A função social da posse no Código Civil

AutorMaurício Mota e Marcos Paulo Sobreiro Pulvino
Páginas425-523
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A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE NO CÓDIGO CIVIL
Mauricio Mota1
Marcos Alcino de Azevedo Torres2
Resumo: No presente texto, os autores analisam os fundamentos teóricos
da posse e da recepção da função social da posse, expressa pela idéia de
posse-traba lho, no Código Civil. Abordando questões práticas, o texto
demonstra como, através de diversos institutos disciplinados no Código
Civil, a determinação do cumprimento da função social se tornou um
pressuposto para o deslinde dos conflitos de propriedade.
Palavras-chave: Posse Fundamentos teóricos - Função social da posse
Código Civil Autonomia da posse.
Abstract: In the present text, the authors examines the theoretical
foundations of possession and receipt of the social function of possession,
expressed by the idea of possession-work, in the Civil Code. Addressing
practical issues, the text demonstrates how, through various institutes
disciplined in the Civil Code, the determination of compliance of the social
function has become a prerequisite to unravel the conflicts of property.
Keywords: Possession - Theoretical foundations - Social function of
possession Civil Code Autonomy of possession.
Sumário: 1. Introdução 2. A posse como apropriação econômica no
Código Civil 3. A função social da posse 4. Exceção de não
funcionalização social do domínio e temporalidade: o artigo 1228, §§ 4º e
do Código Civil 5. Separação absoluta dos juízos petitório e
possessório 6. Conclusão Referências.
1 Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor da UERJ (graduação e pós-graduação).
Procurador do Estado do Rio de Janeiro.
2 Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor da UERJ (graduação e pós-graduação).
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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1. Introdução
A posse sempre esteve envolta em polêmicas, desde o alvorecer
das considerações jurídicas. Sendo um instituto jurídico que, como nenhum
outro, lança o Direito nas exigências da facticidade, para sua análise é
preciso adentrar no mundo factual, da apropriação das coisas.
No presente texto procuraremos apresentar a posse como uma
relação social que decorre da necessidade humana de apropriação
econômica das coisas, e recebe tutela desde que esta apropriação
corresponda a um ideal coletivo, consoante os costumes e a opinião
pública. Nesse sentido, há que se singularizar sua autonomia e marcar que
esta não se vincula necessariamente ao direito de propriedade.
Para a realização desse desiderato, examinar-se-ão os fundamentos
da teoria da posse de Ihering, ressaltando a necessidade de
complementação desta para a compreensão exaustiva do fenômeno da
posse, sobretudo no que diz respeito ao exame da causa possessionis.
A importância da causa possessionis na determinação da natureza
da posse é demonstrada pela interversão da posse, quando, por
circunstâncias objetivas, valoradas e referenciadas socialmente,
transmuda-se a maneira do possuidor agir em relação à coisa, apropriando-
se da mesma. Na interversão da posse se evidencia a posse como a
apropriação econômica da coisa.
Do mesmo modo, o texto examinará os fundamentos da
capacitação daqueles que titularizam a posse, bem como a compressão dos
poderes dominiais, a evidenciar, um e outro aspecto, a posse como essa
relação social de apropriação econômica de bens.
Também relevante na presente análise se mostra o acolhimento no
Código Civil da função social da posse, sobretudo na idéia de posse
qualificada ou posse-trabalho. Essa é efetivamente a grande inovação
trazida pelo novel diploma civil, a justificar a determinação minuciosa de
seus contornos e efeitos.
Procurou-se quanto a essa última matéria, enfrentar a natureza
jurídica do direito consubstanciado no art. 1228, § 4º, do Código Civil,
ressaltando que é no conflito do direito de propriedade (propriedade sem
função social em face da posse qualificada) que o citado direito codificado
se consubstancia e produz os seus efeitos necessários.
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Outra abordagem realizada no texto é aquela concernente à
separação absoluta entre os juízos petitório e possessório. Remontando à
origem da exceptio proprietatis no juízo possessório, demonstra-se a
impropriedade da forma de sua introdução no direito civil brasileiro e sua
definitiva abolição pelo Código Civil.
Consectário dessa separação absoluta dos juízos petitório e
possessório, a valoração jurídica pelo juiz do efetivo cumprimento da
função social da propriedade (no confronto entre a posse qualificada, com
função social, e a propriedade sem função social) passa a ser a tônica da
apreciação judicial em sede de juízo possessório (e mesmo no petitório),
instrumentalizando-se, deste modo, a consideração antes, algo genérica, da
função social da posse.
Portanto, verificar-se-á no texto que, ao contrário considerou uma
parte da doutrina, apressadamente, o Código Civil alterou
significativamente a tradicional disciplina da posse no direito brasileiro.
2. A Posse como Apropriação Econômica no Código Civil
A posse tradicionalmente era concebida em nosso direito como
uma defesa avançada do direito de propriedade. O direito de propriedade
não está sempre em perfeita evidência: freqüentemente ele é contestado
por muitas pessoas cujas pretensões parecem igualmente plausíveis. Para
saber qual é a pretensão que deve restar vitoriosa na questão da
propriedade, é preciso consultar títulos por vezes contraditórios, inquirir-
se sobre fatos obscuros, abordar situações difíceis, e, por vezes mesmo,
após uma longa instrução, a questão continua ainda duvidosa. Nesse caso,
a lei, conforme a razão, almeja que o possuidor seja o preferido, pois, em
tais casos, melhor é a condição do possuidor. De resto, enquanto o direito
de propriedade não é definitivamente estabelecido, a posse não pode
permanecer vacante. O interesse público exige que as terras sejam
cultivadas, que os campos não fiquem improdutivos. Para evitar, portanto,
as desordens que poderiam resultar da incerteza da posse, é de todo
necessário adjudicar provisoriamente a posse a um dos dois contendores,

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