Trabalhadores imigrantes irregulares: uma análise a partir dos instrumentos jurídicos internacionais de proteção

AutorSilvana Mandalozzo - Marcelo Alves da Silva
Páginas149-157

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Silvana Mandalozzo1

Marcelo Alves da Silva2

1. Introdução

A consolidação da participação dos imigrantes no mercado de trabalho coloca em pauta relevantes questionamentos acerca das desigualdades percebidas em relação aos imigrantes em distintas esferas das relações sociais, aparecendo de maneira expressiva nas relações laborais. As assimetrias referem-se a diferenças no acesso, permanência e ascensão profissional de trabalhadores imigrantes. Ainda que se tenha uma grande quantidade de direitos declarados nos mais diversos ordenamentos jurídicos, se encontram grupos que são privados de direitos essenciais próprios da condição humana.

O presente texto irá analisar a relação existente entre trabalhadores irregulares ou indocumentados e alguns instrumentos jurídicos internacionais de proteção a esses trabalhadores imigrantes. Verificará os direitos de cidadania e a questão desses imigrantes ilegais que atravessam fronteiras e adentram no mercado de trabalho na informalidade, sendo que esta permanência acaba por privar o imigrante do acesso a direitos fundamentais, já que aqueles que atravessam as fronteiras e ingressam no mercado de trabalho de maneira informal, são submetidos a condições de trabalho irregulares. Será demonstrado como a permanência irregular no país de destino impede o exercício mínimo dos direitos sociais fundamentais.

Esta questão de uma maior mobilidade segundo Mandalozzo, Campagnoli e Kaniak3, foi influenciada nas últimas décadas do século XX por fortes questões económicas, sociais, políticas e culturais, trazidas pelo fenómeno denominado globalização. Essas transformações acarretaram impactos importantes sobre o mercado de trabalho; para Saladini4 "o respeito à dignidade do trabalhador, seja qual for sua origem nacional ou o lugar em que põe à disposição sua prestação de serviço, é algo que pode contribuir efetivamente para que este processo de globalização seja fundado mais no ser humano que no capital".

A migração internacional não se constitui em um fenómeno novo, pois sempre existiu ao longo dos tempos, acompanhando a história da civilização, embora os fatores que a influenciam mudem de acordo com os anseios da época, sendo que um dos principais

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motivos de mobilidade é o fator trabalho. Atualmente, com a globalização, reaquece a discussão sobre a redução da participação do Estado que é colocado à prova diante de novas situações, necessitando de uma nova análise e aprofundamento.

Muito embora ocorram distorções entre a realidade dos trabalhadores estrangeiros e o anseio por melhores condições de vida por estes procuradas, a circulação mundial da mão de obra continua a ser verificada. Esta procura desenfreada por melhores condições de vida está diretamente alinhada com o processo de globalização e a consequente internacionalização dos espaços nacionais.

Desta forma, os intercâmbios existentes fazem com que o direito ultrapasse os limites territoriais de soberania, o que obriga os Estados a criarem normas capazes de regular as atividades exteriores da sociedade dos Estados.

Assim, a realidade mostra-se totalmente contrária ao acolhimento com dignidade dessas pessoas. Para Redin5, "a soberania como elemento formador do Estado, bem como a reciprocidade diplomática e, sobretudo, a prevalência dos interesses económicos sobre quaisquer aspectos humanos impedem que sejam conferidos os direitos necessários à participação efetiva dos indivíduos no espaço público".

Desse modo, conforme Sales6, diante dessa situação procurou-se desenvolver mecanismos de proteção aos imigrantes. A partir dos anos 70, surgiram movimentos protecionistas e organismos internacionais se dedicam a essa realidade e elaboram legislações protecionistas.

Ainda, no presente trabalho foi dado enfoque à situação brasileira, no sentido de como está abordando a situação dos imigrantes que chegam ao país.

2. Estado e cidadania

A relação entre Estado e cidadania é da mesma forma fundamental, pois cidadão na concepção clássica é aquele que está no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado. Logo, a cidadania pressupõe uma relação recíproca de direitos e obrigações entre um indivíduo e o Estado do qual possui a nacionalidade.

Para Guimarães7, o "Estado tem o dever de procurar difundir universalmente a cidadania, sem quaisquer discriminações, além de executar as obrigações assumidas internacionalmente por meio dos tratados ratificados".

Neste sentido, inclui-se não realizar tratamento discriminatório aos indivíduos advindos de outros países.

Inúmeras situações acompanharam e incentivaram as pessoas a se deslocarem de seus países, para tentarem uma nova colocação em outros lugares, sendo que muitas dessas razões deram-se por uma melhor ocupação no mercado de trabalho. Aos refugiados políticos das guerras e conflitos incluem-se os refugiados do mundo do trabalho, que, não possuem mais trabalho, e deslocam-se pela imprescindibilidade de subsistência, que não é mais possível em seu lugar de origem.

Argumenta Généreux8 que, "não pode haver cidadão, não pode haver civilização, numa sociedade que tem uma massa tão grande de gente sem nenhuma oportunidade de se inserir na única via que nele há para gestar e sustentar a cidadania, que é o mercado de trabalho. Só quando você está no mercado que você pode ser cidadão, você pode ter direitos etc. Fora disso, você não existe, você não é ninguém. Tratar a cidadania como coisa abstrata, como mera palavra, já é, em si mesmo, um ato de omissão em relação a ela. Cidadão excluído de relações sociais concretas mediadas pela igualdade e pelo direito não é cidadão aqui, nem em lugar nenhum".

O Brasil possui um histórico de segregar estrangeiros em solo pátrio. Como uma herança da ditadura, o Estatuto do Estrangeiro sempre tratou a migração como um tema de soberania nacional, primeiramente importando a segurança nacional e não o bem-estar da pessoa humana. Para Ferrajoli9, falar de soberania e de todos os seus eventos históricos, é falar de todos os acontecimentos da formação político-jurídica do Estado nacional moderno, nascido na Europa no século XX e hoje em vertiginoso declínio.

Ferrajoli 10 menciona que o Estado nacional como sujeito soberano está numa crise que vem tanto de cima quanto de baixo, conforme menciona: "De cima,

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por causa da transferência maciça para sedes supraesta-tais ou extraestatais [...] de grande parte de suas funções - defesa militar, controle da economia, política monetária, combate à grande criminalidade [...]. De baixo, por causa dos impulsos centrífugos e dos processos de desagregação interna que vêm sendo engatilhados, de forma muitas vezes violenta, pelos próprios desenvolvimentos da comunicação internacional, e que tornam sempre mais difícil e precário o cumprimento das outras grandes funções [...]: a da unificação nacional e a pacificação interna ".

Neste sentido Ferrajoli11 afirma que o paradigma do velho Estado soberano já não serve mais porque o Estado " é demasiado grande para as coisas pequenas e demasiado pequeno para as coisas grandes", sobretudo, o Estado é pequeno demais nos assuntos que tratam das funções de governo e da tutela que se tornam essenciais, principalmente pelos processos de internacionalização da economia e às interdependências que se vive e que influenciam a vida de todos os povos.

A qualidade e o sucesso do processo de migração, depende da atitude da sociedade de acolhimento para com os imigrantes, da atitude dos mesmos face à sociedade de acolhimento e da extensão dos direitos que são reconhecidos aos imigrantes e que por eles são efetiva-mente exercidos.

Reconsiderar o Estado nas suas relações externas com base no direito internacional não é diferente de repensar o Estado em sua dimensão interna com base no direito constitucional. Para Ferrajoli12, levar a sério os direitos humanos significa "reconhecer seu caráter supraestatal, garanti-los não apenas dentro, mas também fora e contra todos os Estados, e assim dar um fim a esse grande apartheid que exclui do seu aproveitamento a maioria da humanidade".

Quando se trata do tema migração, este binómio soberania e cidadania global, este paradoxo entre a fronteira e cidadania traz à luz um novo papel para os Estados. Ser cidadão significa ter direitos e deveres, em igualdade de condições com os outros homens de os adquirir, a era das declarações dos direitos tem seu início com o princípio basilar de que todos são iguais perante a lei.

A partir dessa premissa, pode-se falar na extensão dos direitos de cidadania para todos os integrantes daquele grupo social. Segundo Guimarães13 "é preciso remodelar o conceito de cidadania, alargando-o, e pensar numa definição que respeite as diferenças e seja adaptável à realidade da erosão da soberania estatal".

Para Saladini14 "ser cidadão significa ter direitos e deveres, em igualdade de condições com os outros homens de adquiri-los, com o que se faz a junção da questão das declarações de direitos com a questão da cidadania. A era das declarações de direitos se inicia com o princípio básico de que todos são iguais perante a lei. A partir de então, pode-se falar na extensão dos direitos de cidadania (ao menos em tese) para todos os integrantes do corpo social".

A extensão e alargamento do conceito de cidadania, estão adstritos à questão do trabalho no cenário do aparecer do poder burguês que viria a resultar com a Revolução Francesa e a Declaração de Direitos dela advinda, conforme explana Covre15: "Assim, creio que uma forma de compreender a cidadania é ver como ela se desenvolve juntamente com o capitalismo, pois estará também vinculada à visão da classe que o instaurou: a burguesia. Toda essa revolução começou, de certa forma, com a valorização do trabalho....

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