na saúde e fome, que conduzem as populações civis à morte ou à fuga. Nessas situações de vulnerabilidade extrema, o instinto humano de sobrevivência obriga

a população a buscar asilo em países fronteiriços, por meio da solicitação de refúgio, o que requer estruturação do Estado acolhedor em especial sob os aspectos de saúde, trabalho e moradia, entre outros.

A intervenção do Estado na imigração deve ocorrer para o controle das vítimas refugiadas, com a utilização de estruturas policiais, fornecimento de alimentos, estrutura sanitária e de inserção social, pautada pelos direitos humanos. Os países que não têm interesse em acolher socialmente os refugiados os mantêm sob controle, agrupados em campos isolados, com a impossibilidade de inserção social. No Brasil, o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) constituem os principais órgãos de controle e proteção dos refugiados.

Em 2017 houve um aumento exponencial dos pedidos de refúgio para o CONARE, passando de 10.308 no ano de 2016 para 33.865, segundo dados do Ministério da Justiça.3 Desses pedidos, 17.865 foram solicitados por refugiados da Venezuela, a qual atravessa uma crise económica, política e social que está resultando na violação de direitos humanos.4 No mesmo ano em que a imigração mais que triplicou no Brasil, entrou

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em vigor a Lei n. 13.445/20175, regulamentada pelo Decreto n. 9.199/20176.

A crise generalizada na Venezuela atesta um cenário onde falta à população o acesso a alimentação, medicamentos e insumos básicos para a sobrevivência, o que origina um estado de pré-guerra civil, com saques a lojas, supermercados, indústrias, dentre outros. Além da privação das condições mínimas de vida, o governo reage com violência às manifestações da população e persegue os grupos contrários ao sistema vigente. Como consequência, há um significativo aumento de emigração de venezuelanos, tanto para destinos costumeiros como Estados Unidos e Espanha, quanto para os países fronteiriços, como Colómbia e o Brasil. Em especial para o Brasil, a entrada ocorre por meio da fronteira localizada no norte do país, especificamente via cidade de Pacaraima, no Estado de Roraima.

Logo, o objetivo deste presente trabalho é o estudo da migração, na especificidade dos refugiados venezuelanos, com o intuito de apresentar a norma-tização brasileira em conjunto com a da Organização Internacional do Trabalho, e verificar em que medida os direitos fundamentais sociais previstos na CRFB são aplicáveis a essa espécie de migrantes.

2. As migrações internacionais

O deslocamento é atividade da natureza do ser humano. Historicamente, tem início com a busca por melhores condições de vida, o que se acentuou com o aumento das relações entre os povos (interação social), os conflitos sociais e a própria globalização.7 Segundo Milton Santos8, as migrações são causa direta da escassez de oportunidades em todos os aspectos (social, político, económico e ambiental), o que força as pessoas a se deslocarem em busca de melhores condições de vida em lugar diverso do de sua origem, considerando-se, também, que o encontro de melhores oportunidades não ocorre no primeiro local de destino. Mas esse movimento foi intensificado, com a afirmação do termo "refugiado", com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, entre 1914 e 1922, quando milhões de pessoas se deslocaram como refugiados, oportunidade em que surgiu o passaporte de Nansen da Liga das Nações.9

Do período Pós-Primeira Guerra Mundial até os dias atuais a migração aumentou sobremaneira e, em janeiro de 2016, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou dados estatísticos referentes às migrações internacionais no mundo e informou que em 2015, cerca de 244 milhões de pessoas viviam fora do país de origem10 - definição de migrante.

Dentre as migrações, aumenta a categoria dos chamados "migrantes forçados", que compreendem os refugiados. Segundo publicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)11, em 2016 o número de refugiados atingiu a marca de 22 milhões de pessoas que cruzaram uma fronteira internacional em busca de proteção.

Esse crescente fenómeno do fluxo migratório internacional é um dos temas mais desafiadores da atualidade, o que gera a necessidade de pesquisa e conhecimento do perfil sociodemográfico, laboral e cultural dos migrantes e refugiados, para a promoção e garantia de seus direitos, bem como a criação e fortalecimento de organismos que objetivem essa promoção, garantia e proteção dessa classe de indivíduos.

3. As categorias do status migratório e a diferença entre a migração e o refúgio (refugiado)

Na identificação da condição do migrante, a causa do seu deslocamento é o que define o seu status migratório e, não obstante a questão migratória não ser

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recente, ainda há divergências quanto ao conceito, em especial, de refugiado.12

O motivo da migração possui diversas origens e a partir delas o Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (IPEA)13 classificou o status migratório em oito categorias, considerando: (i) refugiado o imigrante que tem este status reconhecido pelo governo brasileiro, pelo ACNUR ou por outra organização internacional a partir da normativa da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 sobre status de refugiado, do Protocolo de 1967 sobre o status de refugiado, ou de normativa interna (com a Lei n. 9.474/97, abrangendo os refugiados que passaram pelo processo de Refúgio Solicitado Deferido -RSD); (ii) solicitante de refúgio é considerado todo imigrante que, tendo formalizado o seu pedido de refúgio ao governo brasileiro, aguarda a decisão da sua solicitação; (iii) deslocados ambientais são os imigrantes que deixaram seus países de origem ou residência em especial por questões ambientais; (iv) imigrantes económicos são os que deixam seus países de origem ou residência por questões económicas, notadamente à procura de trabalho; (v) imigrantes humanitários são os que, não se enquadrando nas demais categorias de proteção, como a de refugiados, foram vítimas de violações de direitos humanos (como as vítimas de tráfico de pessoas) ou estão no Brasil em circunstância que o retorno forçado ao país de origem caracterizaria uma violação à "razão de humanidade", como no caso de portadores de doenças graves ou aquelas cuja família se encontra no Brasil; (vi) apátridas são os indivíduos que não possuem nacionalidade; (vii) imigrantes em fluxos mistos caracterizados como os que chegam ao Brasil por meio de movimentos migratórios nos quais várias categorias migratórias encontram-se presentes, como pessoas em busca de refúgio, deslocados por razões ambientais, imigrantes económicos; (viii) imigrantes indocumentados são os imigrantes em situação migratória irregular, não dispondo de documentos que autorizam a residência no Brasil. A categorização das espécies de migrantes é essencial, pois a partir do enquadramento do indivíduo em uma dessas espécies é possível determinar o regulamento a ele aplicável, com a consideração de que notadamente para os refugiados a proteção é mais extensa e profunda e que não é dispensada a todas as demais espécies de migrantes.14

A origem do termo refúgio é do latim refugium, significando lugar para estar seguro.15 Para George-nor de Sousa Franco Filho16 "refúgio é o mesmo que esconderijo, local onde nos ocultamos de outros para não sermos vistos ou descobertos. Buscamos refúgio ou esconderijo quando sentimos medo. Medo é a causa. Refúgio, a consequência. É uma das formas de estudar esse tema: a fuga do medo, a busca de um refúgio para nos esconder do medo." A fuga em razão do medo é o que move os refugiados que, involuntariamente têm que deixar seu país de origem por motivos diversos (colapsos económicos, desemprego, desastres naturais, guerras civis, perseguições, conflitos armados, xenofobia), na busca de melhores condições de vida, muito embora haja incertezas quanto às condições de vida no país de destino.

Nesse sentido, o ACNUR define refugiado como os indivíduos que "[...] estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados à sua raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Também são consideradas refugiadas aquelas pessoas que foram obrigadas a deixar seus países devido a conflitos...

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