O trabalhador refugiado e a proteção jurídica de não discriminação quanto à origem

AutorJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante - Amanda Cavalcante Santos
Páginas132-138

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Joljberto de Quadros Pessoa cavalcante1

Amanda Cavalcante Santos2

1. Introdução

Na história da humanidade, os fluxos migratórios de pessoas entre países e até continentes sempre estiveram presentes e decorriam de diversos motivos, tais como: guerras, calamidades, perseguições políticas, catástrofes ambientais, tragédias etc.

Além desses motivos, mais recentemente, também existem causas económicas que têm intensificado os fluxos migratórios, como o desemprego, a busca por melhores condições de vida, a desordem económica e os desequilíbrios socioeconómicos dos países de origem.

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), anunciados no relatório "Tendências Globais"3 (2017), o deslocamento de pessoas causado pelas guerras, violência e perseguições atingiu em 2016 o número mais alto já registrado. No relatório divulgado indica que houve cerca de 65,6 milhões de pessoas forçadas a deixar seus locais de origem por diferentes motivos e conflitos (deslocamento forçado).

Até o final de 2016, o Brasil reconheceu um total de 9.552 refugiados de 82 nacionalidades. Desse total, 8.522 foram reconhecidos por vias tradicionais, 713 chegaram ao Brasil por meio de reassentamento e a 317 foram estendidos os efeitos da condição de refugiado de algum familiar.

Apesar disso, os imigrantes e os refugiados não são facilmente aceitos em outros países, por motivos, entre outros, de ordem cultural, religiosa, racial, linguística, o que caracteriza uma discriminação em "razão da origem".

2. A proteção jurídica do refugiado pela onu e o papel do acnur

No mundo contemporâneo, o instituto do refúgio surge no início do século XX, sob a proteção da Liga das Nações, como decorrência de vários conflitos envolvendo pessoas perseguidas durante as guerras. Diante desse problema, foi necessária a proteção internacional dos refugiados.4

Em 1950, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), como órgão subsidiário, com o objetivo de conduzir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas mundialmente e encontrar soluções efetivas para elas.5

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Poucos meses depois da criação do ACNUR, a ONU aprova a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Convenção de Genebra de 1951), posteriormente revisada pelo seu Protocolo (1967).

O ACNUR é dirigido por um alto comissário, vinculado diretamente ao Secretário Geral da ONU, contando ainda com um Comitê Executivo formado por Estados interessados no tema dos refugiados.6 Por seu Estatuto, o ACNUR está autorizado a celebrar acordos com organizações não governamentais, que visem à proteção internacional dos refugiados.

A atuação da ACNUR é destacada por Liliana Lyra Jubilut: "De todas as agências e órgãos criados para coordenar a proteção internacional dos refugiados, o ACNUR parece, até o momento, ser o que obteve maior sucesso em seu objetivo - o que pode ser comprovado pelo recebimento, por este órgão, de dois Prêmios Nobel da Paz (1954 e 1981) - não somente por durar além de sua data limite ou por possibilitar a consecução de instrumentos jurídicos universais sobre a questão, mas também, e principalmente, por conseguir acompanhar a evolução da problemática dos refugiados e, com isso, poder trazer soluções e respostas adequadas a este tema."7

Segundo a Convenção de Genebra (1951) são considerados "refugiados as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possam voltar para casa."8

Apesar disso, nessas últimas décadas, a ACNUR passou a adotar uma definição mais abrangente e passou a considerar como refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país por causa de conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.

Inicialmente a atuação do ACNUR limitava-se aos refugiados,9 contudo, diante dos diversos problemas correlatos, passou também a se preocupar com pessoas em situações análogas às dos refugiados, como, por exemplo, os apátridas.

Para encontrar soluções duradouras para os refugiados, o ACNUR se baseia em três estratégias: a) a integração local; b) a repatriação voluntária; c) o reas-sentamento. 10

De forma breve, a integração local é a adaptação e reintegração do refugiado à sociedade, que, muitas vezes, conta com a participação da sociedade e das organizações não governamentais que auxiliam nesse processo. Como por exemplo, o Instituto de Reintegração dos Refugiados (ADUS) em São Paulo.

Por sua vez, a repatriação voluntária significa o regresso do refugiado ao seu País de origem depois de cessadas as causas que o obrigaram a fugir. Em outras palavras, os direitos dos refugiados são protegidos e a sua escolha de voltar ou não para o País de origem é respeitada.

O reassentamento, no início, era a transferência propriamente dita do seu Estado de origem para outro Estado. Atualmente, entende-se como a transferência de refugiados reconhecidos pelo Estatuto para um Estado e não havendo a adaptação dos mesmos neste local, ocorrerá o remanejamento para outro Estado que facilite a sua integração.

3. A proteção jurídica internacional e nacional dos refugiados

Diante da vulnerabilidade por que passam os refugiados, verificou-se a necessidade de uma proteção efe-tiva dos direitos fundamentais para essas pessoas, com a criação de normas específicas.

Por decisão da Assembleia Geral da ONU (1950), foi convocada uma Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas para redigir uma Convenção regu-latória do conceito e status legal dos refugiados (1951).

Na sua versão inicial, a Convenção de Genebra apresentava dois "pontos negativos" em sua aplicação. O primeiro era o "espaço geográfico", pelo qual se limitava sua aplicação apenas à Europa, e o segundo era o "lapso temporal", pois apenas eram abrangidos os fatos acontecidos antes de 1 º de janeiro de 1951.11

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Com a finalidade de superar um dos pontos negativos ("lapso temporal"), foi editado o Protocolo de 1967, permitindo a aplicação da Convenção aos fatos posteriores a 1 º de janeiro de 1951.

Em 1984, a Declaração de Cartagena ampliou o conceito de refugiados, abrangendo também as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos conflitos internos, pela violação dos direitos humanos ou por outras circunstâncias que perturbem gravemente a ordem pública.12

O Brasil promulgou a Convenção de Genebra em 1960, contudo, somente a ratificou em 1990, adquirindo a limitação geográfica, somente recebendo refugiados provenientes da Europa. 13 Em 1982, o Brasil reconheceu a ACNUR. Foi somente em 1989 que o Brasil abandonou o critério de limitação geográfica e adotou a Declaração de Cartagena.

Com a Constituição Federal de 1988, deu-se ênfase aos princípios fundamentais que orientam a atuação do Brasil nas relações internacionais. Esses princípios se destacam por serem a base legitimada de atuação do Estado Brasileiro no exercício de suas atividades e estruturam todo o sistema jurídico.

Em meio a esses princípios, destaca-se o da prevalência de direitos humanos e o direito da concessão de asilo. Com base, principalmente, nesses dois princípios, é que se pode afirmar que a Constituição Federal assegura expressamente a concessão de refúgio, uma das vertentes dos direitos humanos e espécie do direito de asilo.

Um dos pontos importantes no sistema da proteção jurídica nacional dos refugiados é a Lei n. 9.474, de 22 de julho de 1997, pela qual se definem mecanismos para implementação do Estatuto dos Refugiados.

A Lei brasileira amplia o conceito de refugiado para os indivíduos que, por causa de grave e generalizada violação de direitos humanos, são obrigados a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (art. 1º, III).

Além disso, a Lei n. 9.474 também cria um órgão administrativo para cuidar das questões específicas: o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE).

Diante disso, verifica-se que a adoção da Convenção pelo Brasil e a criação de uma Lei específica para a proteção dos refugiados são considerados passos importantes no progresso de evolução da proteção dos refugiados.

4. A luta dos refugiados pelo emprego

A luta para conseguir emprego começa assim que os refugiados chegam ao Brasil.

Nesses últimos anos, o agravamento do desemprego decorrente da crise económica no País afetou diretamente um dos principais setores que empregava a mão de obra imigrante, a construção civil.

O trabalho é o ponto fulcral para a integração dos refugiados na sociedade brasileira, no entanto, é o "mais difícil". Na maioria das vezes, os refugiados trabalham em atividades de baixa qualificação...

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