Preliminares

AutorWladimir Novaes Martínez
Ocupação do AutorConsultor de Previdência Social
Páginas41-80
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CAPÍTULO I
PRELIMINARES
11. Introdução
Em 1983, o seguro social completou um século de fecunda existência. Em
2002 completaram-se 139 anos de previdência social mundial. Desde as três leis
de Otto Von Bismarck até os dias de hoje, são surpreendentes as transformações
ocorridas nas técnicas de proteção social, assinaladamente as sucedidas nos
últimos 30 anos.
Iniciada, incipientemente em 1919, com a obrigatoriedade do seguro de
acidentes do trabalho (Decreto Legislativo n. 3.724/19), logo após, mediante a
Lei Eloy Marcondes de Miranda Chaves, implantou-se a previdência social no Brasil
(Decreto Legislativo n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923).
O tempo passado, as vicissitudes enfrentadas e as experiências acumuladas,
ultrapassada a fase econômica assinaladamente agrícola e atrelado o País a um
processo de desenvolvimento econômico, encontra-se o Brasil em condições de
situar-se no conceito mundial das nações como capaz de fixar seu destino histórico,
político, econômico e social.
Quando se pensava destinada a economia vigente ao estágio agrícola
mantida por largo espaço de tempo, diversificaram-se as exportações e, por
intermédio da indústria automobilística, envolveu-se o País na pré-industrialização,
quiçá industrialização ao final da década de 80, tornando-se produtor e exportador
de muitos bens, especialmente minerais, soja, açúcar, frutas e carne de boi.
Nossa previdência social sofreu o impacto de infiltrante inflação; ela erodiu
suas reservas matemáticas, atingiu o sistema securitário calcado em monetarismo
incapaz de suportar o primeiro ciclo de beneficiários que completaram os
pressupostos necessários à fruição das principais prestações.
Aproximava-se célere a hora em que, outra vez, a exemplo do acontecido nas
décadas de 30 e 60 do século passado, devem ser repensadas as bases técnicas
da previdência social. Antes de consolidar-se o seguro social, abriu-se a perspectiva
venturosa de iniciar o processo de passagem para a seguridade social — técnica
socialmente mais justa —, empreendimento monumental que reclama prevalência
total do social sobre o econômico, exatamente no momento em que o inverso é
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praticado. A revisão da Constituição Federal de 1988, iniciada com a Lei n. 9.032/95
e reencetada com a EC n. 20/98, foi o primeiro passo do gigante.
Acredita-se que a EC n. 103/19 deu uma respeitável contribuição para a
fixação do equilíbrio atuarial e financeiro a ser atingido no futuro, vez que foram
contempladas regras de transição aplicáveis a quem ingressou no sistema antes
de 13.11.19.
O modelo previdenciário brasileiro apresenta-se atuarialmente em equilíbrio
instável. A razão não é apenas a insuficiência de recursos, renúncia do custeio ou
concessão de prestações a pessoas social ou juridicamente sem direito. Mesmo
caso se todos os devedores se pusessem em dia, assim permanecessem e o custo
administrativo se reduzisse ao mínimo, o sistema continuaria entropicamente
ameaçado pela técnica adotada, não adequada à clientela de beneficiários.
Fundamentalmente, a população ativa carreia recursos hoje e satisfaz
necessidades da população inativa — representada por clientela protegida; esta,
no seu tempo de contribuir, percebia remuneração relativamente menor — quando
chegar sua vez de auferir as prestações, onerará de tal forma a despesa que
desestabilizará o sistema. Parte da solução implica reexame da filosofia da proteção
social vigente; o presente desequilíbrio populacional entre jovens e idosos sofrerá
mutações ao largo do tempo, com consequências imprevisíveis.
Esse modelo deve ser adaptado às condições econômicas da atualidade,
diferenciadas das décadas de 40 e 60 do século XX; ajustar-se às condições
sociológicas do trabalhador; avaliar a crescente expectativa de vida, reconhecer
a mudança havida na composição da clientela protegida; admitir o crescimento
da assistência social — nela compreendida a dispendiosa, mas socialmente
indispensável, assistência médica; acomodar-se às flutuações do desemprego,
subemprego e excesso de mão de obra não especializada, sem falar na baixa
natalidade e envelhecimento populacional.
O planejamento administrativo tem de racionalizar e desburocratizar
métodos de trabalho; rever o financiamento, modificado e ajustado na medida do
fato gerador da obrigação fiscal; agilizar o sistema de arrecadação e fiscalização;
acompanhar as técnicas cibernéticas, empregando a informática em larga escala.
Mas, sobretudo, o seguro social brasileiro tem de se impor como ciência
jurídica e técnica científica, observando regras, técnicas e pesquisas à altura
de suas enormes necessidades. O primeiro passo seria a reavaliação do plano
de benefícios com a extinção de algumas prestações inconciliáveis (caso da
aposentadoria por tempo de serviço) e o fortalecimento de outras (principalmente
as por incapacidade), de sentido mais protetivo.
Nessa linha, correta é a Lei n. 8.870/94, quando pôs fim ao pecúlio e ao
abono de permanência em serviço de 25%, e a EC n. 20/98, que praticamente
extinguiu a aposentadoria proporcional por tempo de serviço.
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Pertinentemente à técnica científica, impõe-se posicionar-se quanto à proteção
social adotável: seguro social, seguro social tendente à seguridade social ou, o
que parece ainda distante e conveniente, seguridade social. Depois, à base da
reformulação, fixados os princípios técnicos e jurídicos (Subsídios para um modelo
de previdência social para o Brasil. São Paulo: LTr, 2008).
Os princípios representam a consciência jurídica do Direito. Podem ser
concebidos pela mente do cientista social ou medrar no trato diário da aplicação
da norma jurídica. Criados artificialmente, não devem descurar de sua parte as
razões mais elevadas, diretrizes superiores, os valores eternos da civilização, entre
os quais avultam os postulados fundamentais da liberdade, o primado dos direitos
e das dignidades humanas, o dogma da responsabilidade social e os preceitos de
igualdade, equidade e legalidade.
São apresentados, um ou outro ligeiramente esmiuçado, os princípios do
seguro social brasileiro. Não é estudo aprofundado, definitivo ou exaustivo quanto
ao mérito; cuida-se apenas de identificá-los, em alguns casos nomeá-los, relacioná-
los sistematicamente e trazê-los a público em condições de oferecer alguma
utilidade à reformulação do modelo e como instrumento auxiliar na interpretação
e na integração.
A apresentação inicia-se com as preliminares conectadas ao tema. É exa-
minado o princípio fundamental da solidariedade social e do equilíbrio atuarial e
econômico, os básicos e os técnicos; esses últimos, os que dizem respeito mais
amiúde às práticas previdenciárias, divididos em substantivos e adjetivos.
São enfocados princípios administrativos, relativos à assistência social, aos
acidentes do trabalho e aos trabalhadores migrantes. Abordam-se, igualmente,
os princípios constitucionais, de direito procedimental e interpretativo. Como
complemento, postulados de outras ciências jurídicas. Finalmente, com o objetivo
de distingui-los dos princípios, descritos exemplos práticos de regras, técnicas
e presunções previdenciárias, a par de rápidas referências às máximas latinas,
natureza da prestação previdenciária e ligeiro desenvolvimento das razões
previdenciárias.
Por sua oportunidade, em verdadeiro dicionário de institutos técnicos e
jurídicos, comparecem questões de interesse prático permanentes: as distinções
teóricas e práticas, encerrando-se o ensaio.
Esta simples exposição, quase sem exame de mérito, corre os riscos inerentes
à principiologia; não são poucos e a estes perigos devem ser somados a dificuldade
decorrente de escassez bibliográfica e o fato de os postulados securitários se
encontrarem em substanciação, buscando funções, limites, individualizando-se,
fenômeno comum no estágio atual do Direito Previdenciário.
Identificá-los, diferenciá-los dos postulados do Direito, de modo geral, do
Direito Social e do Direito do Trabalho, em particular, elevar certas praxes à

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