A Europa na era das migrações

AutorBrenda Aline Bolonha - Michele Alessandra Hastreiter
Páginas11-22

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Brenda Aline Bolonha1

Michele Alessandra Hastreiter2

1. Introdução

O fenómeno migratório tem sido um tema chave na Europa nos últimos anos. A problemática dos refugiados que batem à porta do continente - exigindo abrigo como reparação pelos anos de exploração europeia em seus países que culminaram nas precárias condições políticas, sociais e de segurança que lá existem - estremeceu as relações comunitárias.

O discurso antimigração foi, indubitavelmente, decisivo no Brexit3. O sentimento dos britânicos era o de que a União Europeia conduziria a uma indesejada e prejudicial abertura a migrantes e refugiados e que isto traria problemas à união britânica. Não obstante, o que se nota é que a política migratória europeia, embora aberta a europeus, é ainda bastante restrita a não europeus. As polêmicas em torno do tema são, inclusive, a razão principal pela qual ainda não foi possível harmonizar completamente os procedimentos migratórios para cidadãos oriundos de países de fora do bloco, apesar de ser este um tema-chave à Comunidade Europeia e que deveria ser tratado de forma comum.

O presente trabalho se propõe, portanto, a analisar se os temores que embasam a rigidez migratória são justificáveis em termos práticos, enfatizando os estudos que identificam os impactos econômicos e sociais da migração. Para tanto, parte-se de uma breve descrição do cenário migratório na Europa e de suas políticas migratórias para, ao final, descrever os impactos percebidos pela literatura em estudos voltados ao tema da migração.

2. Migrações na europa

As intensas mudanças observadas no globo a partir do século XIX, com eventos como as revoluções industriais, as I e II Guerra Mundial, a Guerra Fria e o período de descolonização, levaram a uma remodelação em nosso modo de viver, pois tiveram impactos nos níveis econômicos, de mercado e de governo, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito internacional. Ao observar alguns desses eventos, bem como suas consequências, pode-se notar que essas mudanças acabaram por impactar também na forma como os indivíduos se deslocam, em especial por algumas dessas mudanças terem tornado mais acessível o deslocamento entre fronteiras. Isso leva a outra reflexão em relação a essas alterações na forma de viver dos indivíduos que é o quanto elas impactaram nos fluxos migratórios.

Para pesquisadores como CASTLES & MULLER (2009), por exemplo, a migração internacional é parte de uma revolução transnacional que está remodelando as sociedades e políticas ao redor do globo. Graças principalmente a algumas tendências gerais como a da glo-balização4, cada vez mais estados têm se tornado tanto receptores quanto emissores de imigrantes e muitos países que historicamente tinham fortes movimentos

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de emigração, com as mudanças ocorridas no cenário global passam então a receber imigrantes provenientes de diversas partes do mundo.

Rodrigo Garcia Schwarz (2009) defende que "estamos diante de um processo que está reestruturando as sociedades em escala planetária e as migrações internacionais são componentes desse processo de globalização e de reestruturação do sistema mundial".

O Continente europeu sempre foi uma região ligada aos fluxos migratórios internacionais, tanto como emissor quanto como receptor de imigrantes e isto se manteve nos últimos anos. No século XXI é possível notar a Europa como uma das regiões mais procuradas por imigrantes, em 2015 a região abrigou cerca de 75 milhões de imigrantes e foi, ao lado do continente asiático, uma das regiões mais procuradas por imigrantes, conforme pode ser observado no gráfico abaixo.

Este forte aumento nos fluxos migratórios no século XXI fez com que o continente europeu passasse a preocupar-se em regular a migração, sobretudo por meio de normativas pautadas por um viés restritivo - que por vezes ignoram os potenciais efeitos benéficos das migrações, bem como as consequências nefastas da marginalização de um vasto contingente populacional.

3. Regulação das migrações na união europeia

Como decorrência do processo de integração do continente europeu e sua busca pela concretização do livre mercado - com livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais - a União Europeia organizou-se de modo a abolir os controles fronteiriços para cidadãos europeus, permitindo sua livre circulação no bloco. A construção do espaço europeu deu-se por meio da adoção do Acordo Schengen, em junho de 1985. Com 30 países signatários - incluindo todos os membros da União Europeia, exceto Irlanda e Reino Unido que, mesmo antes do Brexit, eram notórias exceções ao acordo - trata-se do instrumento jurídico que estabelece as fronteiras externas da Europa, estabelecendo dentro delas um espaço de livre circulação.

Para aqueles que não são nacionais europeus, porém, embora também não se submetam a controles fronteiriços uma vez que estejam inseridos no espaço europeu, persistem os controles e burocracias referentes à entrada - e há uma busca por uma uniformização

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dos procedimentos dos diferentes países para não europeus, o que se chama de "Política Migratória Europeia".

A Política migratória europeia tem como instrumento principal o Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo, que institui as diretrizes básicas para as políticas migratórias que devem ser implementadas pelos Esta-dos-membros. Esse pacto é complementado, nos seus contornos mais recentes, pelo Programa de Estocolmo, um quadro de referência acerca da matéria adotado em 2009 (UE, 2018). Seus objetivos são:

Promover a mobilidade e a migração legal para a UE, ao mesmo tempo que se fomenta o desenvolvimento de medidas nos países de origem dos migrantes com o intuito de melhorar o nível de vida e se reduz ao máximo a "fuga de cérebros".

Garantir a aplicação de políticas coerentes na UE, de modo a que a abordagem global à migração esteja integralmente refletida nas iniciativas da UE fora do seu território, incluindo nas ações de ajuda ao desenvolvimento e nas relações externas.

Promover a migração legal prevenindo concomitantemente a migração irregular5.

Não obstante, no âmbito legislativo, a União Europeia adotou diretivas que harmonizam as regras para concessão de vistos para cidadãos de países não membros apenas em alguns casos especiais, como trabalhadores altamente qualificados, estudantes, estagiários não remunerados e pesquisadores. Para as demais situações, as ações comunitárias ainda encontram obstáculos nos intuitos soberanos dos Estados-membros, e fracassaram na busca por uma fórmula eficaz para a gestão do fenômeno migratório. O resultado é o aparecimento de uma "muralha de difícil acesso para a população estrangeira de origem não europeia" (SILVA, AMARAL, 2013, p. 236).

Em verdade, como os objetivos do Programa de Estocolmo bem elucidam, há um intuito de coibir a migração irregular - o que se dá por meio dos controles migratórios rígidos estabelecidos pelos países--membros. Não obstante, são parcas as possibilidades de migração regular, o que faz com que SILVA e AMARAL (2013, p. 245) afirmem que o ingresso na Europa é "um concurso em que ganham somente aqueles que são considerados aptos para circular, residir e trabalhar na Europa". Aos demais, resta o ingresso clandestino.

A rigidez da Política Migratória gera efeitos nefastos ao continente europeu, mormente porque desconsidera os impactos da migração nos âmbitos econômico e social, como se verá na sequência.

4. Impactos sociais e económicos da imigração na europa

No presente tópico iremos explorar alguns destes possíveis impactos, em especial para os países de destino, com enfoque no continente europeu que como mostrado anteriormente vem sofrendo com o grande fluxo de imigrantes e refugiados chegando no continente.

4.1. Brain Drain, Brain Gain e Brain Waste

Beine, Docquier e Rapoport (2002 apud FIGUEIREDO, 2005 p. 31) definem o processo de Brain Drain como sendo a transferência internacional de recursos sob a forma de capital humano, isto é, a migração de indivíduos com qualificações relativamente elevadas dos países em desenvolvimento para aqueles desenvolvidos. Essa é uma situação com impacto negativo nos países de origem, mas que para o estado de destino pode resultar em diferentes impactos dependendo de como esta mão de obra será utilizada.

Países em desenvolvimento, em geral apresentam altos níveis de crescimento demográfico, dessa forma além de oferecerem oportunidades menos vantajosas de trabalho em geral (menores salários e menos oportunidades de crescimento), possuem uma oferta de mão de obra maior do que seu mercado de trabalho é capaz de absorver (FIGUEIREDO, 2005, p. 62). Em determinados países a emigração pode ser vista como uma forma de aliviar as pressões demográficas nas sociedades em desenvolvimento, porém a saída de pessoas também pode ser um problema para esses estados.

A transferência de mão de obra qualificada de países pobres para países ricos pode ter grandes consequências para o desenvolvimento dos primeiros. Por esta razão, organizações internacionais e agências internacionais têm buscado iniciativas que procurem transformar o processo de Brain Drain em um processo de Brain Circulation, no qual os indivíduos retornam para seus países de origem após passarem um tempo no exterior, trazendo consigo os conhecimentos, habilidades e experiências profissionais adquiridos no exterior e desta forma contribuem para o desenvolvimento de seu próprio país, ou seja, neste caso o que ocorre é uma circulação entre as fronteiras

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de mão de obra qualificada que traz benefícios tanto para os países de origem quanto para...

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