O (In)Acesso à Justiça Social com a Demolidora Reforma Trabalhista

AutorSandoval Alves da Silva
Ocupação do AutorDoutor e mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA)
Páginas285-303
CAPÍTULO 26
O (IN)ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL COM A
DEMOLIDORA REFORMA TRABALHISTA
SANDOVAL ALVES DA SILVA
(1)
1. INTRODUÇÃO
Há dois anos foi aprovada a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que altera a Consolidação das Leis do Traba-
lho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974,
n. 8.036, de 11 de maio de 1990, e n. 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às “supostas”
novas relações de trabalho. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.467 entram em vigor após decorridos 120
dias de sua publicação oficial, ou seja, em 11 de novembro de 2017(2), pois a publicação ocorreu em 14 de julho
de 2017.
Entre as inúmeras alterações da demolidora Reforma Trabalhista, tanto de cunho material quanto processual,
destacam-se, para os fins deste artigo, apenas os dispositivos que impactam o custo econômico e temporal do
processo e as limitações interpretativas e violadoras da independência funcional e da unidade da jurisdição que a
lei traz para os juízes trabalhistas, por excesso de formalidade que diferencia de forma inconstitucional os juízes
do trabalho dos demais juízes brasileiros.
Além de examinar a constitucionalidade e a convencionalidade de alguns dispositivos de cunho processual, a
análise levará em consideração a natureza social dos direitos trabalhistas, a concepção social de Estado e as discus-
sões sobre o acesso à justiça trazidas por Cappelletti e Garth (1988), ao defenderem as três ondas processuais re-
novatórias para viabilizar a fruição dos direitos quando questionados judicialmente, a fim de deixar demonstrado
o total descompasso acadêmico e normativo de algumas alterações. Descompasso este que altera geneticamente a
função do judiciário trabalhista, para não falar de total inversão da concepção de direitos a serem apreciados pela
outrora justiça laboral.
Nesse contexto, o artigo enfrentará a demolidora Reforma Trabalhista sob o enfoque do acesso à justiça no que
se refere à gratuidade da justiça, aos honorários advocatícios sucumbenciais e periciais e às normas procedimentais
exageradas para alterar e editar súmulas e enunciados de jurisprudência.
(1) Doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), na linha de pesquisa sobre constitucionalismo, demo-
cracia e direitos humanos, Procurador do trabalho lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 8ª Região, Professor da
Universidade Federal do Pará (UFPA), na Pós-Graduação de Direito – PPGD com as disciplinas “Solução de problemas e de
conflitos por acordo e a concretização dos direitos sociais” e “Processo dialógico de concretização dos direitos sociais”, bem
como na graduação com as disciplinas Teoria Geral do Processo e Processo Civil, membro do IIDP (Instituto Ibero America-
no de Direito Processual). Associado da ANNEP (Associação Norte Nordeste dos Professores de Processo), ex-Coordenador
Nacional da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Tra-
balho – COORDIGUALDADE, ex-professor de Direito Financeiro e Orçamento Público, ex-procurador do Estado do Pará,
ex-assessor da Auditoria Geral do Estado do Pará e ex-analista de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Pará.
(2) De acordo com o § 1º do art. 8º da Lei Complementar nº 95/98, “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que
estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor
no dia subsequente à sua consumação integral”. Portanto, ao se computar o dia 14 de abril de 2017, o prazo de 120 dias acaba
dia 10 de novembro de 2017, começando a Lei a vigorar em 11 de novembro de 2017.
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| DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES TRABALHISTAS
Por essa razão, o presente artigo abordará alguns temas processuais, como as restrições inconstitucionais e
“inconvencionais” de acesso à Justiça do Trabalho e a violação da independência funcional da justiça laboral e da
unidade da jurisdição, analisando mais detidamente os §§ 2º e 3º do art. 8º, a alínea f do inciso I e os §§ 3º e 4º
do art. 702, os §§ 3º e 4º do art. 790, o art. 790-B, o art. 791-A e os §§ 2º e 3º do art. 844, sempre tendo em vista
o acesso à justiça, em especial, à justiça social.
2. A CONCEPÇÃO DE ESTADO SOCIAL E A INTERVENÇÃO PARA ATENDER OS DIREITOS SOCIAIS
DOS NECESSITADOS
Antes de fazer uma análise dos dispositivos que são objeto deste artigo à luz do acesso à justiça, é necessário
tratar da evolução da organização estatal, particularmente da relação entre o Estado e os jurisdicionados, bem
como verificar o grau de intervenção na economia e na sociedade para atender os necessitados na distribuição dos
bens comuns ou coletivos, que são usualmente chamados “direitos sociais”, ainda que pelo ângulo processual,
como é o caso do acesso à justiça.
Não se abordará aqui o Estado no contexto histórico, sua formação e concepção, tampouco se discutirão os
elementos do Estado, como proposto nos livros de Teoria Geral do Estado (BONAVIDES, 2004, p. 27-36); focali-
zar-se-á antes a evolução do Estado em relação ao progresso das instituições jurídicas de defesa da pessoa humana
contra a violência, o aviltamento, a exploração e a miséria (COMPARATO, 2003, p. 1-68).
A concepção de Estado desenvolvida após a Revolução Francesa tinha o claro objetivo de estabelecer os di-
reitos dos indivíduos contra o poder opressor do Estado absolutista (SCAFF, 2002, p. 395). Essa época foi mar-
cada pelo Estado liberal ou Estado mínimo, no qual a política econômica não intervinha nos negócios privados,
deixando-os sob a influência do mercado (SCAFF, 2001, p. 68).
Com a defesa da liberdade individual como valor supremo, o capitalismo chegou ao seu apogeu no Estado
liberal, o que trouxe sérios problemas sociais, já que, na autonomia da vontade, o capital sempre tinha mais força
do que a mão de obra. Assim, se o liberalismo incentivou a construção da autonomia da vontade, o capitalismo
acabou por desnaturar a ideia de liberdade, pois quem não tinha propriedade não tinha liberdade, o que ensejou a
célebre pergunta de Proudhon: “Onde está a liberdade do não proprietário?” (AZEVEDO, 1999, p. 81).
Opondo-se a essa realidade e após vários momentos históricos, tais como as revoluções industriais, a revolução
russa e o colapso econômico das duas guerras mundiais, surgiu a necessidade de um Estado intervencionista, de-
nominado welfare state, Wohlfahrtsstaat, Estado Social, Estado Providência ou de Prestações, que tem como objetivo
principal oferecer ajuda aos cidadãos ou fazer com que a sua qualidade de vida melhore e a injustiça social diminua
(AZEVEDO, 1999, p. 83-91), como forma de compensar a ausência de autonomia da vontade dos hipossuficientes.
Em um estudo sobre as prestações fornecidas pelo Estado, Paulo Gustavo Gonet Branco (2002, p. 139-152)
assevera que uma das formas de distinguir os direitos fundamentais é dividi-los em direitos de defesa, de partici-
pação e prestações – estas últimas compreendem os direitos à prestação jurídica (que inclui o acesso à justiça) e
as prestações materiais. Já Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 188-206) divide as prestações em direito à proteção(3),
direito de participação na organização e no procedimento(4) (que inclui o acesso à justiça) e direito a prestações
em sentido estrito ou status positivus socialis(5).
As características intervencionistas e assistenciais do Estado social levaram a um crescimento desmensurado
do Estado, com acréscimo de funções, ineficiência nas prestações de serviços, em virtude da forma burocrática
de organização e da deficiência do controle jurisdicional – o Estado limitou-se a fazer um controle formal, sem
observar o conteúdo de justiça e sem acompanhar a evolução dos novos conflitos que surgiram de um Estado de
prestações (DI PETRO, 1999, p. 21-22). A despreocupação com o conteúdo da justiça foi objeto de estudo como
a terceira onda renovatória da crise do bem comum do acesso à justiça aos hipossuficientes, na qual se defende
(3) O direito à proteção é uma posição jurídica fundamental que outorga ao indivíduo o direito de exigir do Estado que ele o
proteja contra ingerências de terceiros em determinados bens pessoais (SARLET, 2001, p. 195).
(4) Para Alexy (apud SARLET, 2001, p. 198), o direito de participação na organização e no procedimento é o direito ao estabele-
cimento de determinadas normas procedimentais e à determinada interpretação e aplicação das normas sobre procedimento.
(5) As prestações em sentido estrito objetivam assegurar, mediante a compensação das desigualdades sociais, o exercício de uma
liberdade e de uma igualdade real e efetiva, que pressupõem um comportamento ativo do Estado (SARLET, 2001, p. 202).

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