Os Impactos do Patriarcado na Divisão Sexual do Trabalho Traduzida em Assédio Moral

AutorKarina da Silva Meneses e Valena Jacob Chaves Mesquita
Ocupação do AutorMestra em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará ? UFPA/Advogada, Doutora e Mestre em Direito pela UFPA
Páginas134-158
CAPÍTULO 14
OS IMPACTOS DO PATRIARCADO NA DIVISÃO SEXUAL DO
TRABALHO TRADUZIDA EM ASSÉDIO MORAL
KARINA DA SILVA MENESES
(1)
VALENA JACOB CHAVES MESQUITA
(2)
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O termo “divisão sexual do trabalho” aplica-se na França em duas acepções de conteúdos distintos. Trata-se,
de um lado, de uma acepção sociográfica: estuda-se a distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado
de trabalho, nos ofícios, nas profissões e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; analisando ainda
como ela se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos (HIRATA, 2007, p. 595-609). De outro
lado, a segunda acepção aduz que o termo divisão sexual do trabalho é: a demonstração de que as desigualdades
estabelecidas são sistemáticas e, ao observar essa descrição, estabelecendo com ela uma reflexão sobre os processos
que a sociedade utiliza para hierarquizar as atividades, e assim os sexos, observa-se a criação de um sistema de
gêneros (HIRATA, 2007, p. 595-609).
Assumindo esta lógica da divisão sexual do trabalho, as mulheres, em regra, realizam trabalhos em tempo
parcial, ganham menores remunerações e são mais flexíveis, isto para que elas possam se dedicar aos afazeres
domésticos e cuidar dos filhos.
A igualdade, assim, ainda é utópica. Os valores éticos, com o capitalismo e sua posterior globalização, foram
subvertidos em prol de uma busca lancinante por lucro desmedido. Faltas morais graves são consideradas normas
de gestão da empresa e de seus funcionários.
De acordo com Dejours:
Fazer o “trabalho sujo” na empresa está associado, para os que exercem cargos de direção – os lideres do
trabalho do mal – à virilidade. Quem recusa ou não consegue cometer o mal é tachado de “veado”, “fresco”,
sujeito “que não tem nada entre as pernas. E não ser reconhecido como um homem viril significa, evidente-
mente, ser “frouxo”, isto é, incapaz e sem coragem, logo, sem a “virtude” por excelência (DEJOURS, 2009,
p. 80).
O autor segue afirmando que, obviamente, o líder do trabalho do mal é antes de tudo perverso, quando usa do
recurso à virilidade para fazer o mal passar por bem. É perverso porque usa o que em psicanálise tem o nome de
ameaça de castração como instrumento de banalização do mal. Aqui, como se vê, a dimensão psicoafetiva é central,
e a abordagem clínica, esclarecedora. É por mediação da ameaça de castração simbólica que se consegue inverter
o ideal de justiça (DEJOURS, 2009, p. 100).
(1) Mestra em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Pós-graduada em Advocacia Trabalhista pela UNI-
DERP. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Pará – CESUPA.
(2) Advogada, Doutora e Mestre em Direito pela UFPA, Diretora da Escola Judicial da ABRAT, Diretora da Associação Luso-Brasileira
de Juristas do Trabalho – JUTRA, Diretora do Curso de Direito da UFPA; Professora da Graduação e do Programa de Pós-Gra-
duação em Direito da UFPA. e-mail: . Currículo: .
Capítulo 14 • Os Impactos do Patriarcado na Divisão Sexual do Trabalho Traduzida em Assédio Moral |135
Ao manipular este sentido de virilidade, observa-se a presença de um forte conteúdo de gênero, pois a virilida-
de está culturalmente atrelada à masculinidade. Este padrão de imposição de virilidade exclui as mulheres destes
cargos que solicitam uma postura agressiva e impiedosa.
Ainda de acordo com Dejours (2009, p. 105-106), a virilidade impugna um desprezo pelo fraco e, não raro,
também o ódio por ele, o que desfaz um frágil equilíbrio. Borges (2015, p. 160) afirma que o assédio moral é con-
duta gravosa de conteúdo moral com viés de perseguição impertinente e constrangedora que degrada o ambiente
de trabalho e gera efeitos negativos às vítimas, refletindo nas metas e resultados. As práticas de assédio moral
desrespeitam e humilham a vítima, atingindo sua personalidade, com forte correlação com as relações de poder
inerentes à organização de trabalho.
Coutinho no mesmo sentido aduz:
Como no assédio sexual, a mulher também se apresenta como a maior vítima do assédio moral laboral,
que se constitui em situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes, em razão das relações de gênero
presentes no mundo do trabalho. Estas vão atuar como mecanismos de controle e sujeição da trabalhadora,
e trazem, como efeito, o medo e a insegurança, devido à submissão às ordens e instruções de superiores
hierárquicos, na sua maioria homens. Observa-se, ainda, que todos aqueles trabalhadores vítimas da discri-
minação (mulheres, negros, homossexuais, pessoas portadoras de deficiência e de HIV/Aids) são também
vítimas preferenciais do assédio moral, percebido no tratamento desigual, em que é constante a desvalori-
zação de suas pessoas e atividades profissionais, o que gera desigualdades nas condições de trabalho (COU-
TINHO, 2006, p. 59).
O assédio moral laboral não atinge apenas às mulheres, mas também os empregados condicionados a cumprir
metas inalcançáveis ou rigorosas normas de disciplina, controle e fiscalização, podendo ser confundido com o
abuso de poder do empregador. Conforme assevera Coutinho:
Embora estudado como violência moral, o assédio moral laboral é incluído neste estudo como uma moda-
lidade de discriminação em face do gênero, não apenas porque este se manifesta através de relações de gê-
nero, como também aparece fortemente articulado com outras formas de discriminação. Note-se ainda que
a violência moral é percebida como instrumento por meio do qual se pratica a discriminação. Muitas vezes,
fica difícil distinguir uma conduta de assédio moral de uma conduta discriminatória, já que a primeira, além
de provocar desigualdades de oportunidades e tratamento entre trabalhadores, apresenta-se, quase sempre,
como um modo manifestação da discriminação (COUTINHO, 2006, p. 60).
As próprias empresas têm dificuldade em lidar com funcionários diferentes ou atípicos. As atitudes de assédio
visam antes de tudo: “queimar” ou se livrar de indivíduos que não estão em sintonia com o sistema. Na era da glo-
balização, procura-se fabricar o idêntico, clones, robôs interculturais e intercambiáveis. Assim, para que o grupo
seja homogêneo, esmaga-se aquele que não está “no ponto”, aniquila-se qualquer especificidade, seja de caráter,
comportamento, sexo, raça... formatar os indivíduos é uma maneira de controlá-los (HIRIGOYEN apud BORGES,
2015, p. 161).
Apesar de não atingir apenas as mulheres, o assédio, de um modo geral, atinge muito mais as mulheres do que
os homens. As pesquisas desenvolvidas por Barreto (2006, p. 29) apontam para um dado preocupante: “Do univer-
so inicial de 2.072 trabalhadores com que conversei, 42% (870) relataram vivências com situação de humilhação.
Consistiam em 494 mulheres e 376 homens e pertenciam a 97 empresas, deste total, 56,78% eram mulheres”.
O assédio moral organizacional é fruto da lógica de mercado capitalista e acabou por se inserir na cultura de
trabalho de modo quase invisível. Bourdieu (2017, p. 34) trata com precisão acerca da legitimação de condutas de
sujeição por meio da naturalização do dever-ser de cada sujeito. Na órbita trabalhista não seria diferente, pois ali
também se espraiam modos de fazer e agir considerados naturais, mas que, em verdade, são fruto de uma cons-
trução acerca de como um trabalhador deve se portar. Neste sentido, a subordinação. A própria Consolidação das
Leis do Trabalho, ao analisar a relação de emprego, afirma que ela se compõe de alguns requisitos mínimos, entre
eles a subordinação.
O legislador, ao prever a condição de subordinação do trabalhador, teve o cuidado de analisar que existem
várias formas por meio das quais o empregado pode estar subordinado ao empregador, podendo ser econômica,
jurídica e/ou técnica. Desta feita, não é necessária a presença de todas as formas de subordinação para que seja

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