Princípios técnicos

AutorWladimir Novaes Martínez
Ocupação do AutorConsultor de Previdência Social
Páginas132-190
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CAPÍTULO VII
PRINCÍPIOS TÉCNICOS
71. Introdução
Depois do princípio fundamental e dos princípios básicos do seguro social,
como complemento necessário impõe-se o exame dos preceitos técnicos. Alguns
deles expressos nas normas legais, outros implícitos, todos de uso corrente. São
regras científicas, instrumentos de efetivação da previdência social e do Direito
Previdenciário.
Diferentemente do postulado fundamental e dos básicos, os princípios
técnicos são fontes formais de integração da previdência social.
Equidistantes do princípio fundamental e dos básicos, se situam próximos
dos comandos e das técnicas, tornando-se, em alguns casos, difícil distinguir-se
delas. Em certas hipóteses, a generalidade dessas últimas permite alçarem-se como
princípios, podendo, destarte, como tais, ser utilizadas em várias oportunidades.
Os princípios técnicos são limitados à esfera menor de atuação em que,
sem embargo, imperam com plena eficácia. Não conhecem fissuras, admitindo a
presença, às vezes supremacia, de outros preceitos técnicos ou básicos.
A relação jurídica de seguro social tem sequência natural e lógica; dizem
os espanhóis, da cuna a tumba. Inicia-se com a filiação, desenvolve-se com as
contribuições e exaure-se, usualmente, com a fruição de prestações; estas, por
sua vez, também, extinguem-se com a morte do beneficiário. Não é infinita; têm
início, meio e fim.
Os princípios técnicos são arrolados mais ou menos na ordem indicada,
divididos em princípios técnicos da filiação, do custeio, técnicos das prestações,
gerais de direito e princípios diversos.
72. Princípios de filiação
O trabalho e as relações jurídicas derivadas são fontes materiais do Direito
Laboral. Significativa fonte de Direito Previdenciário, ao nível de seguro social, é
a possibilidade (prevenção) do trabalhador ou seus dependentes perderem meios
vitais de subsistência ou socialmente não convir obtê-los do trabalho e a ocorrência
dessa perda, quando sobrevém proteção social (reparação).
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A atividade laboral é o principal meio de subsistência do trabalhador;
portanto, é uma fonte material remota do Direito Previdenciário. A razão não é
apenas histórica ou acidental. O seguro social retribui o esforço do trabalhador em
prol da coletividade e distribui as riquezas criadas pelos segurados em favor dos
necessitados.
Para subsistir relação obrigatória de seguro social, é preciso existir a de labor;
subsistente relação de trabalho ou de emprego, opera-se o ingresso do obreiro na
previdência social. Esse ingresso e permanência resultam da filiação.
No exame de caso concreto, adota-se princípio de interpretação segundo o
qual, se dúvida restar no tocante ao fato gerador determinante ou não de filiação,
tratando-se efetivamente de dúvida e não de outra forma de incognição, ela deve
ser resolvida a favor da existência da filiação.
A apreciação dos princípios técnicos inicia-se com o da filiação, nela compre-
endida a inscrição, corolário formal, condição prática para o exercício do Direito
Previdenciário.
Não são muitos os princípios envolvendo a filiação, destacando-se o da
automaticidade e o da unicidade.
72.1. Automaticidade da filiação
A obrigatoriedade é princípio básico do seguro social. Trata-se de imposição
técnica do cálculo atuarial, particularidade da lei dos grandes números aplicada à
previdência social e coatividade da solidariedade social.
Eventualmente, o seguro social poderia não ser obrigatório, mas é por
exigência da natureza humana. Privar-se hoje, em benefício do amanhã, contraria
o espírito dissipador e fugaz do homem moderno, vivendo em um mundo de
incertezas de toda ordem.
A maioria das relações jurídicas estabelecidas entre os beneficiários e a
previdência social, no capítulo do financiamento, é imposta.
Uma dessas relações, um vínculo jurídico que une os protegidos ao seguro
social, chama-se de filiação.
Filiação é exigência técnica, norma cogente sem comportar exceções; como
tal deve ser interpretada. A ela opõe-se a autonomia da vontade. Filiação não
se condiciona à vontade do beneficiário, e sim à da lei. Opera ope legis. Se a
constituição da relação de seguro privado depende da vontade dos contratantes,
a do seguro social está condicionada à da lei.
Contudo, essa compulsoriedade não significa a automaticidade intituladora do
princípio. A filiação poderia ser condicionada a certo evento, prorrogada no tempo
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ou submetida a condições. Isso não acontece. O legislador elegeu certa condição
— exercício de atividade remunerada (CLPS, art. 2º); a partir dela, tem-se instalada
a filiação, independentemente da vontade do beneficiário. De imediato, avulta a
importância das relações do Direito Previdenciário com o Direito do Trabalho.
A automaticidade referida é nexo entre causal trabalho e filiação. Muitas
concepções aplicáveis ao início, desenvolvimento e extinção do contrato de trabalho
nela refletem-se automaticamente. O seu nascimento dá-se com o surgimento da
relação de trabalho.
Pode ser definida como ocorrência imediata de um fato, em relação à
subsistência de outro. Ela é caracterizada por haver exercício de atividade sem
necessidade de mais nada.
O princípio quer dizer: no exato momento do começo do trabalho tem
começo a filiação. O termo inicial é coincidente, o mesmo.
A celeuma em torno do início do contrato de trabalho entre contratualistas e
acontratualistas espraia-se para o Direito Previdenciário. De qualquer forma, deve
prevalecer a escola mais benéfica à ocorrência da filiação.
Havendo trabalho protegido pela lei, opera-se a filiação.
A automaticidade abrange o trabalho definido na lei previdenciária. Não
alcança o trabalho não tutelado (v. g., prendas domésticas, do estagiário,
presidiário etc.).
Orlando Gomes e Elson Gottschalk admitem automaticidade em relação à
filiação: “o ato constitutivo da relação de previdência estabelece-se automatica-
mente com a celebração do contrato de trabalho na empresa”. Nesse sentido “a
relação de emprego é o pressuposto ou fato jurídico sobre o qual se estrutura
a relação-de-previdência” (Previdência Social no Brasil, 1964).
A automaticidade da filiação pode ser depreendida do texto legal. Diz a CLPS:
“O ingresso em atividade abrangida pelo regime desta Consolidação determina a filiação obri-
gatória a esse regime” (art. 8º).
Em regra mais geral, diz o art. 11, § 2º, do PBPS:
“Todo aquele que exercer, concomitantemente, mais de uma atividade remunerada sujeita ao
Regime Geral de Previdência Social é obrigatoriamente filiado em relação a cada uma delas.”
A expressão “ingresso” não significa adoção de profissão relativa às atividades
abrangidas pela LOPS, mas início de atividade abrangida. A filiação tem, por termo
inicial, exatamente quando o trabalhador inicia a atividade remunerada.
Mozart Victor Russomano vê aí pleonasmo, pois, após dizer quais os segurados
obrigatórios, a norma previdenciária repete: quem ingressa em atividade abrangida
por ela é segurado obrigatório. Ele fala em obrigatoriedade de inscrição, certamente
querendo dizer compulsoriedade de filiação (Comentários à CLPS, p. 63).

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