Migrações e direitos sociais no Brasil: uma análise da questão laboral haitiana a partir da nova lei de migrações e o visto humanitário

AutorEduardo Biacchi Gomes - Andréa Arruda Vaz
Páginas139-148

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Eduardo Biagchi Gomes1 Andréa Arruda Vaz2

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo apresentar um escorço histórico da legislação brasileira a respeito do instituto do Refúgio e normas migratórias vigentes no país, assim como o enfrentamento pelo país do grande fluxo migratório pelo haitiano no Brasil.

As questões enfrentadas no que concerne à burocracia para elaboração da documentação, assim como as políticas de inclusão do mesmo no país, serão aqui abordadas. Importante mencionar que apesar da quantidade de problemas documentais, laborais e de reassentamento no país e a dificuldade imposta pela legislação, a partir de 2012 o Brasil flexibilizou um pouco a legislação a respeito do direito ao refúgio. A instrução normativa n. 97/2017 trouxe a previsão do visto humanitário, com base inclusive na Lei n. 6.815/1980, o que auxiliou especificamente os haitianos na regularização dos mesmos no país.

Ainda, importante a menção dos dados a respeito da incersão laboral dos refugiados haitianos no Brasil, ademais, apesar da grande informalização existente entre os mesmos, entre 2012 e 2016, aconteceu um aumento expressivo no número de trabalhadores formais, entre estrangeiros, sendo que o haitiano representou um percentual importante e expressivo, em todo o território nacional.

Assim o presente artigo apresentou o antes e o após a Lei n. 13.445/2017, assim como as principais perspectivas, a partir de uma legislação mais humanitária e que simplificou alguns procedimentos, assim como rechaçou outros, como, por exemplo, a premissa de criminalização a partir de nacionalidade, religião, entre outros fatores. O Refugiado deve ser acolhido, jamais julgado a partir de conceitos e preconceitos de uma legislação com resquícios militares, como era o caso da Lei n. 6.815/1980.

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A metodologia de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, assim como a utilização de dados acessados a partir de instituições como a Cnig, Conare e Itamaraty.

Enfim, a partir da edição da Lei n. 13.445/2017 o Brasil tem a possibilidade de escrever uma nova história a respeito dos refugiados, assim como a possibilidade de aperfeiçoar os procedimentos, humanizando-os.

2. O direito humano ao refúgio e a questão dos haitianos no brasil: aparato legislativo e medidas de implementação

Este artigo abordará neste tópico o transcorrer legislativo do Brasil no que concerne ao direito ao Refúgio, assim como os principais aspectos do exercício do direito ao refúgio por haitianos no Brasil. Abordar--se as principais normas que regulamentam o instituto, as alterações recentes, assim como os procedimentos para acolhimento no país, na condição de refugiado, tratando-se especialmente da situação do haitiano, nesta pesquisa.

Desde 2010, com o advento de grandes terremotos que assolaram o Haiti, localizado na América Central, milhares de haitianos passaram a buscar refúgio no Brasil. Tal fluxo aconteceu naquele momento, movido pelas condições económicas e sociais, ademais o país convivia com uma economia se desenvolvendo, crescimento económico e proteção social em geral.

Importante definir, inicialmente, que o refugiado "é o sujeito que busca refúgio em outro lugar", sendo aquela pessoa que tem fundado temor de perseguição em seu país, advinda de atores estatais ou não, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.3 Não obstante, no Brasil, a legislação, por vezes, confunde a terminologia refugiado, com migrante.

A questão do direito ao refúgio, assim como do dever de concessão são temas de debates nos mais diversos países do planeta. O tema sempre paira em torno da questão humanitária e de solidariedade dos países, assim como encontra impasses nas possíveis crises laborais e sociais, assim como em determinados países, discussões permeiam a área de segurança dos países, fronteiras e reassentamento dessas pessoas.

Para Godoy é importante lembrar que "além de ser intrinsecamente desumano, rejeitar os refugiados, sobretudo com base em sua religião muçulmana", impedir a entrada, deixando-os à margem, sem território, pode gerar ainda mais violência e segregação. Por outro lado, aceitá-los, mas segregá-los em locais ou campos exclusivos dá vazão ao perigo, inclusive para ingresso em programas de terrorismo, segundo a autora.4

Assim, o exercício do direito ao refúgio, assim como o direito ao acolhimento estão estritamente ligados à proteção da dignidade humana, assim como a normas de proteção aos Direitos Humanos. Ademais, para que o ser humano tome uma decisão de deixar tudo e se socorrer de outra nação, realmente sua condição no país de origem é desesperadora e de todo em nítido risco.

Sob esse viés, importante ao país não só o acolhimento, mas também fornecer o acesso a documentos, reassentamento, trabalho e a possibilidade de o refugiado e sua família se estabelecerem em território brasileiro, tendo acesso, inclusive, aos serviços sociais básicos, como saúde, educação, cultura e trabalho.

Assim "o caminho está na efetivação de instrumentos jurídicos já existentes e eficazes, no aprimoramento de outros e na inclusão de novos, respaldados por uma prática comprometida com os princípios elementares do refúgio".5 Importante equilibrar o direito humanitário à efetivação de direitos e garantias fundamentais e humanas. Ademais, somente o refugiado terá vida digna, se lhe for disponibilizado no país de acolhimento, um trabalho digno, que lhe possibilite o sustento próprio e da família, assim como inserção social.

A legislação brasileira possui um aparato que ao longo da história sofreu ajustes, inclusive recentemente se buscou uma nova Lei, qual seja, a de n. 13. 445/2017, que mais adiante se abordará, com intuito de se ajustar ao contexto social do refúgio no Brasil, assim como às normas internacionais a respeito da temática.

O Brasil por meio do Decreto n. 50.215/1961 promulgou a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951. Ainda, em 1972 por meio do Decreto n. 70.946, o país

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promulgou o Estatuto dos Refugiados, concluído em Nova York em 31 de janeiro de 1967, que ampliou a definição e conceituação de refugiado, com relação ao conteúdo do Estatuto de 1951.

Importante instrumento é a Declaração de Cartagena, elaborada em Cartagena, na Colómbia, a partir do Colóquio realizado no México, a respeito de Asilo e Proteção Internacional de Refugiados na América Latina, em 1984, que estabeleceu, entre outras questões, na cláusula primeira, que devem os países da América Latina e América Central "promover dentro dos países da região a adoção de normas internas que facilitem a aplicação da Convenção e do Protocolo, assim como, em caso de necessidade, que estabeleçam os procedimentos e afetem recursos internos para a proteção dos refugiados."6

Ainda, a Lei n. 9.474, de 22 de julho de 1997 definiu mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, no Brasil, entre eles definiu o refugiado como "todo indivíduo que: devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas en-contre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país", ou ainda que ainda que não seja da nacionalidade, esteja no Brasil, não possa ou não queira regressar ao país de origem, seja em razão de graves violações a direitos humanos, busque refúgio em outro país.

Nesta seara, o art. 6º da Lei n. 9.474/1997 assegurou ao refugiado o direito "nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem." Assim, o ser humano que buscasse refúgio no Brasil teria assegurado o direito à documentação pessoal. Ademais, sem identificação pessoal e carteira de trabalho e previdência social, ficaria o refugiado impedido de se incluir no mercado de trabalho e emprego no Brasil.

Importante a menção de que o Pacto de San José da Costa Rica é omisso quanto à proteção ao refugiado, não obstante em seu artigo 22, inciso VII, mencione a proteção e o direito de asilo em caso de perseguição por crimes políticos ou comuns com conexão a motivações políticas.

A partir de 2012 o Brasil recebeu um grande número de refugiados haitianos, especialmente. O país, então, teve que buscar mecanismos para acolhimento e assim o fez, assim como para realocação dessas pessoas e formalização da condição, junto aos órgãos competentes.

Em 23 de novembro de 2012, na cidade de Fortaleza, no Brasil, o Mercosul assinou, por meio de seus países integrantes, a "Declaração de Princípios do Mer-cosul sobre Proteção Internacional dos Refugiados"7, em que se comprometeu a desenvolver e ampliar as políticas de acolhimento de refugiados, inclusive se comprometendo a não efetuar a devolução dos mesmos aos países de origem.

O Mercosul, por meio desse instrumento, se comprometeu a envidar esforços na condução de políticas públicas que assegurem uma integração de forma digna e a proporcionar ao refugiado acesso a serviços básicos, como documentação, políticas de trabalho e cidadania.

Ainda, para buscar efetividade e uma prestação efe-tiva de acolhimento, foi criada a Resolução Normativa n. 97/2012 aprovada pelo CNIG - Conselho Nacional de Imigração. Tal Resolução previu a concessão de visto humanitário por cinco anos para os haitianos vítimas dos desastres naturais daquele país e...

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