Bens públicos. Função social: da mera detenção ao reconhecimento da posse funcionalizada pelos particulares

AutorEmerson Affonso da Costa Moura e Marcos Alcino de Azevedo Torres
Páginas251-279
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BENS PÚBLICOS. FUNÇÃO SOCIAL:
DA MERA DETENÇÃO AO RECONHECIMENTO DA POSSE
FUNCIONALIZADA PELOS PARTICULARES
Emerson Affonso da Costa Moura1
Marcos Alcino de Azevedo Torres2
1. Introdução
O objetivo deste ensaio é, como sugere seu título, refletir sobre a
questão da natureza jurídica da utilização de bens imóveis públicos por
particulares sem que tenham qualquer autorização do Poder Público titular
do direito de propriedade do bem ou seja, são meros detentores ou são
possuidores. Daí porque será necessário tecer considerações a respeito do
fenômeno que tem a mesma representação fática: alguém se ocupou de um
imóvel para fins de trabalho ou moradia.
O Brasil é um país de contrassensos quando se observa a ocupação
de espaços públicos e privados. Como notícia com frequência a grande
imprensa há disputas de terra e de bens tanto na cidade quanto no campo.
Nas áreas indígenas culminando com frequência com resultado
morte daqueles que procuram dar visibilidade a tais situações como
ocorreu com indigenista Bruno Pereira, funcionário do Incra licenciado e
com o jornalista inglês Dom Philips neste mês de junho de 2022 ou
daqueles que tentam defender suas terras como também se dera no mês de
junho na disputa entre indígenas e policiais militares do Estado de Mato
Grosso do Sul na Fazenda Amandai causando perda de vidas de ambos os
lados, tendo comparecido os policiais com intuito de defender uma
1 Doutorado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor
Visitante do Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Advogado.
2 Doutorado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor
Permanente do Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Associado do Departamento de Direito Civil da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
(TJRJ).
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propriedade privada que segundo os índios afirmavam estaria em suas
terras. Outra notícia grave intitulada “Terra do Medo” exibe um casal de
trabalhadores rurais com um filho pequeno olhando para a casa e seus
arredores consumidos pelo fogo ateado, segundo noticia, por pistoleiros na
região de Anapu, no Pará, onde há disputa de terras entre herdeiros de um
fazendeiro e agricultores por terras a beira da rodovia Transamazônica.3
Saindo do campo e indo para cidade, encontra-se a notícia titulada
“Coração em ruínas”, informando que só no centro de São Paulo existem
cerca de 1.750 imóveis vazios, indicando como exemplo desse descalabro
descumprimento da função social o conhecido Edifício Independência na
esquina a Av. Ipiranga e São João4 enquanto outra notícia sob o título: Em
busca de dignidade, nós dá conta de que 26% das casas de favelas no Rio
de Janeiro não tem banheiro.5
Todas essas situações evidenciam a disputa pela posse da terra,
seja com base em título de propriedade seja através da posse sem qualquer
título que a justifique que não seja a necessidade de moradia, subsistência
enfim a própria existência. Daí a importância de reflexão sobre a questão
que envolve imóveis públicos dominicais que não cumprem qualquer
função e pior ainda, são abandonados pelo Poder Público que de tempos
em tempos desembolsa uma grande soma de dinheiro para conservá-los
quando poderia, em especial nos grandes centros, funcionalizá-los para
atender as pessoas em situação de rua, alguns por não terem local para se
abrigar e outros porque o custo do transporte além do tempo de viagem não
permitem retornar às suas casas nas cidades vizinhas das grandes
metrópoles como acontece na cidade do Rio de Janeiro.
Nesse desiderato pode-se afirmar que a posse tradicionalmente foi
concebida no direito brasileiro como uma defesa avançada da propriedade.
Enquanto o direito de propriedade não fosse definitivamente reconhecido
a alguém, o ato de posse faria presumir que aquele que agisse praticando
atos semelhantes àqueles que pratica o proprietário, agia por ser
proprietário da coisa e desse modo deveria merecer a proteção do sistema,
até que se demonstrasse que aquela situação era apenas de aparência e não
correspondia a nenhum direito daquele que aparentava tê-lo. Proteger o
3 Cf. O Globo, 29.05.2022, p. 1: reportagem de Rafael Soares.
4 Cf. O Globo, coluna Brasil p. 9: Coração em Ruinas por Ivan Martínez Vargas.
5 Cf. O Globo, coluna Rio, p. 13: Em busca de dignidade, por Diego Amorim.

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