Discriminação por Sobrequalificação

AutorJorge Cavalcanti Boucinhas Filho
Ocupação do AutorProfessor dos cursos de graduação da Universidade São Judas Tadeu e da EAESP FGV
Páginas101-106
CAPÍTULO 10
DISCRIMINAÇÃO POR SOBREQUALIFICAÇÃO
JORGE CAVALCANTI BOUCINHAS FILHO
(1)
1. INTRODUÇÃO
A discriminação combatida pelo direito caracteriza-se como um tratamento desigual baseado em um critério
injustificável. O seu combate é uma marca da própria evolução do ser humano, sempre no sentido da maior igual-
dade entre as pessoas, com eliminação da diferenciação arbitrária de tratamento. Eliminou-se, gradualmente, a de-
sigualdade entre senhores e escravos, aqueles tratados como sujeitos de direito, estes como objeto de direito; a desi-
gualdade entre nobres, com mais direitos, e servos, com menos direitos. A partir daí observou-se na evolução humana
a eliminação gradativa de outras desigualdades também inaceitáveis, fundadas em critérios variados, como sexo, cor,
religião, opção sexual, idade, origem etc.
A partir desta constatação pode-se concluir que a discriminação adquire as mais variadas formas. Tão logo se
começa a atentar para a necessidade de se combater algumas delas, novas surgem ou começam a ser percebidas.
Há, aproximadamente, dez anos atrás, falar em discriminação estética seria novidade. A discriminação etária ou
edonismo também é um fenômeno recente. O Código do Trabalho de Portugal e a legislação de alguns estados
norte-americanos já cuidam de combater a discriminação por motivo genético.
É preciso, outrossim, reconhecer que apresentar um rol exaustivo das hipóteses de discriminação consiste em
tarefa fadada ao fracasso. Muito mais útil é ter os olhos bem abertos para as novas formas de discriminação, a fim
de prontamente denunciá-las e melhor enfrentá-las.
2. DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO
O primeiro passo para se conseguir êxito nesta empreitada consiste em reconhecer a possibilidade de existir
uma prática discriminatória negativa em um contexto em que não há preconceito. Mas o que seria então pre-
conceito? Segundo a OIT, o preconceito consiste em uma ideia preconcebida, um conceito ou opinião formada
antecipadamente, uma predisposição negativa dirigida a pessoas, grupos de pessoas ou instituições sociais. A
discriminação, por outro lado, é o ato de tratar as pessoas de forma diferenciada e menos favorável a partir de
critérios injustificáveis.
Nós estamos acostumados a combater discriminações que são fruto de preconceitos. Mas é possível ter precon-
ceito sem discriminar. Apesar de censurável, o preconceito não produz efeitos jurídicos, enquanto não for exte-
riorizado, transformando-se, portanto, em discriminação. O preconceito é o sentimento, o aspecto intrasubjetivo.
A discriminação é a conduta.
Assim como qualquer um poderia, eventualmente, incorrer em um ato discriminatório sem ter preconceito
contra a vítima. Aliás, a legislação brasileira sobre a matéria, em especial a Convenção n. 111 ratificada pelo Brasil
e a Lei n. 9.029, não exigem prova de dolo para caracterização da conduta discriminatória.
(1) Professor dos cursos de graduação da Universidade São Judas Tadeu e da EAESP FGV. Mestre e Doutor em Direito do Tra-
balho pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutor pela Universidade de Nantes, França. Membro da Academia Brasileira de
Direito do Trabalho. Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia para a Gestão (2019-2021). Advogado.

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